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27 FEV 2020
27 fevereiro 2020 às 20h13

Tampões e pensos grátis? Escócia diz sim, Portugal vai "reforçar" acesso

Escócia é o primeiro país do mundo a pôr na lei a gratuitidade dos bens de higiene menstrual. Em Portugal estes produtos são taxados a 6%. Proposta de alteração ao OE2020 obriga o Governo a reforçar o acesso a tampões e pensos higiénicos, mas não está definido como.

O parlamento escocês aprovou na passada terça-feira um projeto de lei para disponibilizar produtos de higiene íntima feminina - como tampões ou pensos higiénicos - de forma gratuita a todas as mulheres. É o primeiro país do mundo a fazê-lo de forma sistemática, tentando assim acabar com o que é considerado como um fator de discriminação, normalizar a menstruação e combater a chamada "pobreza do período": o facto de muitas mulheres e meninas não terem dinheiro para suportar os custos destes produtos, com consequências no seu dia-a-dia, nomeadamente no que se refere à assiduidade escolar. A medida tem um custo estimado para o Estado de 28,9 milhões de euros.

A Escócia dá, assim, um último passo num caminho que já passou, em 2018, pela disponibilização gratuita destes produtos a mulheres carenciadas.

A decisão inédita da Escócia - que foi aprovada com 112 votos a favor, uma abstenção e nenhum voto contra - é um passo novo para um debate que leva anos. Mas que, na Europa, tem passado sobretudo pela discussão sobre a taxa que é aplicada a estes produtos - que até ganhou o nome de "taxa tampão".

Em Portugal os tampões e os pensos higiénicos são taxados a 6%, a taxa mínima de IVA, tal como sucede com os copos menstruais, que desde 2016 estão sujeitos à mesma taxa - uma proposta do PAN que foi viabilizada pelo PS e BE. Mas há países em que estes produtos são taxados como bens de luxo.

Em 2016, em resposta a crescentes protestos feministas, a União Europeia permitiu aos Estados membros acabar com o imposto sobre os tampões e pensos higiénicos, uma possibilidade que estava vedada pela legislação europeia, que impunha uma taxação de pelo menos 5%. A decisão surgiu numa altura em que esta questão se tornou num argumento usado pelos brexiteers, os defensores da saída do Reino Unido da UE, que apontavam o dedo às leis da União Europeia, e foi tomada sob pressão do então primeiro-ministro britânico David Cameron, que enfrentava uma ameaça de rebelião no parlamento, com eurocéticos e feministas a aliarem-se para fazer passar uma medida orçamental à revelia do executivo. Uma polémica parlamentar suscitada depois de mais de 300 mil pessoas terem assinado uma petição contra a cobrança de qualquer imposto sobre tampões e pensos higiénicos.

Na Irlanda o IVA é de 0% (já era antes de a UE impor um valor mínimo).

No final de 2015 também a França treduziu a taxa de imposto aplicada aos tampões e pensos higiénicos de 20% para 5%, uma medida com um custo calculado de 55 milhões de euros.

em Espanha estes produtos são sujeitos a uma taxa de 10% de IVA, longe dos 4% aplicados aos bens essenciais - o governo de Pedro Sanchéz já prometeu baixar o imposto para a taxa reduzida.

O gráfico acima mostra a taxação aplicada a pensos e tampões nos vários países europeus (dados relativos a 2018), compilados pela Civio, uma fundação independente sedeada em Madrid que tem como fim uma maior transparência dos poderes públicos.

Alguns dos países já reduziram, entretanto, a taxa aplicada. Na Alemanha a taxa passou, já este ano, dos 19 para os 7%. Na Itália caiu dos 22 para os 10%. Mas em países como a Hungria, Suécia, Dinamarca e Croácia o imposto aplicado aos bens de higiene íntima feminina é, pelo menos, de 25%, chegando aos 27% no caso da Hungria.

A "pobreza do período", o que é isso?

Segundo um inquérito promovido pela organização não governamental Plan International no Reino Unido, dedicada aos direitos das crianças e à promoção da igualdade, cerca de 10% das mulheres e meninas no país não têm dinheiro para comprar produtos de higiene menstrual, uma dificuldade que se soma a um assunto que é ainda motivo de vergonha. As consequências destes obstáculos, salienta a organização, passam por uma maior propensão para contrair infeções, devido ao uso de materiais inapropriados - panos velhos, por exemplo - por absentismo na escola e no trabalho, por auto-exclusão de atividades sociais, desportivas ou lúdicas. E, tudo junto, por consideráveis repercussões na autoestima e na confiança de raparigas e mulheres.

