Há empresas de crédito ao consumo a evitar as moratórias

Das 25 associadas da ASFAC, dez não aderiram às moratórias. E há empresas que estão a propor em alternativa uma renegociação dos contratos, com maiores custos para os clientes
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Apenas algumas empresas de crédito ao consumo estão a conceder moratórias aos clientes afetados pela crise provocada pela epidemia de coronavírus. E há empresas que, apesar de terem aderido à moratória privada desenhada pelo setor, tentam primeiro convencer os clientes a não suspender o pagamento das prestações do crédito. Propõem, em alternativa, uma renegociação do valor em dívida, com maiores custos para os consumidores.

Das 25 empresas associadas da ASFAC-Associação de Instituições de Crédito Especializado, apenas 15 aderiram à moratória que entrou em vigor a 10 de abril. Tal como a moratória legal aprovada pelo Governo para o crédito à habitação, a moratória da ASFAC está em vigor até 30 de setembro.

A Deco-Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor já começou a receber contactos de famílias com crédito ao consumo que foram afetadas pela crise, cujos pedidos de suspensão da prestação estão a ser recusados. Em causa estão empresas que não aderiram à moratória.

"As pessoas estão numa grande angústia, ou porque estão em lay-off, ou no desemprego, ou trabalhavam a recibos verdes e não têm apoio da Segurança Social. Há pessoas desesperadas, sem dinheiro para comprarem alimentos", disse ao DN/Dinheiro Vivo Natália Nunes, coordenadora do Gabinete de Proteção Financeira (GPF). "Já começamos a ter algumas queixas relacionadas com as empresas de crédito ao consumo", adiantou. Segundo a responsável da Deco, há empresas que não concedem qualquer moratória. E há empresas que, concedendo uma moratória, "alteram os juros e cobram comissões que não estavam no contrato".

O DN/Dinheiro Vivo sabe de casos em que mesmo empresas que aderiram à moratória da ASFAC, num primeiro momento afirmam que não aderiram. Outras tentam primeiro convencer os clientes a renegociar a dívida, com maiores custos.

Estes casos vão contra as orientações da Autoridade Bancária Europeia (na sigla EBA, em inglês), de que as instituições financeiras devem procurar defender os interesses dos consumidores na atual situação.

Em resposta a questões do DN/Dinheiro Vivo sobre estas situações, fonte oficial da ASFAC lembrou que as recomendações da moratória "preveem que as condições do contrato (sem prejuízo do prazo) não deverão alterar-se" com a aprovação da suspensão do pagamento das prestações. A moratória da ASFAC permite o acesso a duas opções de carência: capital e juros ou só capital. Há três opções para a sua aplicação: "para a carência de capital apenas, a prestação será sempre mantida face à existente antes da moratoria; no caso de carência de capital e juros, existe a opção de manter a prestação (estendendo a maturidade do contrato pelo prazo necessário) ou aumentar a prestação, estendendo a maturidade pelo mesmo número de meses da carência".

A representante das empresas de crédito especializado reconhece que, "com a aplicação da moratória da ASFAC, tendo em conta o decurso do tempo, o valor total de juros irá efetivamente subir, por se tratar de um alongamento do prazo, mas a taxa de juro não será aumentada". "Aumentará, quanto maior for o período de carência", frisa a ASFAC.

A associação sublinha que, "comparativamente, a moratória legal prevê menos alternativas para o cliente, considerando expressamente a capitalização de juros e o aumento dos juros contabilizados no fim do contrato, face ao aumento do prazo. Outras moratórias, com períodos de carência maiores, terão igualmente um maior impacto no valor total dos juros a pagar".

Uma das empresas que aderiu à moratória foi o Oney Bank Portugal, que emite e gere os cartões Auchan, por exemplo. Num contacto efetuado por um cliente que pretendia aceder à moratória, o pedido foi recusado. Contactada, a empresa garantiu que aderiu à medida. "Com o objetivo de minimizar este impacto, decidimos aderir à moratória privada da ASFAC no passado dia 13 de abril, e que permite aos nossos clientes com crédito ao consumo e que se encontrem numa das situações previstas na moratória, beneficiarem da mesma até 30 de setembro deste ano, desde que efetuem o pedido junto do Oney Bank até 30 de junho", afirmou o banco.

