Por decisão do juiz de instrução criminal Carlos Alexandre, que subscreveu todos os factos imputados na investigação da Polícia Judiciária (PJ) e na acusação do Ministério Público (MP), dois dos oito alegados jihadistas portugueses vão ser julgados no nosso país..Um deles é Rómulo Costa, 40 anos, detido na cadeia de Monsanto desde junho do ano passado; o outro é Cassimo Turé, 44 anos, sob controlo das autoridades do Reino Unido, país onde se encontra com termo de identidade e residência (TIR) determinado pelo MP. Nunca combateram na Síria nem no Iraque, nos antigos territórios do autoproclamado Estado Islâmico, mas sobre eles cai a suspeita de terem apoiado os restantes membros do grupo, quer ideológica quer logisticamente, e angariado financiamento para deslocações à Síria..Este grupo, que saiu da linha de Sintra para Inglaterra, onde se radicalizou, é conhecido como Célula de Leyton - localidade onde residiam e que tem uma grande comunidade muçulmana..Rómulo e os irmãos Celso e Edgar Costa; Cassimo e o irmão Sadjo Turé, Nero Saraiva, Fábio Poças e Sandro Marques estão acusados pelos crimes de adesão e apoio a organização terrorista, recrutamento para terrorismo internacional e financiamento de terrorismo. Sadjo, Fábio, Celso, Edgar e Sandro estão "em paradeiro desconhecido", dados como mortos pelas autoridades. Nero Saraiva, está detido no Iraque. Os irmãos Costa e os Turé eram amigos de escola em Massamá. , e Sandro Marques e Fábio Poças.Juiz convicto da condenação.É convicção do MP, subscrita por Carlos Alexandre, que manteve a medida de coação, que Cassimo Turé "assumiu um papel relevante no financiamento do grupo, nomeadamente o recebimento de quantias monetárias, distribuição por outros arguidos e guarda do suporte de ficheiros relacionados com o esquema ilegal para obtenção de subsídios praticados em Londres por Sadjo". Assumiu também, segundo o MP, funções de apoio em Portugal a indivíduos aliciados e recrutados para se deslocarem para a Síria..Em relação a Rómulo, que pediu a revogação de prisão preventiva - que lhe foi negada pelo juiz de instrução -, o MP elencou várias situações que no seu entender demonstram o seu apoio à causa jihadistas, quer através de comentários nas redes sociais, quer no facto de ter emprestado o seu passaporte ao irmão para este entrar na Síria, quer em ficheiros e documentos encontrados na sua casa em Massamá e apreendidos pela PJ..No despacho a que o DN teve acesso, Carlos Alexandre explica que este é um daqueles casos em que "o juiz deve pronunciar o arguido quando, pelos elementos de prova recolhidos, forma a sua convicção no sentido de que é mais provável que tenha cometido o crime do que não o tenha feito"..O magistrado sublinha: "Ao contrário do que foi pugnado pelo arguido requerente na abertura de instrução, os autos contêm, e foram escrutinados, indícios de que se consideram fortes em ordem de submeter o arguido a julgamento pelos crimes que lhe são imputados na acusação."."Dourar a factualidade".A defesa de Rómulo tinha alegado que a acusação não imputava factos em coautoria aos arguidos nem atribui factos em concreto a cada um, designadamente quanto a Rómulo Costa - que não chegou a ir à Síria, tal como Cassimo Turé, servindo ambos de apoio de retaguarda, conforme alega MP..Carlos Alexandre refuta este argumento da defesa sublinhando: "Se para a coautoria não é indispensável que cada um dos agentes intervenha (...) em todos os atos a praticar para a obtenção de resultados, bastando que a atuação de cada um seja elemento componente do todo; por maioria de razão nos casos de associação criminosa não exige que cada associado intervenha em cada um dos atos decidido pelo grupo, ou participe em todos os crimes praticados por outros associados.".Ou seja, não é pelo facto de Rómulo não ter ido combater pelo autoproclamado Estado Islâmico que não tinha o seu papel no grupo..Carlos Alexandre apresenta no seu despacho de mais de 400 páginas do relatório final a investigação da Polícia Judiciária. Garante que "escrutinou os elementos indiciários" apresentados por esta polícia, assim com os "constantes à posição do MP em sede de conclusões de debate instrutório". O juiz salienta que "corrobora" as conclusões insertas no relatório final". E, como tal, entende que "a atuação de Rómulo da Costa e dos seus coarguidos deve ser cabalmente escrutinada em julgamento"..Em tom crítico, Carlos Alexandre assinala que a defesa de Rómulo não procurou esclarecer nenhum dos "crimes graves" que lhe foram imputados pela acusação do MP. Ao invés, tentou "dourar a factualidade", "desviar a atenção do principal, dos factos que integram a prática de crimes tão graves que põem em causa a segurança nacional e internacional".."Glorificou, exaltou e defendeu os fundamentalistas islâmicos.No entanto, escreve o magistrado "esqueceu-se a defesa, totalmente, de que foi o arguido quem permitiu e ajudou a viagem de Celso Costa para a Síria, cumprindo o plano de deslocação de toda a família, mulher e filhos, para palco de guerra"..Carlos Alexandre salienta que "os sobrinhos do arguido, filhos dos arguidos dos seus irmãos, crianças nascidas na Europa e levadas com poucos anos de vida e mesmo recém-nascidas para a Síria, encontram-se entre estas crianças que estão a morrer. Estão lá neste momento. São estas crianças"..Frisa o juiz que "a