Em Portugal a cultura francesa nas últimas décadas foi substituída pela anglo saxónica. Com é que a cultura francesa pode reganhar a importância que teve outrora?
Não tenho nada contra os escritores e cineastas ingleses e norte-americanos. Eles próprios são vítimas da mercantilização do sistema. Sou sim contra a forma de facilitar a vida aos grupos culturais financeiros mais poderosos. Estou francamente preocupado com a influência crescente de plataformas como a Netflix, Amazon, Disney Plus, entre outras. E face a essa influência acho que os Estados são muito passivos. Por exemplo, o governo francês regozijou-se porque a Netflix doou 20 milhões de euros para a produção cinematográfica em França. Em primeiro lugar, esse valor são peanuts, em segundo, isso pode alterar o equilíbrio de poder na cultura. As plataformas são muito inteligentes, e por vezes conseguem fazer coisas que o cinema não consegue. Dou um exemplo, em França a plataforma Disney está a transmitir um filme chamado Oussekine, sobre um escândalo que aconteceu em 1986 durante o governo de Mitterrand, quando um estudante franco-argelino, Malik Oussekine, de 22 anos, foi espancado até à morte pela polícia, o que provocou grande emoção e manifestações na sociedade francesa da altura. Não foi o cinema ou a televisão francesa a fazer esse filme, foi uma plataforma! Para mim as plataformas são mais perigosas do que o mundo de Hollywood, que sempre combati. Infelizmente, os países europeus são passivos em relação a isso, apesar de que em Bruxelas, o comissário Thierry Breton tem pressionado as plataformas digitais para pagarem taxas e respeitarem as regras europeias. Mas o cinema em sala, por exemplo, continua a perder espectadores, e para mim o cinema é para ver em grandes salas. Não tenho nada contra a cultura anglo-saxónica, mas sou contra todas as formas de imperialismo, seja francês, russo ou chinês, e contra todas as formas de concentração económica ou culturais. É a morte da liberdade de criação.