O líder da Assembleia Nacional venezuelana, que se declarou presidente encarregado, lançou nesta segunda-feira um novo apelo aos protestos contra o presidente Nicolás Maduro. E não só na Venezuela. Juan Guaidó pediu aos venezuelanos para voltarem às ruas na quarta-feira no país e no sábado "em todo o mundo", para secundar "o apoio da União Europeia ao reconhecimento da nossa luta e do ultimato ao usurpador", escreveu no Twitter..Vários países da União Europeia (Portugal, Espanha, França, Alemanha e Reino Unido) deram a Maduro até domingo para convocar eleições, ameaçando reconhecer Guaidó como presidente interino caso não o faça. Ontem, Austrália e Israel juntaram-se a EUA e à maioria dos países do continente americano no reconhecimento de Guaidó..Maduro mantém o apoio da Rússia e da China, dois membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas, assim como da Turquia, Bolívia, Cuba, Nicarágua ou Irão, entre outros..Além da pressão diplomática contra Maduro, a ideia é reforçar a pressão económica, deixando o presidente venezuelano sem acesso a dinheiro. Ontem, a Venezuela foi obrigada a desvalorizar a sua moeda em 34,83%, equiparando a taxa oficial do dólar com a do mercado negro. A nova taxa é de 3200 bolívares por dólar..Guaidó anunciou a tomada de controlo "progressivo e ordenado dos ativos" da Venezuela no exterior, para evitar que "o usurpado", como chama a Maduro, "continue a roubar o dinheiro dos venezuelanos, financiando crimes a nível internacional e usando esse dinheiro para torturar o nosso povo, privando-o de alimentos e medicamentos e assassinando quem sai a protestar pelos seus direitos"..Ouro no Reino Unido.No Reino Unido, essa pressão vem das reservas de ouro no valor de 1,2 mil milhões de dólares (15% das reservas da Venezuela), que estão nos cofres do Banco de Inglaterra..Guaidó escreveu à primeira-ministra britânica, Theresa May, e ao governador do Banco de Inglaterra, Mark Carney, a pedir que bloqueiem o acesso de Maduro a essas reservas. Desde final do ano passado que alegadamente Maduro estará a tentar repatriar as reservas para a Venezuela, temendo que pudessem ser abrangidas pelas sanções contra o seu governo.."Estou a escrever para lhe pedir que pare esta transação ilegítima", escreveu Guaidó numa carta datada de 26 de janeiro, segundo a Reuters. "Se o dinheiro for transferido, será usado pelo regime ilegítimo e cleptomaníaco de Nicolás Maduro para reprimir o povo", lia-se na missiva, na qual alegava ainda que a nomeação de Calixto Ortega como presidente do Banco Central venezuelano, a entidade que tem pedido acesso ao ouro, é ilegal porque não foi aprovada pela Assembleia Nacional..Em outubro, a Venezuela tinha 14 toneladas de ouro no banco britânico, mas entretanto já tem 31 toneladas, depois de ter feito uma transferência do que estava no Deutsche Bank..Petróleo nos EUA.Nos EUA, a ideia é bloquear o acesso de Maduro aos rendimentos da venda de petróleo, garantindo que estes vão diretamente para Juan Guaidó. A Venezuela tem as maiores reservas de ouro negro do planeta e o petróleo representa quase 98% das suas exportações. Em 1999, quando Hugo Chávez chegou ao poder, a produção era de quase 3,5 milhões de barris de petróleo por dia. Atualmente, só é produzido um terço - e cerca de 500 mil vão para os EUA..As instruções enviadas na sexta-feira para a Reserva Federal norte-americana tornam muito difícil a Maduro aceder aos bens e ganhos no estrangeiro, incluindo os da CITGO, uma subsidiária texana da petrolífera estatal PDVSA, que é uma das maiores fontes de rendimentos para o governo venezuelano, praticamente na bancarrota. Empresas para as quais Guaidó já iniciou o processo de nomeação de novas direções..O conselheiro de Segurança Nacional de Donald Trump, John Bolton, anunciou entretanto sanções contra a PDVSA: uma ação que implica sete mil milhões de dólares em bens bloqueados e mais de 11 mil milhões de dólares em perda de rendimento por exportações. "Continuamos a expor a corrupção de Maduro e dos seus amigos e a ação de hoje garante que eles não podem mais roubar os bens do povo venezuelano", disse durante o briefing diário da Casa Branca, pedindo também aos militares venezuelanos que fiquem do lado de Guaidó..A CITGO vai continuar a operar, mas o dinheiro irá para uma conta bloqueada nos EUA, anunciou Steven Mnunchin, o secretário do Tesouro dos EUA, na mesma