Há cerca de um ano, o Parlamento Europeu aprovou uma resolução sobre Igualdade de género e políticas fiscais na UE - de que foi relatora a eurodeputada portuguesa Marisa Matias - no qual se afirma que a "pobreza associada à menstruação é um problema persistente na União Europeia". A resolução "lamenta que os produtos de higiene feminina, assim como os produtos e serviços de saúde destinados às crianças ou aos idosos ainda não sejam considerados bens essenciais em todos os Estados-Membros" e exorta os países a eliminarem o chamado 'imposto sobre os tampões'.

Sublinhando que a redução do preço destes produtos, em resultado da isenção do IVA, "constituiria um benefício inestimável para as jovens", a resolução diz ainda apoiar os "movimentos que visam promover a oferta generalizada de produtos de higiene feminina" e incentiva os Estados-Membros a disponibilizarem produtos de higiene feminina a título gratuito em determinados espaços (públicos), nomeadamente escolas, universidades e centros de acolhimento para sem abrigo, bem como para mulheres de meios carenciados".

Governo obrigado a "medidas de reforço" no acesso a bens de higiene íntima

No Orçamento do Estado para este ano, aprovado na Assembleia da República no início do mês, o PS apresentou uma proposta de alteração (da autoria da Juventude Socialista) que visa precisamente os artigos de higiene íntima feminina. Mas o texto não é muito claro quanto ao objetivo a atingir. "O Governo promove, durante o ano de 2020, medidas de reforço do acesso a bens de higiene pessoal feminina, bem como de divulgação e esclarecimento sobre as tipologias de produtos de higiene pessoal feminina, nomeadamente sobre as suas indicações, contraindicações e condições de utilização", refere a proposta, aprovada com os votos favoráveis do PS, BE, PCP, PAN e Chega, a abstenção do PSD e o voto contra do CDS e da Iniciativa Liberal.

Maria Begonha, deputada e líder da JS, diz ao DN que o Governo tem agora "autorização, mas também a obrigação de promover o reforço de um acesso mais universalizado" a bens de higiene íntima feminina - que "fazem parte da saúde sexual e reprodutiva" das mulheres. Quanto à forma em concreto como isso será feito, será o executivo a definir.

A deputada refere que este é "um passo" no sentido preconizado pelos jovens socialistas, que defendem a distribuição gratuita destes bens "nos centros de de saúde, escolas e universidades". A proposta de alteração apresentada ao OE , negociada com o grupo parlamentar, foi a possível. Quanto à decisão tomada pelo parlamento escocês, Maria Begonha diz que é tendencialmente favorável a um cenário de total gratuitidade, mas diz compreender que a evolução "tem de ser gradual".

500 milhões de mulheres sem condições sanitárias adequadas

A falta de recursos para adquirir bens de higiene menstrual é particularmente sentida nos países pobres, quer na Ásia, quer em África. Vários países têm também seguido o caminho de abolir os impostos sobre tampões e pensos higiénicos, casos do Quénia e do Ruanda. Neste último caso um estudo realizado em 2017 pelo ministério da Educação mostrou que as raparigas com 16 anos ou mais anos eram 8% mais propensas que os rapazes a abandonar a escola, uma realidade sentida sobretudo nas zonas rurais. Uma das razões apontadas era a falta de pensos higiénicos durante a menstruação. Também a Índia e a Malásia deixaram de cobrar impostos sobre estes produtos.

Outro ponto da mesma questão: de acordo com a Plan International há 500 milhões de mulheres no mundo que não têm acesso a instalações sanitárias adequadas.

E há países em que a discriminação das mulheres durante o período menstrual vai muito além das questões económicas. É o caso do Nepal, onde a tradição religiosa hindu "Chhaupadi" determina que as mulheres com o período são impuras e não devem contactar com outras pessoas. A prática, que já resultou em várias mortes nas cabanas isoladas destinadas a este fim, foi proibida em 2005 pelo Supremo Tribunal do país e é, atualmente, punível com pena de prisão, mas não foi ainda erradicada.