A saga dos deputados brigões continua a render, fazendo correr muita tinta e consumindo ainda muitos minutos de noticiário, quer da rádio quer da televisão, pelo que tudo indica que não será para breve que irá acalmar-se. Pelo menos é o que se intui do exagerado pronunciamento na comunicação social do líder parlamentar do MpD, partido do deputado que diz ter sido vítima de "sanha ignóbil". Num tom e numa linguagem que muito fez lembrar Trump a ameaçar Kim Jong-Un com as fúrias do inferno, disse que o seu partido, dado que tem maioria, vai fazer tudo que estiver no seu poder para destituir o agressor de todas as funções que desempenha enquanto deputado: presidente da Rede parlamentar do Ambiente, vice-presidência de uma comissão especializada... E só não lhe cassa o mandato porque infelizmente lhe escasseiam os votos. Mas é assim o MpD, sempre exagerado..Todo o mundo pensante mais comedido ficou assustado com a violência do líder. Jesus, exclamou-se, se por um simples arranhão suturado com dois pontos ele se apresenta assim irado pior do que Jeová nos seus bons tempos, que seria se se tivessem comportado como badios a sério e puxado das respetivas canhungas?.Porém, enquanto se digeria esse palavreado raivoso e a oposição pedia humilde que antes da medida extrema da excomunhão se nomeasse uma comissão capaz de inquirir o mais independente possível e elucidasse de vez quem tinha agredido quem, novos elementos vieram juntar-se ao processo. E, por sinal, nem todos favoráveis à ideia de agressão pura e simples como tinha sido veiculada por uma colega de bancada do agredido pretensamente próxima no momento do ato belicoso, antes introduzindo um dado que, vamos e venhamos, si non é vero é bene trovato, porque está muito mais de acordo com a idiossincrasia nacional. E foi o caso de um jovem pedreiro, no momento prestando serviço da sua especialidade numa dependência da assembleia, próxima do local onde estavam os dois deputados. E que disse ele ao jornal A Nação? Que estava distraído no seu trabalho e quando deu por si viu que os dois parlamentares estavam carapatidu na cumpanheru..Muito bem! Carapatidu na cumpanheru! Em português de lei, se diria: Ferozmente engalfinhados! Assim sim, assim está melhor, com os nossos deputados mais próximos do povo do que representam. Sim, porque qual é o cabo-verdiano que leva pancada, se encolhe cobardemente e vai para casa charutinho e envergonhado? Ainda por cima sendo badio, o orgulhoso badio que no antigamente da sua história brigava a facadas e depois curava as feridas com manteiga de terra a ferver..De modo que, muito francamente, essa estória sempre me pareceu mal contada. Levar sem descontar, só quando o atacante bate e foge, e mesmo assim. Lembro-me de um caso na Boa Vista. O jovem tinha sido ofendido na sua honra e queria tirar desforço. Só que era um rapaz pequeno e lingrinhas, enquanto o adversário era grande e forte. Mas na mesma precisava vingar-se. De modo que passou dias a rondar o inimigo. Até que uma manhã viu-o a jeito, aproximou-se silenciosamente e aplicou-lhe forte murro no pescoço. E desatou-se a correr. Após breve momento de concentração o agredido partiu atrás dele. Mas quando estava prestes a alcança-lo, escorregou e estatelou-se no chão. Enquanto se levantava o outro ganhou distância e chegou a casa. Pensou-se já em segurança até ver a porta a ser arrancada a pontapés. Em desespero, saiu pelo portão e correu em direção ao mar onde entrou destemido, nadando para longe. Salvou-o o facto de o grandalhão não saber nadar..Ora é exatamente essa forma de estar que faz parte da nossa identidade, e certamente que, mesmo sem o pedreiro, ninguém terá acreditado na patranha do deputado mofino que leva, ainda por cima em frente a colega, e vai fazer queixa à polícia.. Escritor Cabo-verdiano, Prémio Camões 2018