Quando está com os seus cães por perto, o agricultor Styliadis Evangeros, 42 anos, não tem medo dos lobos nem dos ursos. Só à noite, se tiver de ir aos campos e deixar os cães a guardar as suas vacas, sente um nervoso miudinho. Então, vai pela noite adentro a assobiar e a gritar para afugentar o desconhecido. São as histórias do avô e do pai, também eles produtores de leite, a fazer efeito na sua cabeça. O burro dos avós foi comido por lobos, ali perto, na zona onde fica a Arcturos - uma organização internacional ambientalista e um santuário para ursos e lobos, na vila de Nymfaio, onde vivem pouco mais de cem pessoas, a 1350 metros de altura no norte da Grécia..Mas isto não significa que viva em sobressalto. Está habituado a ver os lobos a espreitar na esquina do armazém na quinta. "Vejo-os seguirem os meus passos. Estão a vigiar-me, mas com os cães não se atrevem a aproximar-se", diz. Styliadis tem dez cães pastores-gregos. São dóceis, amigos das pessoas e dos rebanhos, garante, mas, ao mesmo tempo, estão sempre preparados para um conflito com um lobo ou um urso, se for necessário. Os animais selvagens sabem disto e, por isso, também não se aproximam muito das cem vacas do agricultor..Styliadis Evangeros produz leite, que exporta para a Albânia. Há mais de 20 anos que tem esta quinta, a dez minutos de carro da vila. Cada vez que compra uma vaca investe mil euros e esta só dará leite comerciável em dois anos, daí os cães serem-lhe imprescindíveis. Dos dez que tem atualmente, dois foram uma oferta da Arcturos, no âmbito de um programa de distribuição de cães pastores-gregos, que tem como objetivo perpetuar a raça e ajudar os agricultores a proteger os seus rebanhos dos ursos e dos lobos, que encontram no norte do país - perto da fronteira com a Albânia e com a Macedónia do Norte - uma das suas três zonas preferidas para viverem..Vassilis Fourkiotis só pensa numa forma de proteger estes agricultores, mantendo a comunhão com as espécies selvagens. É a sua missão de vida. Tem 30 anos, vive na vila de Sklithro e trabalha na Arcturos; recebe os turistas e acompanha-os nas visitas que fazem aos lobos e aos ursos. Tem esta profissão há sete anos, desde que colaborou com a organização durante a sua licenciatura em Sociologia, e é uma peça fundamental na interação com os agricultores. Ele próprio cresceu numa quinta, o pai é agricultor e é no campo que Vassilis passa o seu tempo, mesmo quando não está a orientar visitantes. "Na minha vila vemos lobos e eles têm de ser protegidos, mas não podemos proteger os animais se não conseguirmos proteger os agricultores", repete..Partilha o conselho com quantos estejam disponíveis para o ouvir. Tem colaborado em projetos europeus de resgate de ursos e lobos e isso já lhe valeu a distinção de ordinary heroe (herói anónimo), uma campanha da Comissão Europeia que homenageia exemplos de pessoas desconhecidas do grande público. A distinção deixa-o até um pouco embaraçado: "Estou só a fazer o que a minha consciência me diz para fazer." Às vezes sente falta da cidade, dos teatros, dos cinemas, das pessoas, confessa, então vai até Atenas atualizar-se. Depois volta. E é assim que tenciona que continue a ser, não se vê a fazer outra coisa..O agricultor Styliadis Evangeros percebe a mensagem e agradece a proteção, os cães. Quer estar defendido, mas também não deseja que os lobos e os ursos desapareçam desta paisagem. "Vivemos no mesmo mundo. Eles estão no rio e na floresta aqui perto. É o lugar deles também.".Patrick, o urso criado pelos homens.O cenário agrada principalmente aos ursos, que encontram aqui e nas montanhas de Pindos e de Rhodope os melhores locais para as suas longas caminhadas, que podem atingir os 180 quilómetros, em busca de comida. Vivem num cenário natural, que nada tem em comum com a imagem de um jardim zoológico citadino. Estão rodeados de árvores despidas pelo inverno, principalmente sabugueiros, campos cultivados, montanhas que se perdem de vista, com pontas geladas de neve, apesar do Sol que já aquece, e umas quantas vilas que descansam nas suas encostas. A paisagem cinematográfica só é perturbada por três centrais termoelétricas na região, cada uma com três chaminés altas a libertar fumo..Em comum, as três regiões preferidas pelos ursos têm uma mistura de zonas desertas e habitadas por humanos, onde estão disponíveis alimentos, e os ursos são animais carnívoros. Assim, quando querem isolar-se ficam na floresta e, às