Em 1972, Milton Nascimento já era um cantor conhecido no Brasil, com uma carreira iniciada cerca de dez anos antes e quatro discos em nome próprio. Aos 29 anos, porém, o músico carioca, então radicado em Belo Horizonte, ainda não tinha dado o salto para a primeira divisão da MPB, mas isso não o preocupava muito, a música, sim, era o mais importante. Por essa altura, tornaram-se famosos os encontros com os irmãos Marilton, Lô e Márcio Borges, que na altura tinha apenas 18 anos, na esquina das ruas Divinópolis com Paraisópolis, bem no coração do tradicional bairro de Santa Tereza, junto à pensão onde Milton então vivia, na capital mineira..Foi nessas sessões de música na rua que surgiram temas com Cravo e Canela, Trem Azul, Nada Será como Antes, Estrelas, São Vicente e Cais, hoje verdadeiros clássicos da MPB. O resultado desses encontros ficaria registado no disco duplo Clube da Esquina, editado nesse ano de 1972 e assinado a meias por Milton Nascimento e Lô Borges. À época, o álbum foi totalmente arrasado pela crítica, que pretendia à força encontrar um novo Caetano Veloso ou outro Chico Buarque, não compreendendo que aquela música inter-racial, internacional e intemporal abria todo um novo leque de possibilidades para a MPB, como o tempo se encarregou de provar..Hoje, Clube da Esquina é unanimemente considerado um dos melhores discos de sempre da história da música brasileira, numa lista em que porventura também estará Clube da Esquina II, gravado seis anos mais tarde pela mesma dupla, embora já num contexto diferente das vidas de cada um e acompanhados por um novo coletivo de músicos. Dois trabalhos agora recuperados nesta digressão histórica, que depois de ter percorrido todo o Brasil, sempre com concertos esgotados, chega a Portugal, para duas apresentações em Lisboa e no Porto, nas quais contará com a participação especial da fadista Carminho, considerada por Milton Nascimento "um fenómeno", como o próprio afirma nesta entrevista ao DN..O que era este Clube da Esquina? Como se formou e quem eram os seus membros? O Clube da Esquina foi um encontro de amigos que estava na hora certa e no lugar certo. E, principalmente, que sempre se cercou de pessoas que queriam dividir o melhor do mundo onde quer que fosse: amizade, música e amor, sempre. A esquina é mais um símbolo daquilo tudo que aconteceu, mas ela existe mesmo, fica na Rua Paraisópolis com a Divinópolis, no bairro de Santa Tereza, em Belo Horizonte. E o núcleo mais próximo mesmo era formado por Lô Borges, Márcio Borges, Fernando Brant, Beto Guedes e Ronaldo Bastos..Como é que este encontro de amigos, todos eles muito jovens, se transforma depois num disco, que acaba por dar início a um novo movimento. Dentro da própria MPB? A gente nunca pensou nisso, em lance de movimento e tal. Nós apenas pensámos na música, e a partir disso tudo seguiu o seu próprio caminho..Qual é o segredo da intemporalidade deste disco? Não sei dizer, esse é o tipo de coisa que eu prefiro que os fãs e os críticos respondam..E que importância teve esse disco na carreira do Milton Nascimento, que na altura até já tinha alguns discos gravados em nome próprio? Foi muito importante. Foi uma época que marcou não só a nossa vida, mas também a de todos aqueles que estavam à nossa volta..Que diferenças há entre o primeiro disco do Clube e o segundo, lançado anos mais tarde e quando todos vocês já eram músicos mais consagrados? Tem uma diferença principalmente na turma que tocou, e nos compositores das músicas. O pessoal mais próximo ficou, mas entraram muitos outros amigos que não eram daquela fase inicial, em Minas Gerais..Como surgiu a ideia de recuperar este repertório e transformá-lo num concerto, que, depois de ter corrido todo o Brasil, chega agora a Portugal? Eu nunca tinha feito uma tournée com o repertório destes dois discos, e é isso que acontece com este novo projeto. Ele é todo dedicado ao repertório dos Clubes 1 e 2. E essa foi uma ideia do meu filho, Augusto Nascimento, que, além de meu empresário, é também o diretor artístico deste show, ao lado de Wilson Lopes, que é o responsável pela direção musical..Os outros membros do Clube gostaram da ideia? Algum deles chegou a participar na digressão? Na verdade, o disco Clube da Esquina é meu e de Lô Borges, são esses os nomes que aparecem nos créditos. Então não tem muito essa coisa de falar e tal... O Lô inclusive participou no show que fizemos em Belo Horizonte, no dia 28 de março. Foi um momento muito emocionante para todos..O que sente ao ouvir hoje esses dois discos? Sinto uma alegria gigante por ter vivido esses momentos, na companhia de grandes amigos..O Clube da Esquina nasceu em plena ditadura brasileira, consegue estabelecer algum paralelismo entre a época de então e a atual situação política no Brasil? Olha, tem uma coisa, tá tudo muito esquisito no Brasil..O que podemos esperar destes dois concertos em Portugal, onde já não atuava há alguns anos. Serão idênticos ao da digressão brasileira? Sim, como, no Brasil, o pessoal tem gostado muito, decidimos manter o mesmo show aqui em Portugal, exatamente com o mesmo alinhamento. E eu tenho a de certeza que as pessoas vão emocionar-se tanto quanto a gente se tem emocionado. A única diferença, e para minha enorme alegria, é que aí vamos contar com uma participação especialíssima da minha grande amiga Carminho, uma das artistas que eu mais amo neste mundo, em todos os tempos. A Carminho é fantástica, não existe nada igual, é um fenómeno..Milton Nascimento. Coliseu dos Recreios, Lisboa. 26 de junho, quarta-feira 21.00, 20 € a 90 €. Coliseu do Porto. 27 de junho, quinta-feira 21.00, 20 € a 70 €