O Tejo vai à míngua, com os pescadores a queixar-se de que o rio parece uma ribeira em determinados trechos, num momento em que se antecipam quase nenhumas águas de março e o Ministério do Ambiente reconhece que, neste mês, os níveis de armazenamento "são francamente inferiores aos observados em 2018". Sem ficar à espera que chova, é preciso avaliar as licenças dos recursos hídricos para uso do rio Tejo, alertam especialistas..Para já, o gabinete do ministro João Matos Fernandes afasta os sinais de alarme apontados na reportagem desta segunda-feira da TSF. Na semana passada, dia 20, o ministro do Ambiente e da Transição Energética anunciou que não há "nenhuma medida de contingência que neste momento seja decretada", recusando que haja uma "previsão de problemas graves no reabastecimento de água para o consumo humano". Dois dias depois, Matos Fernandes insistia que "a água não vai faltar nas torneiras de ninguém neste ano"..Segundo dados enviados ao DN pelo gabinete do ministro do Ambiente, os "valores de precipitação na bacia portuguesa correspondem a menos de 50% do valor normal", mas a montante a situação é ainda pior. "Na bacia espanhola, a situação é mais gravosa do que aquela que se verificou em 2017 e 2018", refere a resposta do ministério. Que acrescenta: "Os níveis e armazenamento na albufeira de Alcântara neste mês de março são os mais baixos, quando comparados com os anos anteriores.".Em todo o caso, de Espanha continuam a vir caudais suficientes. "Os caudais mínimos semanais afluentes a Fratel", definidos pela Convenção de Albufeira, que regula as bacias hidrográficas luso-espanholas, "estão a ser cumpridos", com um "volume semanal" de "sete hectómetros cúbicos"..mapa Infogram.O Tejo é um rio "que tem naturalmente grandes variações de caudais", em que "são naturais períodos de escassez de água mais prolongados", explicou ao DN o professor universitário Rodrigo Oliveira, do Instituto Superior Técnico (IST), especialista em recursos hídricos. Mas - e há um "mas" gigante - é preciso estudar o rio (e outros) num contexto de alterações climáticas. Antes, o passado era um bom sinal do que se ia passar no futuro, agora não é assim..Mais de metade do território em seca moderada.O tempo não ajuda: mais de metade do território do continente está em seca moderada, 38% em seca fraca e 5% em seca severa. O ministro da Agricultura, Capoulas Santos, reconheceu, também no dia 20, que a situação é preocupante, mas está ainda longe do que se passou em 2017. Este ano de 2019 está a ser "anormalmente seco e quente", disse então o ministro, esperando que o adágio popular de "abril, águas mil" seja realidade. No entanto, o IPMA antecipa para abril (apesar de serem falíveis previsões a mais de dez dias) um mês como o de março, quente e seco..Na resposta enviada ao DN, também o gabinete de Matos Fernandes recordou que, "em março de 2018, a precipitação que se verificou tanto em Portugal como em Espanha implicou uma subida significativa, pois num só mês os armazenamentos das albufeiras atingiram quase o valor máximo"..Para Rodrigo Proença Oliveira, também presidente da Associação Portuguesa dos Recursos Hídricos, "há duas maneiras de intervir" sem ficar à espera que chova. "Uma, que é benéfica, é controlar muito bem os usos de água, garantir que todas as águas que são captadas são muito bem utilizadas, com um grande nível de eficiência. Acima de tudo, é trabalhar na procura de água e garantir que não há desperdício de água e há muito a fazer aí", defendeu..Para este especialista, é importante "controlar a procura de água, reduzir as ineficiências do seu uso e ser muito criterioso em novas licenças de atribuição do uso das águas do Tejo". Mais: para Rodrigo Oliveira, é também preciso "rever as licenças que existem para verificar se essas licenças estão a ter um uso benéfico e a garantir uma cada vez maior eficiência do uso"..Também a Agência Portuguesa do Ambiente, num documento técnico já de 2015, notava que "dificuldades diversas (fiscalização, meios humanos e financeiros, etc.), conduzem [a] algumas lacunas de informação em termos de cumprimento das condições de licenciamento nalgumas situações, em que se engloba a manutenção de caudais ecológicos"..Na proposta concluía-se pela necessidade de "reavaliar os títulos emitidos para as utilizações de recursos hídricos, avaliando a necessidade de definir condições de captação ou de descarga em anos de "baixos" caudais, de forma a ajustar estas garantias às existências hídricas"..Questionado pelo DN sobre uma eventual reavaliação dos licenciamentos, o Ministério do Ambiente disse que já "em julho passado" o "Conselho de Ministros aprovou o Plano de Ação Tejo Limpo", e que "desde então que há novas licenças passadas às entidades", como por exemplo estações de tratamento de resíduos ou empresas "potencialmente poluentes" que "garantem uma maior qualidade no tratamento dos efluentes no rio"..Albufeiras criam "falsa sensação de disponibilidade de água".A segunda possibilidade de intervenção num caso como este, em que há uma "grande variabilidade de precipitação", é a construção de albufeiras, aponta Rodrigo Oliveira. Segundo o professor universitário do IST, "a construção de barragens permite, em teoria, armazenar água nos períodos húmidos para satisfazer as necessidades dos períodos secos", mas insistindo no cenário atual "de alterações climáticas", é preciso "aferir muito bem".."No Tejo julgo que estamos a chegar ao limite para essa solução", apontou. "Há um limite para essa solução e a sua construção também faz aumentar a evaporação", exemplificou. Por outro lado, as albufeiras criam "a falsa sensação de disponibilidade de água e criam-se expectativas de uso de água". Mais do que a escassez de precipitação, o problema das alterações climáticas em territórios como o português e o espanhol passa pela "concentração de precipitação em períodos muito curtos", e não há capacidade de albufeiras e aquíferos reporem os seus níveis..Da parte do Ministério do Ambiente, questionado pelo DN sobre eventuais alterações à Convenção de Albufeira, a resposta limitou-se a reconhecer que "Espanha cumpre a convenção" e que os dois governos "têm conversado sobre o futuro da Convenção de Albufeira, que regula a gestão conjunta dos rios internacionais da Península Ibérica"..Supremo espanhol obriga a estabelecer caudais ecológicos.Espanha e Portugal estão inevitavelmente condenados a entender-se nesta matéria. Todos gostariam de ter níveis mais elevados de caudais. Lá como cá: numa sentença de 13 de março, o Supremo Tribunal espanhol anulou vários artigos do Plano Hidrológico do Tejo, depois de uma queixa de um movimento ambientalista, a Plataforma de Toledo em Defesa do Tejo..Segundo um comunicado desta plataforma, citado pelo jornal El País, "esta decisão obrigará a adaptar-se o transvase Tejo-Segura", apontando para limites aos "volumes a derivar"..O Supremo espanhol "considera que não se fixaram caudais ecológicos expressamente em Aranjuez, Toledo e Talavera de la Reina, senão apenas os caudais mínimos determinados pela legislação de seis metros cúbicos por segundo em Aranjuez e dez metros cúbicos por segundo em Toledo e em Talavera de la Reina, e que devem estabelecer-se para evitar a degradação ambiental do curso de água do rio, do seu canal e margens"..Os caudais ecológicos, como define o referido texto da APA, são formados "por um conjunto de caudais mínimos a manter no curso de água, que permitem assegurar a conservação e a manutenção dos ecossistemas aquáticos naturais, a produção das espécies com interesse desportivo ou comercial, assim como a conservação e manutenção dos ecossistemas ripícolas [que vivem nas margens], dos aspetos estéticos da paisagem ou outros de interesse científico ou cultural".