Um ex-marine norte-americano, detido em dezembro de 2018 em Moscovo, começou nesta segunda-feira a ser julgado à porta fechada por espionagem na Rússia. Paul Whelan, de 50 anos, nega as acusações, mas arrisca uma pena de até 20 anos de prisão..Dispensado do serviço militar por má conduta em 2009, Whelan viajava frequentemente desde há mais de uma década para a Rússia, onde tinha desenvolvido um círculo de contactos e amigos..No final de 2018, estava na capital russa alegadamente para o casamento de um desses amigos. Mas acabaria detido pelos serviços de informação russos (FSB), que encontraram no seu quarto de hotel uma pen (dispositivo de armazenamento de dados) com informações confidenciais..O seu advogado, Vladimir Zherebenkov, alega que a pen foi "plantada" por uma pessoa "ligadas aos militares" que o norte-americano considerava um amigo. Whelan disse que achava que esta continha fotografias das férias que ambos tinham feito..Contudo, segundo o jornal russo Kommersant, citado pelo site Russia Today, há uma gravação prévia ao dia da sua detenção na qual Whelan discute com o amigo a informação que queria. O amigo é um agente do FSB e, segundo a mesma fonte, a pen incluía uma lista de pessoal de uma das unidades da agência..O juiz decidiu na audiência preliminar desta segunda-feira, que decorreu à porta fechada por envolver informação confidencial, prolongar por mais seis meses a detenção, rejeitando o pedido dos advogados para que Whelan seja libertado e abandonadas as acusações de espionagem. A próxima audiência será a 30 de março, segundo a Interfax..Whelan também tem nacionalidade britânica, irlandesa e canadiana. Os embaixadores dos EUA, John Sullivan, do Reino Unido, Deborah Bronnert, e da Irlanda, Brian McElduff, estiveram em tribunal para reunir com o arguido.."O Paul Whelan está detido há quase 15 meses na Rússia sem provas, sem cuidados médicos apropriados para um problema médico potencialmente fatal, e sem um único telefonema para a sua família, para os seus pais idosos. Estas são realmente circunstâncias extraordinárias", escreveu num comunicado o embaixador norte-americano, no cargo desde janeiro.."Tivemos a oportunidade de nos encontrarmos com o Paul hoje e agradecemos ao juiz-presidente por nos dar essa oportunidade para falar com o Paul. Vimo-lo e pudemos conversar com ele, mas o processo era à porta fechada e tivemos de sair antes de o procedimento judicial continuar. Espero que, à medida que este processo avançar, vejamos um processo judicial justo e transparente. Todas as pessoas, todos os cidadãos, de todos os países do mundo merecem isso", acrescentou..Perfil.Whelan nasceu no Canadá, filho de pais britânicos, mas mudou-se para o Michigan, nos EUA, onde trabalhou nas forças de segurança na década de 1990. Segundo um artigo do The Washington Post escrito pouco tempo depois de ser detido na Rússia, terá exagerado o currículo, dizendo que tinha sido número dois do xerife em Washtenaw County e polícia em Chelsea, mas os primeiros não têm registo de ele ter trabalhado lá e os segundos dizem que trabalhou apenas em part-time..Em 1994, alistou-se nos Marines (corpo de fuzileiros navais) e foi subindo na carreira militar, até ao posto de sargento, tendo estado destacado duas vezes no Iraque em cargos administrativos. Durante um desses destacamentos, em 2006, começou a aprender russo e aproveitou as licenças para viajar para Moscovo e São Petersburgo, de acordo com o mesmo artigo, que cita um ex-companheiro que serviu ao mesmo tempo que ele no Iraque..Segundo o jornal russo Kommersant, Whelan chamou a atenção dos serviços de informação russos logo nas primeiras visitas à Rússia, em 2007. "Em solo russo, o homem, que era marine na altura, procurou contactos com antigos e atuais funcionários do FSB, segundo o artigo. Um dos seus contactos até recebeu um livro de Oleg Kalugin, um antigo ex-general do KGB caído em desgraça que agora vive no exílio nos EUA. A autobiografia era assinada pelo autor", segundo o Russia Today..Em janeiro de 2008, Whelan foi condenado por um tribunal marcial por tentativa de furto, abandono de dever em pelo menos três ocasiões, declarações oficiais falsas, uso indevido do número de Segurança Social de outra pessoa e por passar cheques carecas. Além de ser despromovido e ficar confinado a uma base durante 60 dias, seria dispensado de serviço por por má conduta em dezembro desse mesmo ano..Depois disso, entrou para o ramo da segurança empresarial, trabalhando para a Kelly Services, de recursos humanos. Na altura em que foi detido, trabalhava para a BorgWarner, de componentes automóveis. Nenhuma das empresas tem registo de que ele alguma vez tenha viajado em trabalho para a Rússia..Whelan apresentava-se aos familiares (tem dois irmãos, um deles gémeo, e uma irmã) como um viajante do mundo, habituado aos contactos com agentes do FBI e pessoal das embaixadas. Além disso, tinha um especial interesse pela Rússia, passando anos a desenvolver uma lista de contactos locais. Tinha inclusive um perfil na plataforma VKontakte, equivalente ao Facebook na Rússia, com o jornal norte-americano a dizer contudo que não tem o perfil que seria normal para ser um espião..Relação com Maria Butina?.Há quem alegue que a detenção de Whelan, a 28 de dezembro de 2018, e consequente acusação de espionagem, em agosto de 2019, sejam uma retaliação de Moscovo pelo julgamento de Maria Butina, uma cidadã russa que se declarou culpada de agir como agente estrangeiro nos EUA..Detida em julho de 2018, declarou-se culpada em dezembro de 2018 e foi condenada em abril de 2019 a 18 meses de prisão. Acabaria por ser libertada e deportada em outubro desse mesmo ano. Nos EUA, tinha aprofundado as suas ligações ao poderoso lóbi de armas, a NRA, tendo tentado moldar a política dos EUA no período de tempo que abrange a campanha eleitoral das presidenciais de 2016..Já depois de ser libertada, disse que foi pressionada para se declarar culpada. O Kremlin sempre se colocou ao lado de Butina, considerando que as acusações norte-americanas não eram verdadeiras..Esperava-se a libertação de Whelan quando Butina fosse repatriada, mas tal não aconteceu.