Javi estava na Calle Génova a vender bandeiras do Partido Popular por cinco euros. Durante uma hora não vendeu nem uma. "Em 2016 vendi todas", contou indignado à reportagem do El País, numa altura em que pouco menos de três dezenas de apoiantes populares esperavam por Pablo Casado, para ouvir o que tinha a dizer sobre aquele que foi o pior resultado da história do partido em eleições legislativas. Apurados 99,99% dos resultados, o PP surge com 16,70% dos votos e 66 deputados, ou seja, menos 71 do que os 137 que obteve em 2016.."Descalabro, catástrofe, desastre total", diziam membros do setor moderado do PP, deixados de lado por Casado, que depois de suceder a Mariano Rajoy na liderança do PP, em 2018, o dirigiu mais para a direita numa tentativa de evitar trânsfugas para o Vox. Não conseguiu. "Perdemos o centro por culpa da viragem para a direita e por não atacarmos o Vox", afirmavam outros, enquanto esperavam por Casado. O ambiente na sede do PP era quase de cerimónia fúnebre, relatavam alguns jornalistas espanhóis, que acompanharam no terreno a noite eleitoral.."Para o Partido Popular em primeiro lugar está Espanha. Sou uma pessoa que não foge das responsabilidades. O resultado foi muito mau. Vamos trabalhar para recuperar este apoio e para liderar o espaço de centro-direita", declarou Casado, quando apareceu na Calle Génova, culpando a fragmentação à direita pelos maus resultados e deixando um alerta aos eleitores de centro-direita. "O eleitorado de centro-direita deve ter noção de que um voto fragmentado só beneficia um governo e esse é o de Pedro Sánchez.".Nesta segunda-feira, a vice-presidente do PSOE, Carmen Calvo, avançou que a intenção dos socialistas é governar "sozinho" com pactos pontuais, fechando a porta a uma possível coligação com o Unidas Podemos..Além do Vox, que irrompeu no Parlamento espanhol com 24 eleitos, o dobro dos que elegeu em dezembro na Andaluzia, o PP esperava poder coligar-se com o Ciudadanos de Albert Rivera para tirar o PSOE de Sánchez do poder. Tal não vai ser possível. Os 66 deputados do PP, com os 24 do Vox e os 57 do Ciudadanos não chegam para atingir a maioria absoluta necessária de 176 deputados.."O Vox veio para ficar. Agora haverá no Parlamento uma voz que não existia. Os 24 deputados nacionais defenderão o direito à vida no Parlamento e os interesses e as preocupações da Espanha vazia e do mundo rural. Espanha Unida jamais foi vencida e jamais será vencida", declarou o líder do Vox, Santiago Abascal, em Madrid, com a retórica nacionalista que o tem caracterizado e que explica, em parte, o apoio que conseguiu. O sucesso de Abascal, que começou na Andaluzia, a região mais pobre de Espanha, faz-se de tudo um pouco: dos desiludidos, dos anti-imigração, dos saudosos do franquismo que se sentem feridos por ideias como a de exumar as ossadas de Franco do Vale dos Caídos, dos defensores das touradas, dos que estão revoltados com o que o governo central permitiu que os independentistas, sobretudo os catalães, fizessem nos últimos anos, etc....Apesar de tudo, o Vox, que na Andaluzia apoia o governo do PP e do Ciudadanos, surgia com mais deputados nas sondagens, havendo mesmo algumas que chegaram a apontar para meia centena de eleitos para esta formação. Mas ficou aquém. Houve quem ficasse desiludido. Talvez alguns dos que, enquanto Abascal discursava, gritavam que "Espanha é cristã e nunca há de ser muçulmana". O líder do Vox lembrou no seu discurso as comunidades autonómicas que agora vão ter deputados eleitos pelo seu partido sentados nas cortes de Madrid..Tentando salvar ainda alguma coisa, Casado, nas entrelinhas, parece ter sugerido que Sánchez, cujo partido também não obteve maioria, estaria melhor se fizesse uma coligação com o Ciudadanos de Rivera do que com os independentistas catalães da ERC e os nacionalistas bascos do PNV. "Quero felicitar Pedro Sánchez e o Partido Socialista. Tive a oportunidade de fazê-lo por telefone. Espero que possa chegar a acordos de governabilidade sem necessitar dos independentistas", declarou Casado, numa altura em que os media especulam sobre a sua eventual demissão..O PSOE de Sánchez voltou a ganhar as legislativas pela primeira vez desde 2008 com 26,68% dos votos e 123 deputados. Mas sem maioria. Para chegar a ela precisaria dos 42 deputados da Unidas Podemos de Pablo Iglesias e de Alberto Garzón, mais os 15 da ERC e os seis do PNV. Um cenário que Carmen Calvo parece vir agora afastar..A ERC, cujo líder, Oriol Junqueras, está preso por causa do referendo ilegal de 1 de outubro de 2017, venceu pela primeira vez umas legislativas na Catalunha. Muito à frente da Junts per Catalunya de Quim Torra e de Carles Puigdemont, respetivamente, o atual presidente do governo autónomo catalão e o seu antecessor nesse mesmo cargo que está, atualmente, exilado na Bélgica. Torra já felicitou, aliás, a ERC.."O peso parlamentar do bloco progressista supera o bloco das três direitas", avisou Iglesias, líder do Podemos, incluindo nessas três direitas o partido de Rivera. O líder do Podemos disse ter falado com Sánchez no sentido de se formar uma coligação de esquerda e pediu paciência, afirmando que há muito a negociar. Este resultado, assegurou, "é suficiente" para formar um governo de esquerda em Espanha. "Não triunfou a radicalização