Covid-19. Portugal fechou a porta com mais força e antes de Espanha. E isso fez a diferença
Blocos de cimento ou grades com meia dúzia de metros, pinos sinaleiros laranjas e brancos e fitas de plástico servem de cercas improvisadas nas fronteiras terrestres entre Portugal e Espanha. Vigiadas por agentes, que impedem a circulação evitável entre os dois países em tempo de pandemia. De um lado, Portugal (com 23 392 casos e 880 mortes) - elogiado pela Organização Mundial de Saúde e exemplo para jornais internacionais, como o norte-americano The New York Times ou a revista alemã Der Spiegel. De outro, Espanha - o segundo país do mundo com mais casos de covid-19 (223 759) e o terceiro com mais mortes (22 902). Para o virologista Pedro Simas, a diferença está no tempo extra que Portugal teve para se preparar e para a investigadora de saúde pública Carla Nunes na "forma drástica e rápida como fechámos a porta".
Portugal registou os primeiros dois casos confirmados de infeção pelo novo coronavírus a 2 de março e passou a barreira dos cem infetados no dia 13. A primeira vítima mortal registou-se três dias depois. O estado de emergência nacional veio logo a seguir, a 19 de março, como conclusão de uma série de medidas de contenção já em vigor. Quando o país parou já havia escolas fechadas, pessoas em teletrabalho e atividades de grupo canceladas. "Movia-nos o medo do que se via noutros países", nomeadamente, em Itália, o epicentro da doença na Europa e, depois, em Espanha, diz Carla Nunes, investigadora e diretora da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) da Universidade Nova de Lisboa, que se encontra a estudar a evolução da pandemia no nosso país e no mundo.
"Houve uma política mais precoce e a população portuguesa aderiu de forma mais efetiva, porque estávamos a ver o filme italiano e quando começou em Espanha já estávamos alerta", explica a investigadora. A juntar a isto, o país teve um início de surto "suave", com casos importados e isolados. Eram "pessoas ativas, no seu melhor", caracteriza Carla Nunes, ao contrário do que se verifica agora, quando as principais vítimas mortais dizem respeito a pessoas acima dos 70 anos.
Em Espanha, o primeiro caso foi notificado no início de janeiro, o segundo a 9 de fevereiro, mas só a partir do dia 25 o contágio oficial acelerou. A 10 de março, o país tinha 1024 infetados. As cadeias de transmissão foram-se multiplicando, tal como a pressão sobre o sistema de saúde, que foi sendo reforçado, mas que se via a braços com uma tarefa hercúlea. O estado de emergência é decretado, pela primeira vez, a 15 de março (na mesma semana que em Portugal, mas já o país tinha mais de sete mil infetados).
"O vírus é o mesmo. Os serviços nacionais de saúde são idênticos. A única diferença foi o timing e o cumprimento eficaz das medidas de distanciamento social [em Portugal]. E como o vírus é respiratório, transmitido por gotículas, o distanciamento social trava a transmissão", explica Pedro Simas, virologista e investigador do Instituto de Medicina Molecular (IMM) da Universidade de Lisboa.
Na verdade, Portugal - que até ao momento ainda não viu a capacidade do Serviço Nacional de Saúde (SNS) comprometida - tem um investimento em saúde proporcionalmente semelhante ao espanhol, mas tem menos camas de Cuidados Intensivos por cem mil habitantes do que o país vizinho. Espanha tem 9,7 por cada cem mil habitantes, Portugal tem 6,4, segundo os dados mais recentes, de 2018, do Eurostat. Este sábado, há 7 705 doentes críticos nos hospitais espanhóis e 186 nos portugueses.
No entanto, "hospitais, camas, poluição: tudo isto são efeitos menores. O que interessa é a virulência do vírus e o vírus é igual em todo o lado", diz Pedro Simas. "O sucesso de Portugal só veio de apanharmos a infeção num nível muito inicial e de termos conseguido atacar logo. O timing é essencial, porque isto é uma curva exponencial. Cada dia conta. O facto de ter chegado mais tarde à pandemia pode dizer que nós não temos tantas relações com outros países como Madrid, Barcelona ou Nova Iorque", continua. E esta poderia ser a resposta à pergunta do líder da oposição espanhola Pablo Casado, secretário-geral do Partido Popular, que esta semana, durante um debate parlamentar, colocava em causa a ação do primeiro-ministro, Pedro Sánchez, argumentando com os números portugueses. "Como é possível que Portugal tenha tido 700 mortes e nós mais de 20 mil, se partilhamos uma fronteira em comum?", questionou.
Esta sexta-feira, Espanha revelou o menor número de novas mortes do último mês: 367 óbitos, segundo dados do Ministério da Saúde espanhol. Desde 21 de março (quando se registou um aumento de 324), que este número não era tão baixo no país, que chegou a superar as 800 vítimas mortais. Mas ainda é cedo para retirar conclusões sobre a diminuição das mortes, alerta a investigadora Carla Nunes, uma vez que este indicador tem sofrido ao longo da semana várias oscilações. Este sábado voltou a aumentar ligeiramente o número de novas mortes (mais 378). "Ainda está bastante irregular, a curva [epidemiológica]. Tem tido um comportamento muito diferente da nossa", indica a diretora da ENSP.
Em relação a Portugal - que tem demonstrado uma redução de doentes e de mortes mais constante (nas últimas 24 horas foram notificados mais 595 casos e 26 óbitos) - a distância continua a crescer. Se em março, a ENSP estimava que para cada cem infetados em Espanha havia vinte portugueses, esta sexta-feira, o mesmo rácio aponta para 13 casos portugueses para cada cem espanhóis.
A taxa de letalidade espanhola (a diferença entre o número de mortes e de infetados) é também das mais elevadas do mundo. 10,2%, esta sexta-feira, comparada com 3,7% em Portugal. Não podendo ser descartado o fator da testagem. Os países que testam mais encontram mais casos ligeiros e, por isso, obtêm uma menor taxa de letalidade. Ora Portugal é, neste momento, dos países que mais análises biológicas para despiste do novo coronavírus faz proporcionalmente. Por cada milhão de habitantes, o país testa, em média, 31 pessoas. Mais que a Alemanha (25), Itália (28), Espanha (20) ou os Estados Unidos (15).
Ainda não se sabe até quando Portugal e Espanha vão ter as fronteiras encerradas. Mas Carla Nunes acredita que a abertura não será para já. Reconhece que é preciso pensar nessa ideia e que a pressão do turismo tem a sua força, mas este ainda não é o momento, defende. "Nós ainda estamos a discutir quando abrimos o comércio [o Conselho de Ministros sugeriu, esta sexta-feira, em três fases: 4 e 18 de maio e 1 de junho], portanto ainda falta um bocadinho para irmos às compras a Espanha", diz, acrescentando que o desafio vai muito além do país vizinho e que esta é uma decisão que deverá ser europeia.
Como virologista, Pedro Simas lembra apenas que "se estamos a tentar controlar de uma forma e Espanha de outra e se um dos países for mais descuidado é óbvio que vai ter de haver algum grau de proteção". Sem deixar de recordar que "os vírus não escolhem fronteiras. Isto é uma pandemia: um problema global. Não escolhe raças, culturas, geografias".
Artigo atualizado às 15:34 do dia 25 de abril com os novos dados epidemiológicos dos países.