29 JUL 2018
29 julho 2018 às 06h28

Macron nos bastidores: feliz por voltar a Lisboa como campeão mas com pena de não falar português

Presidente francês esteve sexta-feira na Gulbenkian para um Encontro com Cidadãos sobre a UE e respondeu a umas perguntas do DN, cuja editora executiva moderou o debate.

Helena Tecedeiro

É já apressado e a caminho do carro que o espera para o levar ao almoço com António Costa que Emmanuel Macron aceita responder a umas perguntas. "Voltar a Lisboa como campeão do Mundo de futebol depois da derrota na França frente a Portugal na final do europeu tem um sabor a vingança?", lanço. O presidente francês ri-se, ignorando os apelos do guarda-costas para não responder. "Não, não podemos falar em vingança. Mas é muito bom voltar campeões!", diz, antes de agradecer e desaparecer em direção à porta da Fundação Gulbenkian onde participou com o primeiro-ministro português num Encontro com os Cidadãos sobre os Desafios da União Europeia.

Duas horas antes, foi juntos e numa amena cavaqueira em francês que os dois chegaram à zona dos camarins, nos bastidores do Grande Auditório da Gulbenkian, antes do debate que protagonizaram na sexta-feira. Na sala, aguardava-se ansiosamente. Antes, o presidente francês e o primeiro-ministro português visitaram o museu com a presidente da Fundação Gulbenkian, Isabel Mota. Mais uma vez é de sorriso nos lábios que Macron solta um enchanté ao ser-me apresentado e informado de que irei eu moderar o debate. Pergunta pelo formato, hesita quando fica a saber que terá de fazer uma breve apresentação inicial, mas acede. E desaparece para o camarim.

Passados largos minutos, sai, pergunta pelo auricular da tradução simultânea, vira-se para Costa e para mim e brinca: "Isto é injusto, vocês vão perceber tudo o que se vai dizer e eu não!" Os dois líderes parecem à vontade um com o outro, com Costa a referir várias vezes "Emanuel" nas intervenções que fará de seguida.

Macron é informado de que o auricular o espera no palco, de onde os líderes responderam às perguntas de centenas de pessoas que se inscreveram para o encontro, semelhante aos que decorrem nos Estados membros da UE desde abril e se vão prolongar até final do ano. O objetivo é dinamizar o diálogo e recolher ideias a apresentar às instituições europeias antes das eleições de maio do próximo ano. Questionado por Costa se já tentou aprender português, Macron garante que gostava. "Sei um pouco de espanhol, mas o português é muito difícil", lamenta, pronto a subir as escadas de acesso ao palco.

Chegado diante da assistência, o presidente francês parece entrar no seu habitat natural. Toma notas, vira-se para quem faz perguntas, pisca o olho e responde com as propostas que desde o primeiro momento tem defendido para uma UE mais forte: uma zona euro com orçamento próprio e um ministro das Finanças dos 19 países que aderiram à moeda única, mais convergência fiscal e social, uma tributação comum dos gigantes do digital ou a reforma das instituições europeias.

Segurança, selfies e ideias para a UE

São estas as ideias que no final volta a focar quando acede a responder às minhas perguntas. O pedido há muito fora feito através da Embaixada de França em Lisboa e do embaixador Jean-Michel Casa. Foi ele que me convidou para a moderação do debate, confiando que o bilinguismo de alguém criada na Suíça até aos 13 anos fosse uma mais-valia. Mas foi sem confirmação de que Macron aceitaria falar a uma jornalista que cheguei à Gulbenkian na sexta-feira de manhã. Em torno da fundação o aparato policial era já grande pouco depois das 08.00, apesar de o debate só estar previsto começar às 11.00. Os carros do corpo diplomático rivalizavam com os táxis a deixar convidados e participantes inscritos no evento.

O pedido ao próprio Macron, esse, foi feito logo nos bastidores, pouco depois de o presidente francês ter chegado à Gulbenkian, aproveitando o momento em que entrava no camarim. Ele disse que sim, claro, no fim, uns minutos. Mas a oportunidade tardava em surgir.

Terminado o debate, Macron e Costa desceram do palco juntos, saudaram toda a primeira fila e foram apertando mãos e tirando fotos com quem ia pedindo. Nas escadas que levam à saída, muitas pessoas iam-se acumulando, à espera da sua oportunidade para uma selfie com o presidente - alguns representantes de entidades portuguesas mas sobretudo membros da comunidade francesa em Portugal. São mais de 15 mil os franceses a viver no nosso país. E alguns não quiseram perder a primeira visita do seu chefe do Estado desde que foi eleito, em maio de 2017. Lisboa fora a escolha de Macron para uns dias de férias com a mulher, Brigitte, no final de 2016. Agora voltou com a Europa na agenda. Primeiro para discutir com Costa os desafios do continente e, à tarde, para a cimeira na qual o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, e o comissário europeu para a Ação Climática e Energia, Miguel Arias Cañete, se lhes juntaram, para debater as interconexões energéticas.

Só duas perguntas! Três, insisto

Pais com filhos, famílias inteiras, Macron não se esquivou a nenhuma foto. E já estava quase a sair do edifício quando o intercetei. E as perguntas a que prometeu responder? Vamos a isso, diz. Os muitos elementos da segurança que o rodeiam é que não parecem concordar. Só duas!, dizem. Três, insisto. E lá faço a primeira:

"Brexit, refugiados, mas também a "guerra civil" entre democracia liberal e autoritarismo de que falou em abril em Estrasburgo. A democracia liberal vai ganhar?" A resposta sai rápida: "A democracia liberal tem de ganhar. E temos tudo para conseguir. Mas é preciso encontrar regras claras. Mostrar que os detentores da democracia liberal a podem proteger. É o que os concidadãos esperam de nós. Podemos protegê-la mantendo os nossos valores. Isso pressupõe uma maior clareza quanto aos nossos princípios, maior eficácia e uma união e cooperação eficaz."

E logo a segunda: "Uma Europa unida é ainda mais importante face aos EUA de Donald Trump?" E a resposta: "Ainda mais. Porque seja relativamente ao digital, ao comércio, aos assuntos geopolíticos, temos de ter uma posição comum. E a divisão só iria ser proveitosa para quem tem posições contrárias aos nossos interesses [...] Se cooperarmos para termos verdadeiros padrões europeus, será assim que poderemos ter uma verdadeira eficácia e resistir face a quem tem outra visão."

Para o futebol ainda arranjou tempo. E lá seguiu para o almoço com Costa. A caminho tiraram mais umas fotos na Baixa pela qual em 2016 passeou com Brigitte.