Desmond Tutu, que ontem morreu com 90 anos, recebeu o Nobel da Paz em 1984 por denunciar o Apartheid, o regime supremacista branco que governou a África do Sul entre 1948 e 1994. Não foi acaso que na década a seguir à distinção tanto tenha mudado, primeiro uma maior pressão internacional e sanções efetivas, depois a libertação de Nelson Mandela e o início das negociações para eleições verdadeiramente livres, ou seja multirraciais, por fim Mandela eleito presidente..É fácil apontar equívocos ao Comité Nobel norueguês, o que escolhe os premiados pela paz, mas no caso de Tutu foi um acerto total, confirmado pelo seu empenho em que ao Apartheid sucedesse o país arco-íris e já nos anos derradeiros da vida pelas críticas ao governo do ANC, o antigo movimento de libertação negro transformado em partido de poder, por fazer muito menos do que pode e deve..Na verdade, os noruegueses (os outros prémios instituídos com a fortuna de Alfred Nobel são atribuídos pelos suecos) tiveram grande sorte com os vencedores sul-africanos. Mandela e o último presidente do regime racista branco, Frederik De Klerk, galardoados em 1993, mostraram-se à altura das exigências, graças em boa parte ao historial de falcões nos respetivos campos. O que valiam as acusações dos extremistas, de ambos os lados da barricada, de que eram traidores? Mandela, cujas décadas na prisão transformaram num colosso moral, até deu o exemplo para fora, ao sair da presidência da África do Sul logo ao fim do primeiro mandato; e De Klerk, que morreu este ano, deixou uma mensagem em vídeo que postumamente pede desculpa pelos crimes do Apartheid, admitindo que até certo momento da vida foi um dos seus defensores. Para que não ficassem dúvidas sobre o que se passou ou sobre o que sentiu em relação à história nacional..Para um jornalista, entrevistar um Nobel é sempre algo importante na carreira. Por alguma razão, os Nobel da Paz possuem um carisma especial, que ainda torna mais relevante uma conversa com eles. Nunca entrevistei Tutu, De Klerk ou Mandela e no início da carreira falhei por pouco uma conversa com o Dalai Lama, líder espiritual dos tibetanos. Mas gosto de contar que entrevistei Shirin Ebbadi, campeã dos direitos das mulheres no Irão, e senti também uma enorme satisfação quando há dias, numa reportagem em Díli, estive uma hora a ouvir José Ramos-Horta falar sobre a língua portuguesa em Timor-Leste, sobre as relações internacionais do jovem país, sobre as perspetivas de desenvolvimento. Foi o Nobel da Paz que Ramos-Horta recebeu em 1996, juntamente com o bispo Ximenes Belo, que atraiu a atenção internacional para a ex-colónia portuguesa ocupada pela Indonésia. Algo mudou naquele momento, como mudou na África do Sul com o prémio para o arcebispo Tutu..Leiam hoje a entrevista que o DN publica com Ramos-Horta, fotografado por Pedro Correia, e vejam como a Academia Nobel Norueguesa foi também feliz com este homem. Depois de ter sido um exilado décadas, depois de ter sido alvo de um ataque armado que o deixou entre a vida e a morte, tem um discurso de entendimento tanto para fora como para dentro. Recordo-me de o ver no início dos anos 1990 na redação a falar com Carlos Albino, o jornalista que seguia o drama de Timor-Leste muito antes deste ser causa nacional, e lembro-me de assistir emocionado à cerimónia em Oslo. Senti-me agora honrado de ter tido a sua atenção para ouvir as minhas perguntas e oferecer respostas..Diretor adjunto do Diário de Notícias