William Schmidt é estatístico e professor na Universidade de Michigan. Trabalha na Faculdade de Educação e no Centro para o Estudo das Políticas Curriculares e Políticas Educativas. Investiga os currículos das escolas, sobretudo as norte-americanas, e tem escrito sobre o assunto. Trabalha o PISA - Programme for International Student Assessement e a desigualdade dos currículos escolares, e como ela perpetua classes socioeconómicas, trouxe-o a Lisboa para uma conferência da Fundação Francisco Manuel dos Santos (a 20 de novembro). "Ensinar matemática: a importância do currículo" era o tema da sua palestra. Como diz, em entrevista ao DN, o mais importante é o foco, o rigor e a coerência..Veio a Lisboa falar do monstro, a Matemática. O monstro... OK..É justo chamar-lhe o monstro? Da minha perspetiva, não..Convença-nos de que é possível amar a matemática. Não sei quanto a amar, é uma área do ensino muito exigente. É muito duro. Todos tentam torná-la mais desejável tornando-a mais simples, mas é uma daquelas disciplinas muito rigorosas e temos de seguir regras, tudo o que a torna mais difícil. A nossa opinião não conta. É preciso seguir os princípios. É por isso que as pessoas não gostam assim tanto, mas é muito importante na sociedade. Muita da informação que recebemos, tanto nas nossas decisões pessoais como profissionais, como cidadãos, no fundo, exige que olhemos para os números..Todos os adultos concordarão consigo, mas a aprendizagem da matemática começa muito antes, quando lutamos com regras tão básicas como "tens de lavar os dentes todos os dias". É muito difícil fazer as crianças perceberem por que razão a matemática é importante e por que têm de aprender frações aos 8 anos. Pode explicar um pouco do seu trabalho?.Há dois aspetos. Aquele que me trouxe a Portugal tem que ver com o aspeto, surpreendente, da desigualdade, de o curriculum de um país, até à escola secundária, não estar à disposição de todos os alunos. Estudámos e concluímos que só há um país que faz isso. A maioria dos países fazem-no de uma forma condicionada pela classe socioeconómica dos alunos. Portanto, os miúdos mais pobres têm uma Matemática menos exigente, menos sofisticada, enquanto os miúdos ricos tendem a ter melhor Matemática. Isso faz uma enorme diferença, porque é uma maneira de os deixar para trás, uma vez que a matemática é uma linguagem tão importante numa sociedade tecnológica como aquela em que vivemos. Mas a questão que me faz vir a Portugal é outra: o teste PISA. Melhoraram recentemente e na próxima etapa, que será de Matemática, em 2021, vai ter um modelo novo que define qual o tipo de Matemática que as crianças devem aprender. Um telefone é um pequeno computador através do qual se pode aceder à internet para saber respostas, podemos computar, porque tem uma calculadora, portanto, a natureza da matemática é a mesma, mas o que talvez precisemos de enfatizar é diferente. O trabalho que vou fazer nessa área é concentração no raciocínio matemático. O que é realmente importante é as crianças entenderem a matemática como algo que lhes permite pensar matematicamente, para quando estiverem a resolver os seus problemas à medida que crescem - os remédios a tomar, a reforma. Damos as ferramentas não para computar, calcular frações ou percentagens, mas as ideias fundamentais que transcendem a particularidade da matemática. Não verem essa estrutura é outra razão para os miúdos acharem que a matemática é um monstro. É como memorizar todo o tipo de coisas não importantes e não interessantes, como na secundária, quando nos ensinam rácios, percentagens, proporções, frações. As crianças tentam ver a diferença e não compreendam. Números que não se ligam de nenhuma maneira. Isto cria grandes dificuldades e esta nova tentativa procura focar-se no facto de os alunos terem de aprender algumas partes básicas e o currículo dar as relações entre elas. Podemos esquecer uma fórmula, mas pegamos neste gadget [pega no smartphone], procuramos no Google a fórmula e ele diz-nos. Se percebermos chegamos lá. Se não soubermos, não temos maneira de chegar lá..Qual é o país que não tem, virtualmente, desigualdade?.A Suécia. Todos os miúdos têm as mesmas oportunidades, nenhum outro país tem isto. Portugal não está nos lugares cimeiros, e 25% dos resultados de desigualdade vêm da escola e não de casa. Muitas pessoas pensam que a desigualdade vem apenas de casa e do seu contexto, e que por isso os miúdos chegam à escola em desvantagem, mas temos estudado os nossos modelos e um dos aspetos é a casa e o outro é a escola, acredite-se ou não. É irónico, porque a escola está lá para apagar as desigualdades da vida, mas as escolas fazem currículos que põem os miúdos mais pobres para trás. Tenho a certeza de que aqui em Lisboa há escolas consideradas as melhores, possivelmente num bairro considerado rico, pelo menos é assim que se passa nos EUA. Os pais que puxam pelos filhos o tempo todo talvez vejam a estrutura que subjaz, provavelmente os mais pobres não. Se as escolas fizerem questão de mostrar essa estrutura, estarão a dar condições aos outros miúdos. Essa é a minha esperança..Na educação, há um largo consenso de que nenhuma criança deve ser deixada para trás, mas a Matemática deixa muitas para