Terá cumprido indicações de Carlos Santos Silva, foi "lesado e enganado" e atuou sempre "de boa-fé". Por isso, quando foi chamado ao Departamento Central de Investigação e Ação Penal para prestar declarações no âmbito da Operação Marquês decidiu afastar-se das empresas que liderava, decisão que, reconhece, "permitiu que a acusação extraísse conclusões erradas relativamente aos acordos de desvinculação feitos"..Estas serão algumas das teses que Rui Mão de Ferro deverá defender na tarde desta terça-feira quando estiver perante o juiz Ivo Rosa para prestar declarações no âmbito da fase de instrução da Operação Marquês, processo em que este gestor é um dos 28 arguidos (19 pessoas e nove empresas), e um total de 188 crimes, na quase totalidade de índole económico-financeira..Rui Mão de Ferro está acusado de cinco crimes (um de branqueamento de capitais e quatro de falsificação de documentos) e é considerado pela acusação do Ministério Público de ser testa-de-ferro de Carlos Santos Silva, pois era sócio e administrador de sociedades que pertenciam ao empresário amigo do ex-primeiro-ministro José Sócrates, a principal personalidade da investigação que envolve ainda Ricardo Espírito Santo, os administradores da Portugal Telecom Zeinal Bava e Henrique Granadeiro e o antigo ministro Armando Vara..De acordo com a acusação assinada pelo procurador Rosário Teixeira, o gestor que começou a trabalhar com Carlos Santos Silva em 2009 foi surgindo como sócio e administrador de empresas que eram utilizadas para "a coberto de circuitos de faturação e de contratos de conveniência, sem correspondência com a realidade, receber quantias pecuniárias obtidas através da prática de crime e realizar pagamento com as mesmas a terceiros, segundo indicações recebidas do arguido Carlos Santos Silva e, por via deste, do arguido José Sócrates"..E, entre as operações que foi efetuando, surge a compra de "elevado número de exemplares do livro A Confiança do Mundo, publicado por José Sócrates, com vista a inflacionar a sua venda", pode ler-se na acusação..Rui Mão de Ferro nega tudo isto afirmando que sempre agiu "a pedido expresso de Carlos Santos Silva" e de "boa-fé". E se alguma coisa fez foi por "excesso de voluntarismo e enorme ingenuidade". No requerimento de abertura de instrução frisa que "não desenhava operações, não tomava decisões"..Por isso, pediu ao juiz Ivo Rosa para serem ouvidos como suas testemunhas os também acusados José Sócrates, Carlos Santos Silva, Inês Rosário, Joaquim Barroca e Gonçalo Trindade pois podem, defende o seu advogado Carlos Pinto Coelho, atestar que não cometeu ilegalidade. No entanto, os dois primeiros não têm nenhuma data indicada para depor, mesmo na sequência do seu pedido de abertura de instrução, e tanto Inês Rosário (mulher de Carlos Santos Silva) como Joaquim Barroca exerceram o seu direito de não falar nesta altura. O que lhes foi concedido..Quem também quis ser dispensado de prestar declarações foram as testemunhas Domingos Farinho e Jane Kirkby - o primeiro considerado pelo Ministério Público como o autor de livros assinados por José Sócrates e a segunda uma advogada que além de mulher de Domingos Farinho também teria assinado um contrato de prestação de serviços com uma das empresas lideradas por Rui Mão de Ferro - alegando que deverão ser constituídos arguidos num processo extraído da Operação Marquês. No entanto, Ivo Rosa negou esse pedido explicando que só vão ser ouvidos no tal processo em maio e que, de qualquer forma, podem recusar responder às perguntas..De que está acusado?.O Ministério Público defende que Rui Mão de Ferro, tal como Inês Rosário (mulher de Carlos Santos Silva) e Gonçalo Trindade Ferreira, na condição de sócio em sociedades - como a XLM LDA, Airlie Holdings Limited, Cosmatic Properties Ltd, que pertenciam a Carlos Santos Silva - seria a pessoa encarregada de movimentar dinheiro que era depois entregue ao antigo primeiro-ministro José Sócrates. Envolvida no esquema estaria, segundo a acusação, a empresa RMF Consulting Lda que pertencia ao gestor..Além disso também terá disponibilizado contas bancárias em seu nome para movimentar dinheiro "para operações, incluindo de levantamento de numerário, no interesse e em benefício de José Sócrates ou de terceiros a quem este último arguido pretendia atribuir uma remuneração", pode ler-se na acusação..Numa das partes da acusação, a equipa liderada pelo procurador Rosário Teixeira defende que nessas movimentações de dinheiro Rui Mão de Ferro esteve ligado à compra de dezenas de exemplares do livro A Confiança no Mundo - sobre a tortura em democracia", escrito por José Sócrates..O que alega em sua defesa?.A defesa de Rui Mão de Ferro alega que o gestor não "conhecia o panorama geral" dos negócios de Carlos Santos Silva com que sempre colaborou "pois desconhecia qualquer estratégia"..No requerimento de abertura de instrução, o advogado Carlos Pinto de Abreu alega que a intervenção do seu cliente incidia sobre "matérias de recursos humanos e estratégia económico-financeira e sempre a pedido expresso de Carlos Santos Silva". Acrescenta que o que fez foi por "excesso de voluntarismo e enorme ingenuidade"..Quanto aos vários levantamentos de dinheiro que fez entre 2009 e 2014 - mais de cem mil euros - defende que os considerou como "operações de caixa" sublinhando que não era a única pessoa das empresas de Carlos Santos Silva que fazia movimentos financeiros desse