vezes, descem às vilas, sobretudo durante a noite, repetem todos quantos aqui vivem. Há que aprender a conviver, sem lhes querer mal, porque estes animais são cada vez menos. A construção humana vai-lhes roubando os habitats e o urso-pardo já só pode ser avistado em algumas zonas da América do Norte, da Europa e do Norte Asiático..Portugal, onde há muito não havia vestígios desta espécie, recebeu, há um ano, a visita inesperada de um urso-pardo. Entrou em território nacional pelo Parque Natural de Montesinho, vindo da cordilheira cantábrica, nas Astúrias, a pouco mais de 150 quilómetro do território português. Mas desde o início da primavera passada não se voltou a ouvir falar em ursos..Na Grécia, existem cerca de 500 ursos, segundo estudos da rede europeia para a preservação da vida selvagem. Em 2009, eram 1500. Mesmo assim, é das zonas do globo com maior concentração destes animais e, em parte, estes resultados devem-se ao trabalho de sensibilização feito pela Arcturos junto dos sucessivos governos gregos e das populações, incentivando-as a aprender a lidar com os ursos em vez de os deixar extinguir-se. "Se não fosse pela Arcturos, não existiam ursos na Grécia atualmente. Conseguimos que os ursos passassem a ser os animais mais falados no país", explica Georgios Mostakis, 45 anos, guia na Arcturos há 21..Chegaram até às pessoas, mostrando-lhes o número de acidentes que envolviam estes animais e o perigo que era ignorar a realidade. As principais vítimas são os ursos, mas a vida das pessoas também pode ser posta em risco. Desde 2003, morreram mais de 50 ursos em acidentes nas estradas gregas e outros tantos ficaram feridos. Quando é preciso ajuda, a população ou as autoridades chamam a Arcturos, que envia uma equipa de resgate ao local. Põe os animais a dormir e leva-os para a sala do veterinário nas instalações da organização não governamental. Ajudam-nos a recuperar para depois os devolverem à natureza, quando eles deixam - o que nem sempre acontece..O urso Patrick perdeu-se nas montanhas no norte da Grécia, na zona de Vrondero, Florina, com menos de um mês de vida. Quando a equipa da Arcturos o encontrou, estava sozinho numa altura em que estes animais quase dependem da presença da mãe para sobreviverem. Foi resgatado, em 2015, e levado para o santuário da associação, em Nymfaio. Alimentaram-no, cuidaram dele e batizaram-no em honra à data do primeiro encontro: 17 de março, dia de São Patrício, padroeiro irlandês..O tradicional ciclo de reabilitação de um urso na Arcturos indicava que Patrick seria devolvido às altas montanhas no ano seguinte. Mas o urso-pardo, que andou ao colo de alguns tratadores, não deixou, adotou os humanos. Quando deveria afastar-se, aproximou-se. Hoje, tem 5 anos, acabou de acordar do período de hibernação - a natureza antecipou-se ao calendário a chamar a primavera - e passeia-se num campo verde, com vista para os caminhos montanhosos que não seguiu. Junta-se a três companheiros num trilho, para trás e para a frente. Repetem a ação, para se mostrarem a quem os foi ver. Patrick desce o corpo e baixa a cabeça como se fosse um animal doméstico a pedir que lhe afaguem o pelo, mas o seu manto castanho avolumado, já amadurecido, não ilude os visitantes. É um urso, um animal selvagem, com mais de cem quilos e garras que impõem respeito..Pelo santuário da Arcturos já passaram 55 ursos, embora, agora, só estejam nas instalações 13. "O nosso principal objetivo é proteger o ambiente. Fazemos isso cuidando dos ursos e dos lobos, mas não descartamos os humanos. Até porque a vida selvagem e a vida humana coexistem. Os ursos são parte das nossas vidas", afirma Georgios Mostakis. O guia ajuda a alimentar os ursos e os lobos, recebe os turistas e ensina-os a ver os animais (que às vezes não aparecem, nem são forçados a isso). Esta é outra das missões da Arcturos, que é subsidiada pela Comissão Europeia, através do programa União Europeia Protege: tem um projeto educativo, ligado ao centro de interpretação, em que estão envolvidos biólogos, professores, agricultores, e promove campanhas de alerta sobre as espécies em vias de extinção por todo o país..A associação já recebeu mais de um milhão de alunos e 900 mil outras visitas, desde que abriu portas, em 1992. Para isso, conta anualmente com cerca de 500 voluntários, vindos de toda a Europa, através de programas de estágios trimestrais, indica a coordenadora do programa de voluntariado, Partiki