O primeiro presidente da história do mundo

Washington, que recusou sempre ser rei, teria sido eleito sem dificuldade para um terceiro mandato presidencial, mas quis dar um exemplo de desapego ao poder aos seus sucessores e saiu no final do segundo.
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George Washington perdeu de novo para Abraham Lincoln na mais recente avaliação - 2019 - dos presidentes americanos por historiadores e biógrafos, o que é tão natural e honroso como se Afonso Henriques perdesse para D. Manuel I para eleger entre os grandes reis de Portugal. Mas o que torna mesmo Washington único (Lincoln salvou a União mas não a fundou) é ter sido, entre 1789 e 1797, não só o primeiro presidente dos Estados Unidos, como do mundo. E isso faz dele um revolucionário, talvez o maior de sempre dado o tremendo sucesso do novo país, mesmo que associemos essa condição mais a um Lenine, a um Mao Tsé-tung ou a um Fidel Castro. E sim, houve algumas repúblicas antes da americana, da Grécia antiga a Veneza, mas os seus líderes usavam outras designações.

"Tanto enquanto líder revolucionário, como enquanto estadista, o presidente Washington encarnou a Revolução Americana e teve um papel fulcral na forma como a nossa República nasceu. A sua genialidade estratégica e a sua liderança inspiradora venceram a Guerra Revolucionária e conquistaram a independência do nosso país", diz o embaixador dos Estados Unidos em Lisboa, George Glass, relembrando que para os historiadores americanos Guerra da Independência, Guerra Revolucionária ou Revolução Americana são três formas de descrever a revolta das 13 colónias, a partir das primeiras escaramuças em 1775, contra a Coroa britânica.

George Glass sublinha ainda: "No entanto, o que Washington fez após a vitória foi igualmente revolucionário: por duas vezes, renunciou voluntariamente ao poder, primeiro quando se demitiu do exército depois da guerra e uma segunda vez quando renunciou à Presidência após dois mandatos. Washington estabeleceu o precedente nos Estados Unidos de que os militares estão subordinados à liderança civil e que ninguém, por mais popular que seja, pode aspirar ao poder absoluto."

Nascido em 1732 numa família de fazendeiros abastados da Virgínia, Washington fez escassos estudos, mas destacou-se como agrimensor e os seus conhecimentos de topografia revelaram-se importantes quando foi chamado a combater pela Grã-Bretanha, numa guerra em que o inimigo era a França e algumas tribos índias. Depois voltou à vida civil, casou com Marta, viúva rica, e criou os filhos desta. Quando os colonos americanos sentiram que estavam a ser desrespeitados nos seus direitos, Washington deixou uma vez mais Mount Vernon, mansão rodeada por uma plantação, para pegar em armas, desta vez contra Jorge III, o rei que ele nunca quis ser. A Declaração de Independência de 1776 foi um ponto de não retorno e o general Washington destacou-se em batalhas como a de Yorktown, em 1781, que conduziram finalmente à rendição britânica.

Para o historiador Luís Nuno Rodrigues, "George Washington foi, primeiro que tudo, um líder militar, que conduziu os Estados Unidos à vitória sobre a Inglaterra, na guerra da independência. Em grande medida, a independência dos EUA deveu-se à forma como este homem conduziu as suas tropas". Mas o diretor do Centro de Estudos internacionais do ISCTE, destaca também, tal como fez o embaixador Glass, a carreira política que se seguiu, pois "ao ser o primeiro presidente da História dos Estados Unidos definiu desde cedo muitos dos aspetos que caracterizam o cargo. Um deles foi a constituição de uma espécie de gabinete que o auxiliou na condução dos destinos do novo país; outro foi o de ter exercido apenas dois mandatos, estabelecendo também aqui uma regra que permaneceria inalterável até aos tempos de Franklin Roosevelt; foi ainda um Presidente que soube desde cedo respeitar o princípio da separação de poderes, procurando não interferir nos ramos legislativo e judicial".

Doutorado em História Americana pela Universidade do Wisconsin, Luís Nuno Rodrigues relembra ainda que "Washington é também conhecido por palavras que hoje em dia parecem revestir-se de alguma atualidade. Na sua célebre mensagem de despedida avisou os seus sucessores de que os Estados Unidos não se deveriam envolver, por regra, nos problemas da Europa, uma vez que ao fazê-lo poderiam por em causa a paz e a prosperidade dos Estados Unidos. Para muitos autores, essa frase de Washington é interpretada como um momento fundador da tradição isolacionista dos Estados Unidos que nos dias de hoje parece estar a ganhar novo impulso."

Quando se fala do legado do primeiro presidente dos Estados Unidos, incluindo o contributo para a aprovação de uma Constituição que se mantém em vigor passados mais de dois séculos (a França vai em 15 desde a Revolução de 1789!), não se pode deixar de notar que, apesar de abolicionista em conversas privadas, não combateu a escravatura para salvaguardar a unidade nacional e teve escravos toda a vida. Inscreveu-lhes, porém, a liberdade no seu testamento. Um último ato revolucionário.

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