tipo..Alega que sempre confiou no amigo empresário e que todos os movimentos e viagens que efetuou ficaram registados de forma transparente. Entre a argumentação apresentada ao juiz Ivo Rosa garante que sempre confiou em Carlos Santos Silva e que jamais pensou estar a cometer um crime..Acrescenta não ter tido a "noção de estar a fazer algo de errado", que nunca soube a origem do dinheiro que movimentou e que se considera "lesado e enganado pois sempre acreditou na boa-fé" do empresário..A que pena pode ser condenado?.O gestor de confiança de Carlos Santos Silva está acusado pelo Ministério Público de cinco crimes: um de branqueamento de capitais (em coautoria com José Sócrates, Carlos Santos Silva, Joaquim Barroca e as sociedades LEC SA, XLM e RMF Consulting) que está previsto no artigo 368-A do Código Penal e que nas três alíneas referidas pelo MP considera a hipótese de penas de prisão entre seis meses e 12 anos, dependendo da acusação..Quanto aos quatro crimes de falsificação de documentos, Rui Mão de Ferro foi acusado em coautoria com Joaquim Barroca, José Sócrates e Carlos Santos Silva. Neste caso, cada crime, previsto nas alíneas a), d) e e) do artigo 256 do Código Penal, pode ser punido com pena de prisão até três anos ou multa..Quem já foi ouvido pelo juiz Ivo Rosa e o que disse?.O magistrado que lidera a fase de instrução da Operação Marquês já ouviu três arguidos dos 19 acusados que pediram a abertura de instrução: Bárbara Vara, Armando Vara e Sofia Fava, além de várias testemunhas indicadas pelos três. Henrique Granadeiro - acusado de oito crimes, um de corrupção passiva, dois de branqueamento de capitais, três de fraude fiscal qualificada, um de abuso de confiança e um de peculato - não prestou declarações, mas indicou diversas pessoas para serem ouvidas, o que aconteceu em relação a algumas no final do mês de março..Três delas acabaram por não prestar depoimento por não terem sido contactadas a tempo: Hélio Calixto Costa, que está no Brasil e que tem nova inquirição marcada para dia 24 de junho num tribunal perto da área de residência ou por Skype; Gerald Stephen McGowan, também a 24 e igualmente por Skypeou num tribunal da área de residência nos EUA; e Carlos Slim Helú. O milionário mexicano deverá ser ouvido por Ivo Rosa a 25 de junho, igualmente por Skype ou num tribunal mexicano..Bárbara Vara está acusada de dois crimes de branqueamento de capitais. No depoimento que prestou garantiu que nada sabia sobre os movimentos efetuados pelo pai, Armando Vara, numa conta de um banco suíço em seu nome nem sobre a origem desse dinheiro. Já Armando Vara - que está acusado de crimes de branqueamento de capitais (2), corrupção passiva de titular de cargo político (1) e fraude fiscal qualificada (2) - disse ao juiz Ivo Rosa que o milhão de euros referidos pela acusação como sendo uma comissão paga por Vale do Lobo por ter tomado decisões favoráveis a este grupo eram rendimentos provenientes da sua atividade liberal, "como consultor", e que foram auferidos antes de o antigo governante ser nomeado para a administração da CGD. Como já tinha sublinhado na fase de inquérito, Vara defendeu que a filha nada teve que ver com a movimentação do dinheiro depositado na Suíça, e admitiu problemas fiscais. "Ele já assumiu que há um problema fiscal e admite pagar o que tem a pagar em termos de impostos", explicou o advogado..De acordo com o advogado Tiago Rodrigues Bastos, o antigo ministro (entre 1999 e 2000) e administrador da Caixa Geral de Depósitos e Banco Comercial Português, e que agora cumpre em Évora uma pena de cinco anos de prisão devido ao processo Face Oculta, explicou ao juiz Ivo Rosa a origem dos seus rendimentos, nomeadamente o valor de um milhão de euros que foram transferidos para uma conta bancária na Suíça titulada pela filha. E as decisões relacionadas com a concessão de créditos por parte da CGD ao empreendimento de Vale do Lobo - num valor perto de 30 milhões de euros..A terceira pessoa acusada neste processo a apresentar-se no Tribunal Central de Instrução Criminal foi Sofia Fava. A ex-mulher de José Sócrates esteve cerca de três horas a responder às perguntas colocadas pelo juiz Ivo Rosa e terá tido dificuldade em recordar "factos que aconteceram há oito ou nove anos", como explicou o seu advogado Paulo Sá e Cunha..Acusada de um crime de branqueamento de capitais e de outro de falsificação de documentos em coautoria com o ex-governante e Carlos Santos Silva, deixou o tribunal com a convicção de que "está tudo esclarecido há muito tempo, desde a fase anterior" [investigação e inquérito], como frisou o advogado, já que Sofia Fava não prestou declarações.Quem vai ser ouvido a seguir?.Depois de ouvir entre hoje e dia 29 de abril várias testemunhas indicadas por Rui Mão de Ferro, o juiz Ivo Rosa reservou a tarde de 27 de maio para ouvir um inspetor da Polícia Judiciária e o inspetor da Autoridade Tributária Paulo Silva. Depois, a 29 de maio, deverá ser a vez de comparecer no tribunal Carlos Costa Pina (ex-secretário de Estado do Tesouro e das Finanças) e Fernando Serrasqueiro (secretário de Estado do Comércio, Serviços e Defesa do Consumidor), indicados pela defesa de José Sócrates e que fizeram parte do seu governo. A 30 de maio está prevista a presença do antigo ministro das Finanças Teixeira dos Santos e do antigo secretário de Estado das Obras Públicas Paulo Campos, ambos também chamados pelo ex-primeiro-ministro.