Também num primeiro contacto, o Cartão Universo - emitido pelo BPN Paribas Personal Finance - indicou ao cliente que não estava a conceder moratórias. Mas, num segundo contato, já disponibilizou essa possibilidade ao cliente. O BPN Paribas Consumer Finance é uma das empresas que aderiram à moratória da ASFAC.

Além destes casos, acresce que os bancos não estão a conceder moratórias aos clientes com cartões de crédito ou linhas a descoberto. "Os problemas para as famílias vão ser os cartões de crédito que não possam estar abrangidos por moratórias. Todas as pessoas têm, pelo menos, um cartão", afirmou Natália Nunes. A Deco já está a ajudar algumas famílias que não estavam a conseguir suspender as prestações de créditos ao consumo e que não têm meios para fazer os pagamentos devido à crise.

Adiar o problema

Natália Nunes frisa que as moratórias, sendo positivas no curto prazo, não vão resolver o problema de fundo. "Estamos a adiar tudo para outubro. A preocupação é saber se em outubro as famílias vão conseguir pagar as prestações do crédito mais as outras faturas que possam não ter pago - como a renda de casa", disse a especialista. "As moratórias permitem dar oxigénio agora mas acarretam juros e não acabam com as dívidas e há uma incógnita sobre os rendimentos que vão existir no futuro para as pagar", alertou.

Há banqueiros que já admitem que as moratórias possam ter de ser alargadas para lá do dia 30 de setembro. Os bancos já concederam mais de 200 mil moratórias a famílias e empresas, em contratos de crédito com um valor global de quase 19 mil milhões de euros. A banca também está a aplicar moratórias no crédito pessoal e automóvel.

No crédito ao consumo, ainda não há dados disponíveis sobre as moratórias concedidas. Mas em fevereiro deste ano os portugueses deviam mais de 19 mil milhões de euros em crédito ao consumo, segundo dados do Banco de Portugal.

A Deco critica o facto das autoridades, nomeadamente o Banco de Portugal, terem uma maior preocupação com o crédito à habitação do que o crédito ao consumo. "Devia haver uma preocupação global com todas as prestações de crédito que as famílias têm de suportar. Muitas vezes, vemos que há famílias que despendem um valor mensal com créditos ao consumo superior ao do crédito à habitação", disse a responsável da Deco.

Ainda assim, salienta que o Banco de Portugal aprovou em janeiro deste ano medidas para limitar a concessão do crédito pessoal, designamente encurtando o prazo máximo dos novos contratos de 10 para sete anos.

No crédito à habitação, também há queixas que têm chegado à Deco, a maioria devido à demora dos bancos a aprovar a moratória.

Empresas de crédito ao consumo que aderiram à moratória:

- 321 CRÉDITO-INST. FINANCEIRA DE CRÉDITO,S.A.

- ABANCA SERVICIOS FINANCIEROS E.F.C. S.A.

- BANCO BNP PARIBAS PERSONAL FINANCE, S.A.

- BANCO CREDIBOM SA

- BANCO INVEST, S.A.

- BANCO SANTANDER CONSUMER PORTUGAL

- BANKINTER CONSUMER FINANCE, EFC

- BBVA INST. FINANCEIRA DE CRÉDITO,S.A.

- CAIXA LEASING E FACTORING

- COFIDIS

- FCA CAPITAL PORTUGAL- IFIC, S.A.

- FINANCEIRA El CORTE INGLÊS , S.A

- MONTEPIO CRÉDITO - INST. FINANCEIRA DE CRÉDITO,S.A.

- ONEY BANK - SUCURSAL EM PORTUGAL.

- UNIÓN DE CRÉDITOS INMOBILIÁRIOS, S.A. EFC (SUCURSAL EM PORTUGAL)

Fonte: ASFAC

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