factualidade descrita demonstra, sem qualquer dúvida, que também o arguido Rómulo Costa glorificou, exaltou, regozijou, defendeu e exultou todos os ideais fundamentalistas islâmicos e que todos esses factos permitem concluir pela sua adesão, sem qualquer dúvida, às referidas organizações terroristas"..Rómulo Costa com alcunhas Binas, Romy, Rominho, Romny Fansony. Morava em Portugal, foi para Londres em 2000, onde viveu desde aí, convivendo com o amigo de infância de Massamá, Sadjo Turé. Era produtor de música, com o nome artístico de Romy Fansony..Sustentou o MP que aquele grupo "conhecia as rotas, o terreno e os facilitadores na Turquia e na Tanzânia. Nesse contexto, aliciaram, recrutaram, financiaram e apoiaram logisticamente a deslocação de cidadãos britânicos e portugueses para a Síria". Utilizaram o território nacional "como base de apoio aos recrutados e a todos os que se iam juntando ao grupo"..Sadjo, por exemplo, "aliciava e convencia os jovens britânicos em Londres e enviava-os para Lisboa". Edgar Costa, Sandro Marques e Cassimo Turé "acolhiam-nos em Portugal, providenciavam todo o apoio logístico até se encontrarem reunidas as condições financeiras e logísticas para viajarem até à Turquia e depois até à Síria". Nero Saraiva, por seu turno, "assegurava toda a logística necessária para recolher na Turquia os que ali chegavam e, recorrendo a facilitadores locais ou militantes do grupo jihadista terrorista a que pertencia, assegurava a sua passagem pela fronteira turca para a Síria"..Sadjo Turé (juntamente com Celso da Costa) foi suspeito, no Reino Unido, de autoria do rapto dos jornalistas John Cantlie e Jeroen Oerlemens, em julho de 2012, na fronteira turco-síria. E foi a partir daqui que ficaram no "radar" das autoridades britânicas, que avisaram a polícia portuguesa..Depois do alerta dos britânicos no início de 2013, as autoridades portuguesas tinham-nos sob vigilância e escutas. No despacho de acusação são transcritas dezenas de conversas que o MP entendeu constituírem provas da sua adesão e envolvimento com os terroristas do Estado Islâmico, quer em recrutamentos quer em treinos, combates e financiamento.."Porcos (infiéis) a caírem".Nas escutas a Edgar são descritas "matanças", fala-se da "guerra" e em "limpar mais uns quantos"..Em janeiro de 2014, Fábio Poças, já na Síria, publicou uma fotografia sua no Facebook com uma espingarda automática AK47 - Kalashnikov, apresentando-se como membro da organização terrorista ISIS ou ISIL. Contou que vivia em Aleppo, na Síria, e intitulou-se mujahid/footsoldier/sniper na empresa Dawlah Islamyah fi Iqraq wa Sham, ou seja, combatente, soldado de infantaria do Estado Islâmico do Iraque e da Síria..Nesta página de Fábio Poças, Rómulo Costa (com o nome de Romy Fansony) comentou, por três vezes, publicações, tendo escrito: "Ai não; porcos a caírem all day everyday; braaaaaaa tatatataaa.".Nessa altura, pelo menos desde finais de março de 2014, integrando as fileiras da organização terrorista EI, estavam, na Síria, Nero Saraiva, Sadjo Turé, a sua mulher, Zara, e o filho, Yusha; Celso Costa, a sua mulher, Reema, e o filho, Ibraheem; Edgar Costa, a sua mulher, Fatuma, e o seu filho Zakarya; Fábio Poças; e Sandro Marques, com a sua mulher, Mayibongwe, e a sua filha, Yaminah..Em abril do ano passado, dois meses antes de ser detido, Rómulo Costa telefonou ao seu pai, Manuel Costa, e "conversaram sobre as diligências a desenvolver junto de várias entidades portuguesas com vista ao repatriamento das mulheres e filhos dos irmãos, que se encontram na Síria". Rómulo "admitiu a dificuldade desse processo, reconhecendo que a fase seguinte será tentar localizá-los, designadamente dizendo que era complicado". O objetivo aqui, frisou ao pai, "é salvaguardar a família" e que "a prioridade" era "tirar aquelas crianças e as mulheres dali"..Em junho deste ano, na sequência da detenção de Rómulo, as autoridades portuguesas fizeram buscas em casa dos irmãos Costa. Entre o material apreendido estava um documento, escrito em computador, com nomes de mulheres e crianças que se encontram em campos de refugiados, na Síria, em tendas da UNICEF, entre os quais as mulheres e filhos de Celso e de Edgar.."Por amor se faz a guerra".Também foram encontrados vários textos professando o islamismo extremista, letras de músicas e projetos de Rómulo (produtor musical). Num projeto de filme, Rómulo Costa propunha-se abordar "a história verídica da vida e ideologia jihadista dos sete arguidos, respetivas mulheres e filhos: Nero Saraiva, Sadjo Turé, Sandro Marques, Fábio Poças, Celso e Edgar Costa e do próprio autor"..Numa pen drive de Rómulo, as autoridades encontraram letras de canções da sua autoria, textos, declarações do seu "estado de alma", que demonstram a sua dedicação ao jihadismo. Num dos ficheiros estava uma letra autobiográfica relatando a vida e desígnios pessoais do autor, de uma música intitulada Mopeople (Meu Povo)..Referia a letra que "por amor faz a sua guerra", saúda os seus irmãos (com o sentido de muçulmanos) e que "se deus quiser (insha'Allah) estarão juntos numa nova era a fazer o inimigo sofrer"..O autor dedica a última parte do texto a dois indivíduos, Crebaz Stone e Franky Pain, alcunhas de Celso e de Edgar. Rómulo afirma que os proclamou, que são os únicos que sabem quem realmente ele é e que nunca os abandonou.