A pastelaria Sul América. A Charcutaria Riviera. A Churrasqueira Hó Galego. A Óptica Roma. A sapatária Hélio. A loja de malas Sepu. Nomes luminosos que durante décadas brilharam nas ruas de Lisboa e que entretanto se apagaram. As lojas podem já não existir mas os letreiros foram salvos por Rita Múrias e Paulo Barata e são agora estrelas da exposição Luzes da Cidade..A exposição deveria ter sido inaugurada em março, integrada no Abcedário Festival da Palavra, mas devido à pandemia de covid-19, acabou por ser cancelada. Mas o casal de colecionadores não quis perder a oportunidade de mostrar estas peças. A exposição será inaugurada esta quinta-feira para mostrar cerca de 20 letreiros, luminosos ou não, relacionados com a zona de Alvalade mas não só - uma pequena parte da grande coleção que começou a ser construída em 2014..Paulo Barata e Rita Múrias são ambos designers e apaixonados por grafismo. "Gostamos de letras", diz ele. Por isso, era normal que andassem sempre a reparar nos letreiros que viam nas ruas e nas lojas. Rita começou por fotografar as letras, depois passaram a fotografar os letreiros. Tornou-se um projeto familiar. "Nós fotografávamos os letreiros e fomo-nos apercebendo que alguns eram retirados e isso levou-nos a perguntar onde estariam, Entrámos em algumas obras e diziam-nos que os tinham deitado para o lixo." E foi então que surgiu a ideia de começar a investigar os letreiros, preservando a sua memória e preservando os próprios letreiros sempre que possível.."O Paulo trabalhava nos Restauradores e eu estava em Alcântara, então começámos a fazer o levantamento na nossa zona, nos nossos percursos diários. Depois fomos alargando a outras zonas. Fotografávamos e falávamos com os proprietários das lojas. Ao princípio era difícil explicar porque nem nós sabíamos bem o que queríamos", conta Rita. Sabiam que queriam salvaguardar os letreiros, evitar a sua destruição..O primeiro letreiro da coleção era de uma sapataria ao pé de casa, o segundo era de uma loja na rua das Portas de Santo Antão. "Logo no primeiro ano, de junho a outubro, estabelecemos uma meta que íamos conseguir um letreiro por semana", conta Rita. "E conseguimos."."Na Baixa ainda havia muitos. O que eu fazia era falar com os lojistas para os convencer a guardar o letreiro se por acaso o tirassem ou fossem fechar, ou então ia falar com o dono do imóvel, quando as lojas já estavam fechadas", conta Paulo. "Nessa altura já havia muitas lojas fechadas." De então para cá, muitas mais fecharam. Só no ano de 2019 angariaram 30 letreiros. "Dá imensa pena ver a descaracterização de Lisboa, já não é um processo, já é um facto. Hoje em dia, a Baixa de Lisboa é igual à Baixa de outra cidade qualquer.".Entretanto, o projeto da "Letreiro Galeria" foi crescendo. Em 2016 a coleção foi mostrada ao público numa grande exposição no Convento da Trindade, em Lisboa, chamada Cidade Gráfica, em parceria com o MUDE - Museu do Design. Inspirados nos museus que existem em Berlim e Varsóvia, o sonho de Paulo Barata e e Rita Múrias é ter uma galeria onde possam mostrar a coleção numa exposição permanente e, além disso, continuar a investigação, em vez de manterem os letreiros guardados num armazém emprestado em Oeiras como estão agora. "Os letreiros ocupam muito espaço, são muito pesados e difíceis de transportar por isso é difícil organizar exposições. E além disso muitos deles já não funcionam ou estão partidos, nós vamos reparando o que é possível reparar, mas é tudo muito caro", lamentam..A coleção serve também de base ao doutoramento que Rita Múrias está a fazer na Faculdade de Arquitetura sobre a "memória gráfica de Lisboa". Está a estudar sobretudo a rua do Ouro, rua Augusta e Rossio: "Percebi que podemos contar a história da cidade através dos letreiros. As lojas fecham e abrem, isso faz parte da evolução da cidade", explica. E há também as histórias dos próprios letreiros. No século XIX as letras eram pintadas nas paredes, depois surgiram letras nas portas corta-vento e nos vidros, pintadas com folha de ouro. A invenção do néon é aconteceu em França em 1910. Por cá o licenciamento para colocar letreiros luminosos passou a ser obrigatório em 1932 - é dessa fase, dos anos 30 e 40, que há mais informação, por causa de todas as burocracias, as empresas que produziam os "reclames" faziam desenhos técnicos que tinham de ser aprovados pelas autoridades..É difícil dizer qual é o letreiro mais antigo da coleção porque muitas vezes nem os proprietários das lojas sabiam ao certo a sua data. "O mais antigo, de que temos a certeza, é o da Livraria Aillaud Lello na rua do Carmo, de 1934. Mas a maioria dos nossos letreiros são dos anos 60 para cá.".Neste momento, têm já 250 letreiros. São quase todos de Lisboa, embora haja uma meia dúzia de Coimbra e do Porto. Nenhum deles foi comprado. Entre os mais emblemáticos, estão o letreiro original do Hotel Ritz, o do oculista Machado, da pastelaria Suíça ou o da loja do Diário de Notícias no Rossio..E já lhes aconteceu serem os próprios donos das lojas a ligarem para oferecer o letreiro antes que seja destruído. Também a Junta de Freguesia de Alvalade salvou alguns letreiros do bairro para lhes entregar - como é o caso dos da Sapataria Helio, na Avenida de Roma, e da Charcutaria Riviera, na Avenida da Igreja, que estão agora nesta exposição.."Se os vão destruir, ficamos com eles. Mas ficamos ainda mais contentes quando os néons estão a funcionar nas fachadas, é muito bonito", diz Rita. "E cada vez vemos menos.".Exposição Luzes da Cidade na Stolen Book, avenida EUA, 105 - garagem (entrada pelas traseiras do prédio), Lisboa De quinta a domingo, das 15.00 às 19.00 Até 12 de julho Entrada livre