Na escola onde "o ambiente é a última preocupação" dos alunos, há uma bandeira verde
Em janeiro, uma ambientalista sueca de 16 anos desafiou os líderes mundiais a tomar medidas urgentes para salvar o planeta, durante um discurso no Fórum Económico Mundial, em Davos. Nesta altura, Greta Thunberg era ainda um nome longe daquilo que viria a representar: todas as sextas-feiras, a ativista guardou um lugar sentada em frente ao Parlamento sueco, de cartazes em riste, o que inspirou uma onda de marchas e concentrações de jovens de todo o mundo pelo clima - Portugal inclusive. Nem um ano depois, era já a figura mais esperada da maior cimeira sobre alterações climáticas do ano, a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, em Madrid. Mas nada disto parece ter mexido com a vida de grande parte dos alunos de uma escola em Lisboa, a EB 2,3 do Alto do Lumiar. "Os problemas que têm na vida são tão grandes, que o ambiente é a última preocupação deles", explica a professora Ana Araújo. Ainda assim, até nestas escolas é possível erguer bandeiras verdes.
O professor Paulo Oliveira, de 41 anos, não sabe ao certo desde quando, mas certamente há mais de cinco anos que a sua escola é galardoada como uma escola ecológica. Ao todo, há mais de 1500 Ecoescolas em Portugal, validadas pelo próprio programa Eco-Escolas, uma iniciativa internacional coordenada pela Foundation for Environmental Education (FEE), mas que migrou para Portugal em 1996, ao abrigo da Associação Bandeira Azul da Europa (ABAE). Estão distribuídas por 230 municípios e envolvem 650 mil estudantes no país. O programa visa premiar ações ecológicas nas escolas que se mostrem empenhadas em desenvolver um papel ativo na salvaguarda do meio ambiente.
Aquelas que o comprovem recebem a bandeira de ecoescola, para içar nas suas instalações. Como é o caso da EB 2,3 do Alto do Lumiar. Contudo, a bandeira que receberam, já no ano passado, continua numa caixa, à espera de alguns arranjos na haste para a erguer. Está tão dependente do funcionamento de todas as engrenagens como a mudança nesta escola está da vontade de mudar dos seus alunos.
De manhã, a chuva tinha molhado o alcatrão do recreio e nos canais de água boiavam copos de café, embalagens de chocolates, leite achocolatado, tampas de garrafas e sacos de plástico. Não é a imagem que se espera de uma escola considerada "verde", como esta. O selo que ganharam representa, afinal, as pequenas lutas que travam e as vitórias que somam todos os dias.
A grande maioria destes alunos chegam de "contextos sociais muito degradados", lembra o professor Paulo, também coordenador do programa Eco-Escolas nesta instituição, juntamente com a professora Ana. Chegam sobretudo dos bairros sociais circundantes ao terreno da escola, no Lumiar, "com todos os problemas que isso acarreta". Habitações rodeadas por mazelas do estilo de vida das pessoas que nela habitam, "habituadas a deitar tudo da janela para fora, para o chão". O que se traduz num único cenário: "Crianças e jovens que não veem mal nenhum em depositar o lixo no caixote e que acabam por trazer esta filosofia aqui para dentro", conta o professor de Ciências e Matemática do 2.º ciclo.
Nesta escola, "tudo é uma luta maior" do que seria normal, acrescenta a professora Ana. Não só porque os pais destes jovens "não passam o melhor exemplo" a nível ambiental, mas porque são alunos "com tantos problemas sérios em casa" que os tornam indisponíveis para salvar o mundo e incompreensivos com a luta.
"Não conhecem Greta Thunberg, estão isolados de toda esta discussão pelo ambiente e nem percebem qual é o mal de haver um buraco na camada de ozono, prejudicial, se eles nem conseguem ver com os próprios olhos", explica. Ensinar-lhes a ter um papel pelo ambiente é "ensinar tudo desde a base": o que é a água, o que é decomposição, qual o mal de deixar lixo no chão.
Apesar da dificuldade em transformar a consciência social de uma escola à partida sem espaço para a ecologia, já há alunos capazes de pensar em salvar o planeta. "São poucos", lamenta Paulo Oliveira, "mas poucos já é um ganho". Pelos cantos da escola, residem sinais de mudança: nos pneus antes caídos num monte de entulho que agora seguram flores tratadas pelos alunos no jardim, no terreno abandonado que se transformou num parque temático de observação da natureza e nos sacos de reciclagem das salas de aula.
O esforço valeu uma bandeira verde. Para a receber, a escola teve de comprometer-se com a implementação dos sete passos definidos pelo Programa Eco-Escolas. Qualquer instituição de ensino que queira ser premiada deve, pelo menos, formalizar um Conselho Eco-Escola (um grupo de pessoas - alunos, professores, funcionários, pais ou outros elementos da comunidade - que discutem o planeamento de uma escola mais sustentável), requisitar uma auditoria ambiental, para depois construir um plano de ação, sujeito a um Eco-Código (conjunto de compromissos).
O trabalho deve ser incluído no próprio programa curricular da escola, com ações ecológicas integradas em diversas disciplinas. No caso da EB 2,3 do Alto do Lumiar, acontece no Clube de Ciências, para o qual os alunos se voluntariam. São cerca de 70, atualmente, os estudantes envolvidos, entre os 2.º e 3.º ciclos e o ensino secundário. Três vezes por semana, após a hora de almoço, durante uma hora e 40 minutos, põem mãos à obra para tratar e observar as plantas que residem nos espaços verdes da escola.
O segredo é reutilizar, descobrindo oportunidades em cada centímetro de terreno. Foi assim que o professor Paulo olhou para um velho terreno vedado, anexo à escola. Era apenas "depósito de lixo", coberto por pneus, latões enferrujados, plástico danificado, pesando sobre um manto de erva selvagem. Paulo perguntou aos alunos: "O que veem aqui?" E eles responderam: "Uma horta." Por isso, puseram mãos à obra e construíram um parque de observação de plantas e até de espécies de seres vivos. "Queremos vê-los a sujar as mãos de terra, a sentir a natureza", para melhor a compreenderem e respeitarem, explica o professor.
O lixo que ali habitava foi reaproveitado para dar vida a outras zonas da escola. Como os pneus, que seguram agora pequenas plantações de flores.
Nas salas de aulas, os alunos "habituados a deixar os papéis rasgados e dobrados em cima das mesas" têm agora o compromisso de separá-los conforme as regras da reciclagem, conta a professora Ana Araújo. Cabe a cada professor recolher os sacos de reciclagem na sala de professores e levá-los para as suas aulas, para promover a iniciativa dos alunos.
Aos poucos, a mudança que parecia impossível acontece aos olhos de todos. Ao longe, no recreio, uma criança tenta acertar com uma embalagem no lixo, sem sucesso, e recolhe-a do chão, sem hesitar.
No final de cada ano, a evolução das escolas inscritas é avaliada e, em determinados casos, premiada. Lisboa, Porto e Aveiro são os distritos mais galardoados, seguidos pela Região Autónoma da Madeira - com 275, 237, 150 e 129 escolas premiadas. O distrito de Faro, por exemplo, tem tantas (41) quanto Viana do Castelo e menos do que a Região Autónoma Açores (56).
A metodologia do programa é inspirada nos princípios da Agenda 21 local, que teve origem na conferência da ONU ECO 92. Todo o processo de avaliação e monitorização é coordenado pela ABAE, com o apoio de uma Comissão Nacional (constituída por elementos da APA, DGE, DGEstE, secretarias regionais de Ambiente da Madeira e Açores, ADENE, ICNF, DGADR).