conferência de imprensa. O mesmo responsável diz que se os venezuelanos quiserem continuar a vender o seu petróleo, os EUA vão continuar a aceitá-lo, mas o dinheiro irá para as contas bloqueadas, não para o governo de Maduro..A queda na produção de petróleo tem sido mais acentuada desde que Maduro foi eleito em 2012, a partir de quando se registou também uma queda do PIB (menos 15% nos últimos três anos, com alguns economistas a dizer que poderá contrair 30% neste ano se se mantiver a situação atual). Ao mesmo tempo, a inflação - ou melhor, a hiperinflação tem vindo a subir - ultrapassou um milhão por cento no ano passado (podendo chegar a 23 milhões por cento neste). Devido à crise económica, mais de dois milhões de venezuelanos já deixaram o país, segundo as Nações Unidas.."Aquilo em que estamos a focar-nos agora é em desligar o regime ilegítimo de Maduro das fontes de rendimento", tinha dito Bolton ainda na sexta-feira. "Acreditamos que é coerente com o nosso reconhecimento de Juan Guaidó como presidente interino da Venezuela que essas receitas devem ir para o governo legítimo", indicou, citado pela Reuters..Em resposta à falta de pagamento, Maduro poderá desviar a produção para outros mercados que não o americano, como o russo ou o chinês. O que implica mais custos, já que os portos venezuelanos não estão preparados para receber os superpetroleiros que transportam o ouro negro a essas distâncias. E, apesar de tudo, as transferências internacionais são difíceis sem passar por bancos norte-americanos ou europeus..O resultado poderá ser a falta de dinheiro efetivo para comprar alimentos e fazer outras importações, o que irá refletir-se no piorar da situação económica dos mais de 29 milhões de venezuelanos. "Se Maduro continuar no poder, a Venezuela pode sofrer uma catástrofe humanitária", disse à AP Francisco Rodríguez..UE e as sanções.Há anos que a União Europeia pressiona a Venezuela com sanções contra indivíduos específicos, ligados ao governo de Maduro e às Forças Armadas, pelo não respeito dos princípios democráticos ou do Estado de direito ou a violação de direitos humanos. Estas sanções incluem nomeadamente a proibição de viajar e o congelamento dos bens a 18 pessoas, assim como um embargo à venda de armas ou equipamento usado para repressão interna. Novas sanções podem ser aplicadas caso Maduro não convoque eleições, ao abrigo do ultimato dado por vários países da UE..A repressão da última semana, segundo várias ONG, provocou 35 mortos e 850 detidos. "Temos o número comprovado, com nome, apelido, morada e supostos responsáveis de 35 pessoas assassinadas no contexto das manifestações em todo o país", disse em conferência de imprensa Rafael Uzcátegui, diretor do programa venezuelano de educação-ação em direitos humanos (Provea)..Estes dados foram recolhidos no Observatório Venezuelano de Conflitualidade Social (OVCS) e indicam que Caracas é o local com maior número de vítimas mortais (dez), seguido do estado de Bolívar (sul, limítrofe com o Brasil), com oito, e do estado Portuguesa (centro), com quatro..Guaidó continua a sua campanha para apelar aos militares para que abandonem Maduro, pedindo aos venezuelanos que espalhem a lei de amnistia que foi aprovada na Assembleia Nacional. "Soldado, hoje dou-te uma ordem, não dispares contra o povo da Venezuela", lançou o líder da Assembleia Nacional, designado presidente encarregado..O ministro da Defesa da Venezuela, Vladimir Padrino, alertou os membros da Força Armada Nacional Bolivariana que esta amnistia é um "instrumento de manipulação"..Quem também tem aproveitado a amnistia são alguns diplomatas: Scarlet Salazar, número dois do Consulado Geral da Venezuela em Miami, anunciou ontem que reconhece Guaidó como presidente encarregado, segundo a EFE. E não é o primeiro. Os diplomatas venezuelanos nos EUA tinham recebido ordem de Maduro para voltar à Venezuela, da mesma forma que os norte-americanos tinham ordem de expulsão - algo em que Maduro recuou à última hora..Guaidó nomeou entretanto Carlos Alfredo Vecchio, membro do partido Vontade Popular exilado há quatro anos nos EUA, como encarregado de negócios da Venezuela neste país, uma nomeação já aceite por Washington. "O senhor Vecchio vai ter autoridade sobre os assuntos diplomáticos nos EUA, em representação da Venezuela", segundo um comunicado do secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeu.