"Pandemia pode acelerar perda da população portuguesa"
mA queda contínua da população portuguesa tem sido uma constante e só a entrada de estrangeiros tem conseguido diminuir o desequilíbrio desta balança. Tem sido uma queda gradual, com uma ou outra surpresa como em 2019. No ano passado registámos um saldo positivo de 0,19 % de residentes no país, contrariando a tendência de diminuição dos dez anos anteriores, segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE). A previsão para 2020 é de uma diminuição efetiva e que se irá manter em 2021.
As razões do que aconteceu são fáceis de explicar: imigraram mais pessoas do que as que emigraram; houve menos nascimentos, mas também menos óbitos. Na realidade tudo o que não aconteceu neste ano com a pandemia. Prevê-se uma quebra da natalidade; assiste-se a um aumento da mortalidade e as fronteiras têm restrições. "Os óbitos aumentaram, não se prevê uma subida de nascimentos, o que significa que poderemos ter mais dois ou três anos de crescimento negativo. Tudo vai depender da rapidez com que se voltará a instalar a segurança a nível da saúde e a recuperação do ponto de vista económico. Mas a pandemia poderá acelerar a perda da população e podemos chegar a 2030 com 9,8 milhões de pessoas em vez dos 9,9 milhões previstos", explica o demógrafo Jorge Malheiros.
Em 2019 residiam 10 295 909 pessoas em Portugal, mais 19 292 do que em 2018. Isto num ano em que voltou a cair o número de nascimentos - passaram de 87 020 para 86 579, num sobe-e-desce que se tem verificado desde 2015, quando nasceram 85 500 bebés.
A boa notícia é que morreram menos 1258 pessoas em 2019 do que em 2018 (de 113 051 para 111 793). Até aqui, todos os anos aumentava o número de mortes.
Ainda assim, a diferença entre nascimentos e óbitos foi de menos 24 773, sendo que o valor mais elevado se registou em 2018 (-25 980). Foram os imigrantes que fizeram a diferença e contribuíram para o aumento da população portuguesa, com um saldo migratório positivo (entre saídas e entradas) de 44 506 em 2019. Em 2018, este saldo foi de mais 11 570 mil pessoas.
Em 2020 tudo mudou. A covid-19 limitou os fluxos migratórios, também para Portugal. Isto quando no ano anterior todas as regiões do país registaram mais entradas do que saídas, com maior expressão na Área Metropolitana de Lisboa, no centro e no norte.
O número de óbitos aumentou substancialmente, mais 10 776 entre 2 de março e 29 de novembro deste ano, mais do que a média dos últimos cinco anos, contabiliza o INE. Morreram 87 702 pessoas durante este período e, destas, 41,8% devido à covid-19. Novembro foi o pior mês, mais 2009 óbitos do que a média no mesmo mês entre 2015 e 2019. Destes, 1915 foram infetados com o SARS-CoV-2, representando 95,3 % do acréscimo.
Do ponto de vista da natalidade, os primeiros resultados não são animadores. Os testes do pezinho indicam que se estão a fazer menos 230 rastreios em média por mês. Realizaram-se 78 374 testes até dezembro, menos 2340 do que em 2019. Se em 2019 a taxa de natalidade subiu e houve mais 87 020 bebés, neste ano poderá ficar pelos 85 mil. O teste do pezinho realiza-se entre o terceiro e o sexto dia de vida, no âmbito do Plano Nacional de Rastreio Neonatal, coordenado pelo Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge.
Outubro é habitualmente um mês com muitos bebés, ultrapassando os oito mil testes do pezinho, neste ano ficou-se pelos 7329. Novembro também não foi animador. E, segundo Jorge Malheiros, não se prevê que a pandemia traga mais crianças. "Num contexto de contração económica muito forte, cheio de riscos e de incertezas, as pessoas retraem-se, vemos como a natalidade desceu na última crise financeira. Podendo hoje regular a fecundidade, decidir ter ou não filhos, as pessoas decidem não ter filhos em situações de incerteza. Será difícil recuperar nos próximos meses dado o contexto de tensão social, a incerteza sanitária e o decréscimo económico. O discurso é sempre "o pior ainda não chegou"".
O índice sintético de fecundidade é de 1,42 crianças por mulher em idade fértil. E o inquérito à fecundidade de 2019 indicava que 51,1 % das mulheres e 47,3 % dos homens não queriam ter mais filhos e 10 % dos inquiridos não eram nem tencionavam ser pais.
Resta o aumento da imigração para equilibrar a balança. Jorge Malheiros estima que o saldo migratório será próximo do zero neste ano. "Por um lado, há imensas barreiras à circulação, os aeroportos e as fronteiras fecharam; por outro, há a crise do mercado de trabalho e que acontece em todo lado. Pode haver alguma animação em alguns setores da atividade económica, por exemplo na saúde e na distribuição, manter-se na agricultura, mas é sazonal, o saldo migratório será positivo mas próximo do zero."
E a emigração dependerá da recuperação económica. "Se Portugal tiver um comportamento muito pior do que os parceiros europeus, poderá haver um aumento grande da emigração. Neste momento, como a crise sanitária está em todo o lado, não é a melhor altura para sair. Agora, se tivermos um comportamento económico negativo, vai acelerar a emigração, como na primeira metade desta década."