Os comprimidos da Lady Trieu

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Uma personagem da extraordinária série da HBO Watchmen queixa-se de um invento que criou: uns comprimidos que permitiam recuperar memórias para que não se caísse nos mesmos erros. O problema é que, em vez disso, as pessoas reviviam sobretudo os acontecimentos traumáticos. No fundo, episódios negativos marcantes preenchiam as suas memórias e, por consequência, as suas vidas.

Lembrei-me desta parte da série quando li um comentário de alguém que conheço - e de quem gosto - no portal de uma amiga. Ele relembrava um episódio profundamente traumático que viveu e da forma como a gente que gosta dele tenta dissolver esse acontecimento em litros de carinho de esquecimento. Mas, diz ele, que a internet matou o tempo, que agora, no fundo, o presente e o futuro morreram substituídos por uma espiral contínua de passado.

Só que a internet é como os comprimidos da personagem da série: traz-nos apenas o mal, agarra-nos com força por uma perna, magoa-nos sempre, fere-nos ainda mais, dilui as boas memórias e engrossa as más. Um passado permanente, uma coisa que nos impossibilita de viver apenas o presente, quanto mais pensar em futuro.

Talvez, noutros tempos, durante o sono nos injetassem memórias (como outra personagem de Watchmen) e agora um qualquer deus malévolo tivesse aprimorado a técnica e usasse a internet para o mesmo efeito. Talvez seja por isso que cometemos sempre os mesmos erros, que os nossos fantasmas nunca morrem e que até como comunidades deixemos que os mesmos diabos renasçam sempre.

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