Vacinação. A última palavra será política
"Não é uma questão puramente técnica, é também uma questão ética, social e política". As palavras são de Constantino Sakellarides, professor catedrático jubilado em Saúde Pública e ex-diretor -geral da Saúde, em reação à notícia de que a Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19 não colocou os idosos com mais de 75 anos (sem comorbilidades) entre os grupos com acesso prioritário à vacina. De acordo com o grupo de trabalho as pessoas entre os 50 e os 75 anos com doenças graves, os profissionais de saúde mais expostos à covid e os residentes e funcionários de lares de idosos deverão ser priorizados no acesso à futura vacina.
O especialista em Saúde Pública concorda que há conhecimento científico e técnico que até poderá fundamentar uma decisão destas. "Sabe-se que, à medida que se envelhece, o sistema imunitário deixa de responder eficazmente à vacinação", mas ressalva que "também se sabe que uma vacina, mesmo que não seja eficaz no sentido de impedir a multiplicação do vírus, pode atenuar da doença, impedindo que desenvolva formas mais graves".
Para Sakellarides há três aspetos importantes que têm de ser debatidos: "Os critérios de vacinação, quem deve ser ou não vacinado numa primeira fase, depois a posição antivacinação e como se pode convencer estes grupos da sua importância e, em terceiro lugar, toda a logística que pode fazer chegar tais vacinas a toda a gente".
Filipe Froes, da comissão de peritos da Ordem dos Médicos para a Covid-19 e da Comissão Nacional de Vacinação, defende também que "a ausência de evidência científica não implica não se fazer". O pneumonologista sublinha que estamos a falar de vacinas que têm demonstrado uma eficácia da ordem dos 90% - "A vacina pode ser menos eficaz, mas tem alguma atuação". Filipe Froes diz que a confirmar-se a situação de que os idosos não são integrados numa primeira fase da vacinação, isso "não faz sentido" - "Os critérios de definição para a vacinação têm de ser criteriosos e ter em perspetiva a prevenção da mortalidade, da morbilidade e a sobrecarga do Serviço Nacional de Saúde".
Já o imunologista e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, Manuel Santos Rosa, ressalva que este será um documento "preliminar, podendo haver informação técnica que poderá ser ajustada" e que o importante é "definirmos uma estratégia". "Politicamente tudo pode ser fundamentado e adaptado às realidades", mas do "ponto de vista técnico e conceptual o não incluir os idosos num primeiro grupo prioritário pode ter alguma razão".
Manuel Santos Rosa explica que até agora, nenhum dos ensaios das vacinas para a covid-19 revelou a taxa de eficácia nas faixas etárias mais elevadas, o que pode colocar a hipótese de se estar a utilizar um recurso que é parco de forma pouco eficaz. O professor da Faculdade de Coimbra defende que era importante que todas as pessoas pudessem ser vacinadas, mas quando tal não é possível "e há escolhas a fazer não é fácil e no discurso político faz ricochete".
E o certo é que a reação de António Costa não tardou, com o primeiro-ministro a escrever no Twitter que "há critérios técnicos que nunca poderão ser aceites pelos responsáveis políticos". "Não é admissível desistir de proteger a vida em função da idade. As vidas não têm prazo de validade", referiu o líder do Executivo, deixando claro que a última palavra quanto aos critérios de priorização será política e não técnica. Horas depois também o Presidente da República dizia à agência Lusa que não priorizar uma faixa etária em razão da idade seria uma "ideia tonta". E "não há decisão nenhuma, muito menos há uma decisão que seja uma decisão tonta", disse o chefe de Estado. Pelo meio, o secretário de Estado Adjunto e da da Saúde, António Lacerda Sales, garantiu que "os idosos, como os doentes com comorbilidades, serão uma prioridade " - se não for técnica, será política.
O CDS pediu, entretanto, a audição de Francisco Ramos - o coordenador do grupo de trabalho criado pelo Executivo para definir o plano de vacinação- na comissão parlamentar de Saúde, considerando "muito preocupante o atraso de Portugal em todo este processo".
Espanha aprovou na última terça-feira o plano de vacinação para a covid-19, prevendo o início do processo para janeiro com prioridade para os idosos que vivem em lares e o respetivo pessoal de saúde.
A Alemanha vem preparando o processo de vacinação desde finais de outubro, com os os vários estados regionais a definirem os locais de vacinação. De acordo com o ministro da Saúde alemão será dada prioridade aos cidadãos que tenham circunstâncias de maior risco, seja pelas condições de saúde (doentes crónicos) ou pela idade. No grupo dos prioritários entram também aqueles que estão sujeitos a um maior risco de exposição à covid-19, caso dos profissionais de saúde.
Em França o plano de vacinação deverá ser apresentado na próxima semana. Para já as autoridades de saúde colocaram em consulta pública um documento provisório, que aponta para a priorização do pessoal que trabalha na primeira linha de resposta ao covid, os indivíduos suscetíveis a manifestações mais graves da doença por força da idade e da situação de saúde e aqueles que desempenham tarefas essenciais ao país.
Ontem, a Organização Mundial da Saúde veio defender que os trabalhadores da saúde, os idosos e outros grupos de risco devem ser considerados grupos prioritários na vacinação contra o Sars- CoV-2.