É caso para dizer que os Idles voltam a chamar os bois pelos seus verdadeiros nomes, sejam eles o racismo, o sexismo ou a homofobia, a pobreza e a alienação, Como seria de esperar, aliás, de uma banda assumidamente "política, mas não partidária", para quem a música tem de ser uma "janela para realidade" e "não uma mera forma de escapismo", como refere o vocalista, Joe Talbot, ao DN..O motivo da entrevista foi o lançamento do muito aguardado novo álbum de originais Ultramono, sucessor do aclamado Joy as an Act of Resistance, de 2018, que os catapultou para a primeira divisão da música popular e com o qual ressuscitaram uma certa militância há muito perdida pelo rock para outros estilos como o hip hop. Curiosamente, este estilo é uma das mais assumidas influências do grupo, bem patente neste trabalho, pelo modo como alargam, de forma quase subliminar, o seu universo muito para além do rock e até da própria indústria musical..Conseguiram criar à vossa volta uma verdadeira comunidade de fãs, que vai muito além da música. Pode-se dizer que os Idles são uma utopia tornada realidade? Espero bem que não, porque o nosso objetivo, enquanto banda, é sermos precisamente uma janela para a realidade. Ou seja, a nossa música tem tudo a ver com a realidade, não pretende ser uma mera forma de escapismo. É por essa razão que tentamos ser o mais genuínos possível, para as pessoas perceberem que fazem parte de um movimento maior. Comecei esta banda porque me sentia só e com ela descobri que afinal não estava; é isso que queremos mostrar aos nossos fãs, que não estão sozinhos no mundo..Esperavam atingir este tipo de sucesso, com uma mensagem política tão direta em tempos tão polarizados como os que se vivem atualmente? Se calhar é exatamente por isso que temos sucesso, porque as pessoas sentiam falta de uma certa militância no rock. Mas convém esclarecer que somos uma banda política, sim, mas não uma banda partidária..Não se trata apenas de música, certo? A música nunca é apenas música, porque tem sempre a ver com pessoas e com o que elas sentem e pensam ao ouvi-la..Porque é que não gosta que chamem aos Idles uma banda punk? Porque se dizem que somos, então passamos a ser, embora não concorde com essa classificação, por ser demasiado simplista. Entendo que seja necessário catalogar as bandas, mas sempre que permitimos serem outros a categorizar-nos estamos a menorizar-nos, tanto na música como na vida em geral. Se vamos por aí, há estilos musicais, como a blues, o reggae ou a soul, muito mais subversivos do que o punk, devido à sua história e ao seu significado em determinado momento da história. E os Idles, enquanto banda, gostam de abraçar todos esses outros géneros musicais que gostamos, como a soul ou o hip hop, com o qual todos nós crescemos..E neste disco há uma clara influência do hip hop nalgumas técnicas de produção... Sei, usámos alguns elementos do hip hop, que se calhar até passam despercebidos à maioria das pessoas, por forma a causar um impacto físico em quem nos ouve, como fazemos em concerto, mas que em disco é mais difícil de conseguir. É um método um pouco à Wagner, de tocar tudo ao mesmo tempo [risos], como também se faz no hip hop ou até no jungle ou na música techno, para causar esse impacto físico no ouvinte..Há uma espécie de mantra - I am I [eu sou eu] - que se ouve em diversos momentos do disco. Qual é o significado? Tem a ver com a aceitação de quem somos, de uma forma holística, neste preciso momento das nossas vidas. Foi algo que me surgiu num momento de interiorização da minha vida e me pareceu importante partilhar, porque a aceitação de quem somos é o primeiro passo para a felicidade..Neste disco há muitas mensagens importantes, como em Ne Touche Pas Moi, contra o sexismo, ou em Grounds, contra o racismo, novamente passadas sob uma forma muito enérgica de fazer música, que convida a dançar, a saltar e a cantar. A alegria é o derradeiro ato de resistência política, como titulavam no vosso anterior álbum? Não, a empatia é que é o derradeiro ato político. É a única arma possível para combater flagelos como o racismo ou o fascismo, que apenas existem porque as pessoas não são amadas. E isso acontece porque não se amam a si próprias. Esse é o primeiro passo que tem de ser dado..YouTubeyoutubemRkUt9VnaR0.Acredita realmente que toda a gente quer ser amada, como canta em Hymn, quando o atual discurso público, especialmente nas redes sociais, é muito mais baseado no ódio? Tenho a certeza de que toda a gente quer ser amada, mas para isso acontecer é necessário tornarmo-nos cada vez mais vulneráveis. Ser vulnerável é muito mais importante do que parecer forte. Tem a ver com a tal aceitação de quem somos. Quando o conseguimos fazer tornamo-nos vulneráveis e com uma maior capacidade para amar e sermos amados..YouTubeyoutubeeYGtGcJ8rKw.A música Model Village é inspirada na sua própria experiência de ter crescido numa cidade pequena? Talvez, porque de facto era muito perigoso viver numa cidade assim, devido a um racismo e uma homofobia casual, que sempre existiu, mas nunca ninguém tem coragem de admitir. Eu próprio só percebi isso quando me mudei para Bristol. Mas essa canção é mais sobre um lugar imaginário, onde não há educação nem informação, um pouco como o nosso Governo tenta fazer hoje com os mais pobres, para os manipular mais facilmente..YouTubeyoutubesjr11lGEBg4.Além de Jehnny Beth, das Savages, e de Warren Ellis, dos The Bad Seeds, o disco conta também com a surpreendente colaboração de Jamie Cullum. Como é que ele surge aqui? Foi o Jamie que se ofereceu para participar, quando nos conhecemos na cerimónia dos Mercury Prize. Aceitámos logo, não por ser um tipo ultratalentoso, que trabalhou muito para chegar onde chegou, mas especialmente por ser alguém que tem tudo a ver connosco, como o que somos e com o que defendemos. Agradeço-lhe muito ter tido essa atitude..Como é que viveram o período de confinamento? Foi um período muito importante, de reflexão e encontro comigo mesmo. Sou uma pessoa muito introvertida, que gosta de estar sozinha. Foi algo que aprendi durante o os cinco anos em que tomei conta da minha mãe. Ela deixou de falar, devido à doença, e tive de aprender a viver com o silêncio, a aproveitar o meu tempo e a apreciar a minha companhia, o que me ajudou durante este período. De qualquer forma tenho de dizer que fui um privilegiado, pois tinha um teto sobre a minha cabeça e pude continuar a fazer o meu trabalho. Também tocámos algumas vezes para os nossos fãs, porque são eles a razão do nosso privilégio..Os Idles eram um dos cabeças de cartaz do festival de Paredes de Coura, que acabou por ser cancelado, mas entretanto já marcaram um novo concerto em Portugal, para 7 de junho do próximo ano, em Lisboa. Acreditam mesmo que se vai realizar? O covid vai morrer, prometo, e nós vamos a Portugal festejar isso mesmo [risos]. Não sei se vai ser o melhor ou o pior concerto das vossas vidas, mas posso-vos prometer muito amor.