Manifestação cívica
A eleição para um segundo mandato presidencial gera tradicionalmente elevado nível de abstenção, mas a taxa de abstenção foi abaixo dos 70% que se temia uns dias antes da data das eleições. No contexto de pandemia e de confinamento, em especial do aumento do número de mortes e de infetados nas últimas semanas, a maior participação dos cidadãos pode ser interpretada como um ato de coragem ao votar no pico da pandemia e uma manifestação de crença na democracia, sobretudo quando vários candidatos alertaram, na ponta final da campanha, para os riscos da abstenção elevada e do fantasma do populismo.
Os portugueses escolheram Marcelo Rebelo de Sousa, que venceu à primeira volta. Perante estes resultados, há reflexões a tirar sobre estas eleições presidenciais e sobre as expectativas para próximos atos eleitorais.
Primeiro, a dita normalidade democrática acontece quando os cidadãos percebem que é realmente importante votar, mesmo que considerem que a Comissão Nacional de Eleições ou o Ministério da Administração Interna não tenham sido suficientemente proativos na organização e na pedagogia das eleições. Num quadro excecional de risco para a saúde pública, os portugueses adotaram uma atitude de civismo, esperaram nas filas, usaram máscara e caneta própria e guardaram as distâncias necessárias.
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Apesar de muitos portugueses considerarem que as eleições deveriam ter sido adiadas devido ao recente descontrolo da pandemia, o esforço cívico do voto presencial poderia ter sido minorado se já fosse possível o voto eletrónico, por correspondência e presencial sem a obrigatoriedade da área de residência. Na terceira década do século XXI, não se entende a teimosia dos partidos na manutenção num sistema eleitoral arcaico, quando estão ao dispor, há vários anos, ferramentas tecnológicas que permitem votar em segurança a partir de qualquer local, o que decerto permitiria aumentar a taxa de participação dos eleitores.
A fórmula do voto antecipado, a possibilidade de votar em mais do que um dia e o maior respeito pelo voto dos emigrantes são variáveis a considerar nas próximas eleições, por uma questão de equidade no exercício de um direito e dever cívico dos portugueses do continente e ilhas e também da diáspora.
O esforço dos autarcas e dos cidadãos que integraram as mesas de votação foi notável, num cenário real de risco de saúde pública e de medo, quando se atingem máximos no flagelo da pandemia. É importante agradecer a quem correu riscos para fazer acontecer um ato eleitoral com a normalidade possível, a segurança e os cuidados que são exigidos quando vamos colocar a cruz no boletim de voto.
Ontem à noite, a imagem do candidato Marcelo Rebelo de Sousa a chegar a casa em Cascais, vindo do norte no seu automóvel, e a ir comprar jantar a um restaurante próximo em sistema take-away transmite aos cidadãos uma sensação de normalidade que é, de alguma forma, a resposta à atitude da maioria dos portugueses que foram votar em plena pandemia e é algo que precisamos de restaurar, após momentos de crispação. No entanto, a regularidade da vida em democracia não deve confundir-se com o necessário sobressalto cívico de debater, todos os dias, as respostas concretas dos agentes políticos aos problemas dos portugueses. Agora, o importante é vencer a pandemia e combater a crise económica e social que vai ser prolongada.
A enfrentar a crise estão muitos profissionais resilientes. Hoje o Diário de Notícias começa a publicar uma série de artigos com as profissões que nunca param. Em pleno segundo confinamento, valorizar quem continua a servir a sociedade é um dever de todos. Também nesta edição o DN oferece aos seus leitores um caderno com todas as capas das presidenciais, desde 1974. Uma preciosidade do jornal de âmbito nacional que é o mais antigo do país. Porque acreditamos que é importante projetar o futuro, sem esquecer o passado.