trás..Mas porque isso é verdade não significa que seja correto..Como resolver essa questão?.Se soubesse a resposta seria rei. Temos de encontrar maneiras de lhes dar oportunidades com a Matemática. Uma escola nos EUA organizou o dia para terem dois períodos de Matemática. Num período acompanham a turma, no segundo fazem trabalhos dirigidos. A Matemática tem uma estrutura, os números têm uma estrutura. Se a percebermos, problemas que parecem muito difíceis tornam-se muito simples, chegando a respostas aproximadas. Muitos miúdos ficam presos nos pormenores, parece avassalador, é um grande problema, mas se encontrar uma resposta aproximada, na vida isso está bem. A não ser que estejamos a falar das nossas finanças, uma aproximação basta. Devo comprar isto? Menos 20% é melhor preço aqui do que noutro sítio? Perceber a estrutura. Acho que é isto que falta a muitos miúdos. Alguns aprendem por eles, porque são bons a Matemática e vivem num ambiente que os apoia. Consegue imaginar como são os meus filhos? Comigo à volta da mesa... Eles pensam matematicamente, porque a aponto constantemente, mas isso é classe socioeconómica, mais uma vez. Eu puxo por eles - também na literatura. Frequentei uma escola de artes liberal, estudei poesia, teoria da música, que tem imensa matemática, arte, e assim posso estar aqui e ter um certo conhecimento da história de Portugal, que me faz gostar e apreciar o que vejo..Lendo sobre o seu trabalho, menciona o que considera serem os pontos importantes no ensino: foco, isto é, não demasiado conteúdo, rigor, coerência. No sistema americano ensinavam tudo a cada ano, o que não faz sentido. É preciso que o currículo seja construído em torno de um programa pequeno e depois erguido hierarquicamente. Cresce-se ao longo do caminho. A coerência é muito importante e tem de estar refletida no currículo. Há tópicos de que se fala demasiado cedo, outros demasiado tarde. Não refletem essa estrutura. Nos primeiros anos, o standard em muitos países, 40, Portugal incluído, é menos coerente. E os países mais coerentes tendem a dar-se melhor..Estamos a falar muito de estudantes e, às vezes, parece que esquecemos uma parte muito importante do processo: o professor. E, generalizando, os professores estão pouco preparados para distribuir conhecimento pelos alunos, ou não?.E mais ainda na Matemática. Vou mais atrás no problema. A razão por que têm problemas para ensinar é porque realmente não a entendem. Muitos professores em muitos países, especialmente nos mais pequenos, estão uma página à frente dos miúdos. Se não tiverem um conhecimento profundo, se só virem a operação à superfície, como levar os miúdos para a estrutura matemática? Penso que é o problema mundial, que os professores nos primeiros anos não são pessoas de matemática. Quando se chega aos anos mais avançados, terceiro ciclo ou secundária, há matemáticos e pedagogos. Nos primeiros anos há falta de conhecimento profundo..O que se pode fazer para contornar essa situação? Porque podemos ter ótimos currículos, mas sem professores é impossível. .Os professores têm de estar mais bem preparados, que é algo muito importante nos EUA. Como fazê-lo? O que é que as faculdades de Educação devem fazer? Pessoalmente, tristemente, não vejo grande progresso. Alguns países parecem fazer um trabalho melhor..Por exemplo?.Taiwan faz um bom trabalho a preparar estudantes para serem professores nos primeiros anos..E na Suécia, com tão bons resultados a erradicar desigualdade entre alunos, como são os professores? .Não tenho dados sobre isso. O problema com a Suécia é que, infelizmente, na realidade da vida, há uma troca entre ter um currículo rigoroso e ter equidade. Se temos mais rigor, tendemos a ter menos qualidade. Estive na Suécia há um mês a falar do currículo e o que eles fizeram foi ter um currículo menos rigoroso comparado com o resto da Europa. Abdicaram de rigor para ter equidade. E é com isso que estão a lutar neste momento. Estão orgulhosos, mas estão a perder os padrões competitivos. É essa a tensão com que lidam todos os países. Tem de ser assim? Não sei. Mas é assim. Reflete talvez o facto de, se tivermos um currículo mais rigoroso, haver miúdos que vão sofrer. E perante isto alguns irão para níveis inferiores. Enquanto uns aprendem aritmética, outros aprendem álgebra. Estamos a condenar esses miúdos à vida que têm. Penso que, como seres humanos, é moralmente certo tentar mudar. É difícil, mas não quer dizer que não se possa fazer. E há instâncias em que se pode fazer. Há alguns países que o fazem razoavelmente bem. Canadá, Japão e Finlândia. Estão lá em cima nos rankings e também na equidade. Três em 60 e tal países não é muito e os EUA estão a debater-se com este problema. Resulta tudo da classe social e a escola deve mitigar a diferença..Como é que uma criança pode apanhar o comboio da matemática quando o perde?.Não sei a resposta. Se soubesse... A vantagem de ser estatístico é que posso apontar os padrões e o que está mal, mas é mais difícil encontrar as soluções. Quem está envolvido tem de pensar nisto. É um problema complexo, os professores fazem a diferença. Sei como deve ser o currículo, mas mesmo com esse programa não quer dizer que consigam. Outras pessoas têm de encontrar soluções.