O soldado comando Aliu Camará, gravemente ferido durante uma operação militar na República Centro-Africana (RCA) e que obrigou à amputação das pernas, recebe na terça-feira a visita do principal chefe militar daquele país africano, soube o DN junto de fontes militares.
O general de brigada Zéphirin Mamadou, chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas (CEMGFA) da RCA, inicia nesta segunda-feira uma visita oficial de dois dias a Portugal a convite do homólogo português, almirante Silva Ribeiro, confirmou ao DN o seu porta-voz, comandante Santos Serafim.
Santos Serafim escusou-se a confirmar a ida do general centro-africano ao Hospital das Forças Armadas (HFAR), mas fontes de outros ramos com conhecimento do programa da visita afirmaram ao DN que o encontro com Aliu Camará consta da agenda e está previsto para terça-feira.
Aliu Camará ficou gravemente ferido a 13 de junho, durante a deslocação da coluna militar onde seguia como apontador numa viatura Humvee que se despistou e capotou. Retirado de helicóptero para o hospital da ONU em Bangui, onde foi necessário amputar-lhe as pernas, o militar do 5.º contingente das Forças Armadas (FA) na RCA foi repatriado horas depois para Lisboa e no dia seguinte estava internado no HFAR.
A visita do CEMGFA da RCA junta-se às que o soldado comando, de origem guineense, tem recebido ao longo das últimas semanas por parte de responsáveis políticos - Presidente da República, ministro da Defesa - e militares ou figuras públicas como o futebolista Pizzi ou a antiga campeã olímpica Rosa Mota.
Estas visitas acabam, no entanto, por estar condicionadas à situação clínica de Aliu Camará, observaram as fontes, uma das quais precisou que o militar já tem uma perna cicatrizada. Contudo, na última semana havia alguma restrição à presença de visitantes no quarto do militar por lhe ter sido detetada uma bactéria multirresistente, acrescentou um oficial.
Esta visita do CEMGFA da RCA, que no fim de semana esteve informalmente em Fátima e Mafra, ocorre menos de um mês após o fim da presidência portuguesa da missão de treino da UE naquele país africano, exercida durante ano e meio através do major-general Hermínio Maio.
Dado esse contacto "próximo e regular" dos militares portugueses com os da RCA, tanto na formação e treino como em operações combinadas de patrulha ao longo daquele país, o convite do almirante Silva Ribeiro ao general de brigada Zéphirin Mamadou visou - além do objetivo diplomático de "fortalecer as relações" entre as Forças Armadas dos dois países - mostrar-lhe "como as FA portuguesas estão organizadas e como são formados e preparados os militares que desempenham atualmente funções" nas missões da ONU e da UE na RCA, indicou o porta-voz do EMGFA,
O programa da visita de Zéphirin Mamadou, um paraquedista que neste domingo cumpriu um ano como CEMGFA da RCA, inclui idas à base aérea de Sintra - onde a Força Aérea está a instalar as esquadras de helicópteros e sede da futura escola europeia dessas aeronaves - e ao quartel do Exército na Carregueira (Cacém), onde está instalado o Regimento de Comandos.
O general "manifestou interesse em visitar" instalações daqueles dois ramos e no âmbito da "edificação das Forças Armadas da RCA", adiantou o comandante Santos Serafim. "Procura-se assim identificar formas de cooperação e apoio", naquele país ou em Portugal, onde os militares portugueses possam contribuir para "o desenvolvimento das FA" centro-africanas.
Porém, frisou Santos Serafim, "não existe nada de concreto" em matéria de treino e formação a dar pelas FA portuguesas aos militares da RCA, que têm nas Forças Armadas francesas o seu "parceiro histórico", segundo o próprio Zéphirin Mamadou.
O porta-voz do EMGFA admitiu, contudo, que nas conversações bilaterais "podem ser identificadas atividades" relacionadas com o "desenvolvimento de competências técnico-tácticas" dos militares da RCA, bem como do seu "treino avançado, formação de formadores ou na área das informações".
Com o atual contingente das FA na RCA, cujos 185 militares partiram em março e regressam em setembro, Portugal já empenhou cerca de um milhar de efetivos naquele país africano, tanto na missão operacional da ONU como na de treino da UE (EUTM/RCA, sigla em inglês).
A Missão Multidimensional Integrada das Nações Unidas para a Estabilização da República Centro-Africana (MINUSCA) iniciou-se em 2014 e Portugal entrou no início de 2017, substituindo um contingente da França e atuando como força de reserva do comandante operacional da ONU em todo o território.
Com cada contingente do Exército a estar seis meses no terreno, nos quais se integram controladores aéreos táticos da Força Aérea, os primeiros dois e o último tiveram por base o Regimento de Comandos. Os dois anteriores eram de paraquedistas - como o próximo, oriundo do Regimento de Infantaria de Tomar (RI15).
O recurso aos paraquedistas tornou-se necessário devido à falta de efetivos no Regimento de Comandos, que é atualmente de 280 militares no conjunto das três categorias: 41 oficiais, 76 sargentos e 163 praças, segundo dados do Exército.
Os Comandos - que há precisamente um mês (29 de junho) celebraram o seu aniversário - são forças especiais do Exército criadas em 1962 e na sequência do rebentar da guerra colonial, em Angola. No total, esse ramo formou um total de 18 356 militares com essa especialidade - cuja recruta foi alvo de forte polémica nas últimas décadas, devido à morte de instruendos numa prova inicial de resistência física e com reduzido consumo de água.
Essa polémica foi uma das principais causas que levaram à extinção do Regimento de Comandos em 1993. Reativado em 2002, regressaram as mortes de instruendos, que em setembro de 2016 levaram a suspender o recém-iniciado curso e a rever de alto a baixo todos os referenciais dessa formação.