Os investigadores da operação Rota do Cabo, titulada pelo Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa, vão requerer ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) todos os processos disciplinares que envolvem a inspetora Sónia Francisco, detida em outubro pela Polícia Judiciária (PJ), por suspeitas de ter sido corrompida por uma rede de auxílio à imigração ilegal..O principal documento em causa é o processo disciplinar de inquérito (PDI 09/GI/16), arquivado pela direção do SEF em 2017, sem consequências sancionatórias, no qual já era visada esta inspetora, por suspeitas de corrupção. De acordo com fontes judiciais que estão a acompanhar a investigação, o objetivo desta consulta é cruzar os dados obtidos no processo interno do SEF, principalmente as autorizações de residência concedidas à margem da lei por esta inspetora, com os da operação Rota do Cabo..Outro processo é o que levou à sua suspensão de funções, em maio de 2018, na sequência de outro inquérito, ainda sem acusação, do DIAP de Loures, na qual são investigados indícios da prática dos crimes de corrupção, auxílio à imigração ilegal, abuso de poder e prevaricação..Os casos conhecidos mais graves, que a investigação do DIAP atribuiu à inspetora no âmbito da rede de auxílio à imigração ilegal, estavam também referidos no PDI/09/GI/16: a validação de vistos de residência a dois estrangeiros procurados pelas autoridades. Trata-se do paquistanês Raja Khalid Mehmood, sobre o qual impendia uma medida de interdição de entrada no espaço Schengen emitida pela Noruega, e do indiano Mandeep Kumar Sandhu, com uma medida de expulsão. O DN questionou o SEF sobre o paradeiro destes homens e o SEF remeteu para a PJ, que não respondeu..O processo disciplinar de inquérito do SEF revela ainda outros pontos em comum com as conclusões da investigação da PJ - as quais apontam para uma estrutura criminosa que legalizou milhares de imigrantes à margem da lei, através de empresas-fantasmas que faziam contratos de trabalho e obtinham, subornando funcionários do SEF, das Finanças e da Segurança Social, os números e os registos nestas entidades. Na sua análise, o Gabinete de Inspeção do SEF indicava três advogados suspeitos de estarem a corromper funcionários - um deles foi detido em maio, no processo do DIAP de Loures, outra foi detida na Rota do Cabo da PJ..Conforme o DN já noticiou, o processo interno do SEF foi instaurado em 2016 pela então diretora nacional Luísa Maia Gonçalves, depois de terem chegado aos serviços denúncias sobre irregularidades na concessão de vistos de residência no posto de atendimento de Alverca, onde Sónia Francisco era coordenadora..Além da inspetora, os instrutores apontaram também suspeitas de corrupção a uma funcionária administrativa e concluíam que cerca de nove mil vistos ilegais tinham sido autorizados com o aval de outros seis funcionários - o então diretor nacional adjunto, Luís Gouveia, a então subdiretora da Direção Regional de Lisboa e Vale do Tejo, Paula Azevedo Cristina, outros dois inspetores e dois administrativos (estes sem estarem indiciados por corrupção)..No entanto, por motivos que o SEF alega terem sido "fundamentados" - mas sem nunca os revelar -, todo o processo, que reuniu 15 volumes de provas e informação, foi arquivado por Carlos Moreira, o diretor nacional que sucedeu a Luísa Maia Gonçalves, em outubro de 2017. Nem as propostas de sanções disciplinares foram concretizadas, nem sequer o Ministério Público (MP) foi informado sobre os indícios de crimes que foram detetados..Nesta quarta-feira, o ministro da Administração Interna volta ao Parlamento para explicar o arquivamento, que voltou a estar na agenda depois da operação Rota do Cabo. Numa audição, em janeiro de 2018, na sequência das notícias do DN sobre o caso, Eduardo Cabrita desvalorizou o caso e confirmou que não tinham, de facto, sido extraídas certidões para enviar ao MP..Confrontado com o arquivamento, em resposta ao DN na altura, o governante manifestou a sua "plena confiança na Direção Nacional do SEF (liderada por Carlos Moreira, que ocupou o cargo entre outubro de 2017 e dezembro de 2018) no exercício das suas competências próprias, designadamente em matéria disciplinar"..Fontes do SEF que acompanharam o processo disciplinar de inquérito sublinharam ao DN que "tudo o que foi apurado no âmbito deste relatório interno será da maior utilidade para o MP e a PJ, pois foi feito um levantamento exaustivo de todas as autorizações concedidas à margem da lei, principalmente entre 2014 e 2015, quando se verificou um pico destes processos, que a investigação criminal pode cruzar com os processos tratados pela rede de auxílio à imigração ilegal". Além disso, frisam, "vão poder verificar que não foi só a inspetora Sónia Cristina que estava envolvida"..Na operação Rota do Cabo, foram constituídos 23 arguidos. Apenas o advogado que, alegadamente, liderava a rede ficou em prisão preventiva. A inspetora Sónia Francisco, que já estava suspensa de funções, ficou proibida de contactar os outros arguidos e impedida de entrar no SEF. Na mesma situação ficaram funcionários das Finanças e da Segurança social também envolvidos..A investigação da PJ foi aberta em 2015, na sequência de denúncias sobre várias irregularidades e subornos para a obtenção de vistos de residência..O processo 09/GI/16 foi acompanhado pela Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI), que abriu uma auditoria em 2016, cuja conclusão ainda "está pendente", segundo o gabinete da inspetora-geral..A audição de Eduardo Cabrita foi pedida pelo PSD e pelo CDS, partidos que estavam no governo à data das irregularidades cometidas no SEF - facto que não deixará de ser politicamente utilizado pelo governante.