Política
26 janeiro 2022 às 01h10

"Rio passou de contabilista a humorista e o gato transformou-o em político"

Carlos Coelho, criador de marcas, considera muito positivo que António Costa, mas sobretudo Rui Rio, tenham percebido que para cativar eleitorado mais do que as propostas políticas do PS ou do PSD é preciso conhecer os homens que estão por detrás delas. É nesse sentido que enquadra as tiradas humorísticas de Rio e os animais tirados da cartola, até de Costa, que revelou o nome dos seus dois cães.

​​​​​​Neste momento específico de restrições, de cansaço da pandemia, que líder tem sido mais eficaz na ligação com a população em campanha? António Costa ou Rui Rio?

Tenho analisado quem tem feito um trabalho para que votem nele. E o que tenho visto é que, em muito pouco tempo, os dois líderes alteraram os seus comportamentos. António Costa começou uma campanha Calimero, com vitimização, dizendo que não devíamos estar nesta situação, que é injusto, um discurso que o colocava numa situação de pedir a atenção dos portugueses. Muito diferente daquele António Costa seguro, hábil e aberto. E em 15 dias foi forçado a mudar o discurso ou entrou num caminho que lhe é mais natural de quem efetivamente não tem nada a perder, por mais estranho que isso possa parecer. Ele é primeiro-ministro há seis anos e nesta altura parece mais descontraído e na campanha, sendo mais popular e naturalmente mais descontraída, começou a contradizer-se. Voltou a ser um homem do diálogo, a falar com todos. Em comparação Rui Rio, o líder do PSD, fez o maior dos trajetos. Passou de um contabilista para um humorista, o que é completamente notável. Até aqui Rui Rio apresentava-se como um homem sério e sem papas na língua, como se isso também fosse uma qualidade extraordinária para um político, para agora também assumir o papel de alguém que também não tem nada a perder. Porque é a sua última hipótese de ser primeiro-ministro ou vice-primeiro-ministro e de continuar como líder, porque se tiver um mau resultado acabará por sair. E, portanto, libertou uma parte da campanha e obrigou a que todos os políticos, inclusivamente a si próprio, a mostrarem o que são e não apenas o que defendem.

Nessa perspetiva, o confronto de animais de estimação é eficaz em campanha?

As campanhas eleitorais têm sempre de servir para mostrar as pessoas e não apenas para debater as ideias. Até porque algumas dessas ideias são muito técnicas e devem ser debatidas em espaços concretos, o falar de PIB, de revisão constitucional, de orçamento geral do Estado para a maioria dos portugueses isso não quer dizer rigorosamente nada. Esses assuntos muitíssimo importantes para o país, numa perspetiva pública, não levam as pessoas a votar. Aquilo que está em causa nos votos é ideologias mais de direita ou de esquerda, que se fizéssemos um inquérito as pessoa s teriam dificuldade de dizer o que é mais de um lado ou de outro, sobretudo quem são os líderes nacionais quer os distritais, que as pessoas acreditam que podem levar o país por diante, seja os que querem continuar as políticas que existem seja os que querem fazer alterações. O gato do Rui Rio transformou-o num político. Retira-lhe aquele imagem de contabilista, do homem ponderado a quem podemos entregar o nosso dinheiro mas em que dificilmente estaríamos interessados em entregar o nosso país. Até o António Costa lançou o nome dos seus cães.

Esta exposição dos animais, em substituição das famílias, terá a ver também com o momento de maior peso dos partidos ecologistas?

A atualidade pesa nessa escolha. Lembro que o André Ventura foi o primeiro a mostrar o seu coelhinho. O que me importa é que de facto isto aproxima as pessoas e podem vir os intelectuais dizer que a campanha baixou de nível porque baixou para os gatinhos mas o que é certo é que é este tipo de coisas que levam as pessoas a importarem-se com o que se está a passar. E quando se importam precisam de refletir mais. Gosto de fazer perguntas na rua às pessoas "Então como vai a política? Vai votar em quem?" e têm-me dito que precisam de fazer uma reflexão, gostavam de mudar mas não sabem para quem. E vão pensar em quê? Não vão ler os programas dos partidos. É preciso entender que há a política da escola, a alta política, as pessoas que se interessam e estudam e a elite que pode governar o país e que deve discutir as medidas que podem aplicar e a melhor forma de o fazer; temos uma classe média mais informada que gosta de ouvir as ideias, embora não as goste de discutir muito, e aí importam alguns aspetos - e basta ver que ninguém trouxe para cima da mesa ideias muito extraordinárias -; e quem decide efetivamente, que são todos os outros. Que é uma massa de pessoas que vota por fé ou por desilusão. Ou seja, ou por acreditar em alguém ou porque não acredita naquilo que está. O António Costa e o Rui Rio entenderam isso nesta altura e, por essa razão, as sondagens dão aproximações. Campanha é relação com as pessoas, é a capacidade de comunicar e de trazer as pessoas para a política e desintelectualizar a política sempre que for preciso. Quando vemos os grandes políticos portugueses, não foi a capacidade intelectual extrema que fez do dr. Mário Soares um ícone. Passava pela sua capacidade precisamente de saber falar para a elite, para a burguesia e para o povo.

Há, no entanto, outro género de políticos, como o Rui Tavares, do Livre, que apresenta um discurso assertivo, mas muito sério, que resulta para um determinado tipo de eleitorado?

Sim, pode resultar. Mas não deixou de trazer o seu gato no Twitter. O professor Rui Tavares, como todos tendem a tratá-lo pela academia e pela seriedade, também percebe que não basta ser é preciso parecer. Que a qualidade intrínseca das coisas não é suficiente. Há a qualidade percebida, que é o que somos aos olhos dos outros e passa por trabalharmos essas pontes. E os políticos têm de ter essa capacidade de fazer a ponte entre aquilo que os cidadãos entendem de política e o contexto político de grande descapitalização e de as trazer para a política. Fizeram-no com gatinhos e talvez importasse lembrar que os gatinhos na Internet são uma das principais fontes de adesão. Não é querer brincar com o futuro país, porque a política é uma coisa séria, mas termos um país com mais participação política temos de encontrar assuntos que não são tão sérios para depois falar dos sérios. Tenho gostado de ver Rui Rio nesse papel, é pena que ele não o tenha começado há bastante mais tempo porque agora parece um choque, parece que lhe saltou de dentro um Gato Fedorento. Ele diz que é um Raul Solnado adormecido dentro que saiu para a rua e qualquer dia aparece no último dia de campanha com um ventrículo Zé Albino a falar para o povo. O que o tem colocado em muito melhor posição. E o normal nesta eleição é que António Costa perca, porque é normal que quem governa e não tenha resultados extraordinários, perca. Porque há sentimento de fundo de alteração, dá-se o benefício a quem vem. Se António Costa nestas circunstâncias ganhar é notável.