Quatro assaltos em hospitais, o último dos quais há duas semanas, quando dez equipamentos hospitalares foram furtados de uma zona de acesso restrito do Hospital de Egas Moniz, em Lisboa, estão a ser investigados pela PSP. Os seus contornos fazem admitir que o roubo ultrapasse as fronteiras portuguesas e esteja ligado a um fenómeno à escala europeia, confirma fonte da PSP ao DN..O número de ocorrências levou a Europol a criar um grupo de trabalho, do qual faz parte a PSP, para investigar estes casos que relacionam com a América do Sul..Em Portugal, os assaltantes levaram material de endoscopia no valor de cerca de 300 mil euros - oito videocolonoscópios, um videoduodenoscópio e um videogastroescópio. Como em outras unidades hospitalares, a zona onde estava guardado o material é de acesso condicionado, mas do conhecimento de vários funcionários..Em 2015, foram os hospitais da CUF Porto e o Centro Hospitalar do Barreiro-Montijo os alvos, de acordo com a imprensa. Nos dois casos, e à semelhança do que aconteceu no Egas Moniz, foi furtado material de técnicas endoscópicas.."É um crime que pressupõe conhecimento", diz fonte policial ao DN, sobre estes roubos. "Ao contrário de um estabelecimento comercial, em que o ladrão sabe que o dinheiro está numa caixa registadora, neste caso é preciso informação específica, quase inside trading". Isto é: saber como aceder a estes aparelhos, onde estão, como são..Caso idêntico em Espanha.Há um ano, foi o Hospital Rio Carrión, em Palência, a confirmar o roubo de aparelhos de endoscopia. Ao todo, foram levados 27 endoscópios, no valor de 400 mil euros, escreveram os jornais espanhóis. Não era caso único. Era o terceiro roubo do género em menos de três meses, depois de ter sido descoberto o furto de 13 aparelhos, também de gastrenterologia, em Castellón. O valor do roubo ascendia a 300 mil euros. Os assaltantes roubaram com critério, especificavam os jornais: escolheram apenas o equipamento da marca Olympus..No caso do Egas Moniz, o crime aconteceu entre as 12.00 de domingo, dia 13, e as 08.00 de segunda-feira. "Estes equipamentos encontravam-se numa unidade de endoscopia, no edifício de ambulatório", esclarece o Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental (CHLO), de que faz parte este hospital. Esta zona, acrescenta o hospital em comunicado, "tem acesso restrito por portas com código e guardados em armário também com código de acesso"..Cinco pessoas detidas.A Europol acredita que é na Colômbia que esta rede tem origem, mas a ponta do novelo começa a desenrolar-se na Grécia..Em maio de 2017, equipamento hospitalar no valor de três milhões de euros é roubado em cinco hospitais públicos e universitários em Agios, Savvas, Larisa, Lamia e Volos..Cinco pessoas são suspeitas do crime - três colombianos, um venezuelano e um português são suspeitos dos crimes. A estrutura seria comandada por uma jovem colombiana, detalha o jornal El Espectador. Na Europa operavam quatro pessoas..A Interpol Colômbia recebe informações-chave sobre os roubos, imagens de câmaras de vigilância (que identificavam os suspeitos) e 42 registos de impressões digitais..O material roubado chegava à Colômbia através de uma empresa de envios internacionais e foi através desta que as autoridades chegaram à alegada cabecilha, Brigit Cantor Ariza, entretanto detida..A mulher vivia em Bogotá, e é também suspeita de liderar uma rede de proxenetismo com passagem por Hong Kong..Os homens de nacionalidade colombiana foram identificados. Um deles está detido. O nome do segundo é mantido em segredo para não prejudicar a investigação, diz a imprensa..Ao mesmo tempo que decorria esta investigação, da Venezuela e de Portugal chegavam informações sobre os outros suspeitos. Tinham roubado identidades para entrar na Grécia. Eram, afinal, colombianos..Dois mandados de detenção internacionais seguiram para a Grécia, onde os dois homens foram capturados em meados de 2018, depois de já terem passado por Milão. Na cidade italiana também terão roubado equipamento médico. A polícia encontrou-os num apartamento na Grécia, com vários passaportes falsos. Arriscam uma pena de dez anos de cadeia. Croácia, República Checa e Alemanha são outros países onde a organização atuou, segundo as autoridades colombianas..Na Alemanha, roubos de equipamento médico ligados à gastrenterologia aconteceram em oito hospitais, entre 14 de maio e 7 de junho de 2017, segundo o jornal médico BMJ. O roubo ascenderia aos 2,4 milhões de euros, uma pequena parte do "bolo" total. Dos 16 estados alemães, 11 registaram furtos de material hospitalar, diz a seguradora alemã Ecclesia, que, desde 2014, vem denunciando estes casos..Casos no Reino Unido.É possível recuar a 2006 para encontrar casos de roubo de equipamento hospitalar. No espaço de meses, três hospitais ingleses - Newcastle, Leicester e York - reportaram assaltos. Em todos os casos, foi o material do departamento de gastrenterologia que foi roubado e foi o cartão de acesso de um funcionário que permitiu a entrada no hospital..Polícia e sistema nacional de saúde do Reino Unido (NHS) acreditavam então que o destino destes equipamentos era o mercado negro. A mesma convicção partilham as fontes contactadas pelo DN sobre os assaltos que aconteceram em Portugal..Mercado negro.Se os roubos acontecem é porque têm um mercado à sua espera, simplifica um investigador ao DN. No caso do material relacionado com gastrenterologia, é preciso salientar a sua transportabilidade e a sua transversalidade. Afinal, é usado em muitos hospitais..Não são os assaltantes que vendem este material. Como no caso da mulher colombiana detida, existirá um intermediário. O que se percebe destes casos, analisa um investigador que pediu anonimato, é que existe "organização e itinerância, evidências de uma coisa mais ampla e grave". Esta rede não é, aliás, caso único, diz a mesma fonte, dando como exemplo redes que roubam tabaco ou o grupo oriundo da Europa que vem a Portugal com a intenção de assaltar parquímetros. "A mobilidade é muito maior. A facilidade com que se faz uma viagem à volta do mundo é maior, está muito mais democratizada também no crime.".Exames reagendados.A investigação policial em curso no Hospital de Egas Moniz impede a PSP e o Centro Hospitalar de fornecer mais dados. O roubo foi comunicado ao Ministério Público e está ser analisado pela Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS)..Dentro do hospital, a questão que se seguiu ao assalto prendia-se com os exames já agendados que requeriam estes equipamentos - endoscopias e colonoscopias. Estes equipamentos, além de serem usados em consultas externas, serviam em urgência os doentes internados neste hospital..Foi elaborado "um plano de recuperação de agenda nos três hospitais deste centro hospitalar". Além do Hospital de Egas Moniz, o de Santa Cruz (Carnaxide) e o de São Francisco Xavier.