Às armas, às armas! Agora é a França

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Desta vez foi a França a divulgar a intenção de fazer um substancial aumento das suas despesas militares nos próximos anos, e resta perceber quais serão as reações. Recorde-se que o anúncio, em 2022, da duplicação dos gastos militares tanto da Alemanha como do Japão, em reação à invasão da Ucrânia, foi recebido com normalidade (surpreendente), pois ambos os países, ainda muito condicionados pelo legado da Segunda Guerra Mundial, mantinham orçamentos de defesa baixos, tendo em conta o seu enorme poderio económico. No caso do Japão, até se discutiu durante décadas se a Constituição não impedia o investimento nas Forças Armadas, com escassos defensores de se ir além dos tradicionais 1% do PIB.

Se considerarmos o compromisso impulsionado pelos Estados Unidos - já antes assumido pelos restantes membros da NATO - de progressivamente serem destinados 2% do PIB para a defesa, a Alemanha limitou-se assim a acelerar o ritmo, perante uma Rússia que é a principal ameaça identificada. Já o Japão, aliado asiático dos Estados Unidos, decidiu ser arrojado verdadeiramente nos novos projetos militares, aproveitando o contexto internacional e uma opinião pública interna mais recetiva do que o habitual. Perante as velhas disputas territoriais com a Rússia e preocupado com a ascensão da China (segundo maior orçamento de defesa do mundo), o governo de Fumio Kishida deu finalmente os passos que o seu antecessor, Shinzo Abe, assassinado já enquanto antigo primeiro-ministro, ensaiara com insistência.

O caso francês é diferente, porque a França nunca teve complexos sobre o seu poder militar. Desde os anos 60, graças a um general De Gaulle presidente, dotou-se de um arsenal nuclear, e são múltiplos ainda hoje os casos de intervenção militar no estrangeiro, sobretudo em África. E o presidente, Emmanuel Macron, que muitos suspeitam ter Charles de Gaulle como inspirador, assumiu que se trata de uma forma de a França garantir "liberdade, segurança, prosperidade" e, sobretudo, "o nosso lugar no mundo".

O investimento francês em defesa passará do equivalente a 320 mil milhões de dólares no período de 2019-2025 para 447 mil milhões no de 2024-2030. É já o oitavo mais alto, subirá alguns lugares, mesmo tendo em conta que praticamente todos os países estão a aumentar os gastos militares, incluindo Estados Unidos (de longe o que mais gasta) e o Reino Unido, se bem que estes dois países há muito que cumprem ou ultrapassam a tal fasquia dos 2% do PIB exigida, primeiro, por Barack Obama, uma exigência reforçada com veemência por Donald Trump e mantida por Joe Biden.

Submetida a sanções internacionais, a Rússia terá dificuldades em responder à letra a estes aumentos de investimento dos ocidentais, e mesmo a China, cujo PIB cresceu em 2022 apenas 3%, poderá ver-se obrigada a, caso raro nas últimas décadas, aumentar o gasto militar a um ritmo superior ao do crescimento da economia.

Mesmo a Coreia do Sul, outro aliado asiático dos Estados Unidos, vai aumentar o orçamento militar em 4,6% anuais, percentagem não comparável com os incrementos fortíssimos alemães e japoneses ou até franceses, mas a confirmar que a Ásia Oriental não está imune ao efeito da guerra na Ucrânia. E a verdade é que se vive um clima de rearmamento regional, com a prova disso a ser a própria Coreia do Norte, que, apesar das dificuldades económicas, também anunciou que vai continuar a armar-se cada vez mais, ela que até já tem bombas nucleares.

Portugal também assumiu o compromisso dos 2% do PIB em defesa. E o governo diz que a única dúvida é o ritmo para lá chegar, consciente de que a tensão global gerada pela guerra na Ucrânia, país que tem recebido apoio material português, obriga a acelerar quaisquer planos iniciais. Umas Forças Armadas bem equipadas são essenciais para a defesa da soberania. Aquilo que Macron disse sobre a França bem se pode dizer sobre Portugal, mesmo que descontando a retórica da "grandeur de La France".

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