neste país", declarou Garzón, líder da Esquerda Unida, dizendo esperar que Sánchez resista "à tentação laranja", numa referência ao Ciudadanos..A verdade é que, enquanto o Ciudadanos subiu de 32 deputados eleitos em 2016 para 57, a Unidas Podemos desceu de 71 para 42, podendo ter perdido eleitores para os apelos ao voto útil feitos, na reta final da campanha, por parte de Pedro Sánchez. Se o líder socialista decidisse descurar Iglesias, cujo partido está corroído por lutas internas e pelo chamado escândalo do chalé de 600 mil euros, essa não seria a primeira vez.Depois de ter ajudado Sánchez a derrubar Rajoy, em 2018, através de uma moção de censura, o dirigente do Podemos esperava algo em troca e ficou furioso quando o líder do PSOE optou, contra todas as expectativas, por formar um governo de minoria..Efetivamente, PSOE e Ciudadanos chegariam juntos, sem mais, à maioria, somando 180 deputados. O problema não são as contas. O problema são mesmo Sánchez e Rivera. Durante a campanha - e nos dois debates televisivos - trocaram duros insultos. No último debate, o da Atresmedia, Rivera provocou várias vezes o primeiro-ministro, chamando-lhe mentiroso, levando para lhe oferecer uma cópia da sua tese envolta em controvérsia. O líder do PSOE, por sua vez, acusou o do Ciudadanos de estar em silêncio sobre as posições do Vox, da extrema-direita, em relação às mulheres. "O senhor não fala do Vox", disse, começando a enumerar exemplos de frases de alguns candidatos do partido de Abascal: "Uma mulher violada não tem direito a abortar" ou "as mulheres piolhosas da esquerda" ou "a verdadeira ditadura não foi a franquista mas a feminista"..Nas declarações que fez neste domingo à noite, Rivera, amplamente aplaudido pelos apoiantes do Ciudadanos, disse que iria ficar na oposição. "Mais cedo ou mais tarde vamos governar Espanha", declarou, dando a boa notícia aos apoiantes e assumindo-se como alternativa ao PP. Mas disse também ser portador de uma má notícia. "A má notícia é que PSOE e Podemos vão governar com os independentistas." Rivera prometeu que o seu partido "vai controlar esse governo" e "fazer uma oposição leal à Constituição, à economia de mercado, aos valores institucionais, a Espanha"..Rivera, cujo partido nasceu para lutar contra a separação da Catalunha de Espanha, chegou no passado a dizer que o Vox não é de extrema-direita, que é apenas populista e que, enquanto não passar das meras palavras inflamadas, é perfeitamente tolerável. Esse é o mesmo Rivera que chegou a oferecer-se para viabilizar a investidura de Sánchez, depois para viabilizar a de Rajoy, no impasse gerado entre as eleições de 2015 e 2016. Esse é o mesmo Rivera que viabilizou o governo da socialista Susana Díaz na Andaluzia e agora, na mesma Andaluzia, governa com o PP apoiado pelo Vox..Sánchez, no discurso de vitória que fez na Calle Ferraz, pareceu deixar a porta aberta a possíveis pactos: "Não somos como eles, não vamos pôr cordões sanitários. Vamos respeitar a Constituição espanhola", começou por dizer o primeiro-ministro, referindo-se a declarações passadas de Rivera sobre pôr um cordão sanitário em torno dos socialistas. "Formaremos um governo pró-europeu para fortalecer a Europa", prometeu, desde logo. Com o Podemos, porém, tal será mais difícil, dadas as constantes posições críticas de Bruxelas e das suas políticas nesta formação. Mas enquanto fazia o discurso de vitória, depois de umas eleições que tiveram uma taxa de participação recorde, de 76% (em que o facto medo foi essencial para levar os eleitores de esquerda às urnas), Sánchez ouviu os militantes socialistas gritar: "Com Rivera não! Com Rivera não! Com Rivera não!"."11 anos depois voltamos a dizer que o PSOE ganhou as eleições legislativas. Demonstrou-se que Espanha tem uma democracia sólida, de qualidade, na qual participaram milhões e milhões de espanhóis", declarou Pedro Sánchez, amplamente aplaudido pelos militantes socialistas. O primeiro-ministro, que venceu pela persistência e resistiu aos barões do próprio partido que nas primárias preferiam outros candidatos, prometeu ainda "acabar com o confronto e a crispação territorial que corroeu Espanha e com a corrupção que nos últimos anos marcou a vida política". E pediu aos eleitores que deem uma maioria aos socialistas também nas eleições europeias e municipais de 26 de maio. O pós-europeias poderá pesar em eventuais pactos. A vários níveis na Europa. No da política interna espanhola também. .Mesmo se não fez ainda muito por Espanha, além de ter marcado para 10 de junho a data da exumação das ossadas de Franco, Sánchez conseguiu, ao agitar o espectro da extrema-direita, subir o resultado do PSOE de 85 para 123 deputados, ou seja, mais 38 do que tinha conseguido nas eleições legislativas antecipadas de 2016. O jogo do quem tem medo do Vox parece ter ganho ao jogo do quem tem medo dos independentistas. Independentistas esses a que Sánchez diz não ter cedido, embora cedendo, em troca de apoio para derrubar Rajoy. Mas para os quais não cedeu o suficiente e com os quais não contou, por isso, para aprovar o Orçamento do Estado para 2019. Por isso caiu o governo. Por isso se chegou aqui. Resta esperar pelos próximos dias para ver de que cenário, dos vários possíveis, nascerá um novo governo para Espanha.