Elena, de 35 anos, que descobriu a Arcturos em 2008, enquanto estudava Gestão Natural e Ambiental na Universidade grega de Loannina..Liberdade para não dançar.A Arcturos foi criada, no início da década de 1990, por um empresário de vinho de Salónica que se envolveu na política municipal e no meio universitário e que a revista Time distinguiu como herói pela forma aberta como fala do seu problema de alcoolismo. Mas a luta número um de Yiannis Boutaris é contra a extinção dos ursos e dos lobos. Ficou frente a frente com a causa nas ruas da segunda maior cidade grega (Salónica), com o filho pela mão, a pedir para ver um urso a dançar. Os ursos dançantes são uma tradição com séculos, com origem na Bulgária e na Sérvia, que consiste em pôr o animal em cima de uma placa quente de mental ao som de música. O movimento é repetido até que o som seja estímulo suficiente para o urso pular, como se de uma coreografia se tratasse sempre que ouve música. Era considerada uma forma de entretenimento, que poderia ser vista em pontos turísticos nas principais capitais do mundo..Yiannis Boutaris percebeu que para salvar estes ursos teria de haver um local para os levar. "Não havia forma de travar este problema na Grécia antes de a Arcturos começar esta luta", aponta Panos Stefano, responsável pela comunicação da instituição. "Passados cinco ou seis anos de termos iniciado a nossa missão deixaram de existir ursos dançantes na Grécia", conclui..Na União Europeia, esta prática foi proibida em 2006, embora ainda existam países que continuem a exigir passos de dança aos ursos. E a Arcturos continuou a reabilitar os animais a partir de outros contextos. Durante a Guerra da Sérvia (1992-1995) resgataram vários ursos desnutridos e, hoje, são contactados sempre que um jardim zoológico fecha. A este trabalho juntam um papel fundamental na investigação sobre estes animais..Alexandras Karamanlidis, investigador na Universidade Aristóteles de Salónica e um dos biólogos que trabalham no centro de interpretação da Arcturos, desenvolveu um método inovador de recenseamento dos ursos. "Não sabíamos muito sobre a população de ursos no nosso país e ao longo destes anos temos estado a usar técnicas para compreender a biologia destes animais, como é que comem, como se portam e como se movem", explica o especialista em ursos. Conseguem reconstruir os hábitos dos animais através de amostras genéticas recolhidas em armadilhas, colocadas em plantas onde os ursos se esfregam. Aproveitam ainda o tempo que alguns animais passam anestesiados no bloco operatório do centro para lhes pôr uma coleira, presa com um elástico, que se desprende quando crescem, com o objetivo de conhecer os seus movimentos. No ano passado, seguiram as pisadas de Bradly e de Cooper, dois ursos resgatados na Bulgária..Quanto aos lobos, que têm também um santuário na Arcturos, não há tanta informação sobre os seus movimentos por serem mais espontâneos e viveram mais afastados dos humanos, embora de vez em quando também se deixem ver.."Sem ursos e lobos seria como acabar com a Acrópole".Para o biólogo Alexandras Karamanlidis, há duas formas de responder à pergunta sobre porque não podemos deixar que lobos e ursos fiquem em vias de extinção. Há a vertente biológica e há a ética. Por um lado, a existência destes animais pressupõe ecossistemas ricos e cuidados. Por outro, "sem ursos e lobos seria como acabar com a Acrópole. É como perguntar se o Parthenon deveria ser partido em pedaços e espalhado por museus pelo mundo fora", provoca o investigador da Universidade de Salónica..Por isso, é preciso continuar o trabalho de sensibilização das populações e ultrapassar os desafios da convivência entre estes animais e os humanos, especialmente em relação aos lobos, "menos populares por causa do efeito psicológico", lembra o cientista. "São um fenómeno natural de que os humanos não precisam de ter medo. A recuperação das espécies não pode ser vista como uma coisa negativa. Além disso, isto pode significar oportunidades de negócio", insiste Alexandras Karamanlidis. O turismo rural e a observação destes animais são atividades que movem a economia e podem trazer benefícios aos humanos, sugere. Os poucos habitantes de Nymfaio parecem já se ter apercebido disso e, para eles, viver entre os animais, mesmo os selvagens, é tão normal como viver com os humanos. As montanhas são de todos, ursos, lobos e pessoas..A jornalista viajou a convite da Comissão Europeia.