Não adoto este silêncio...
Mas o Parlamento decidiu adotá-lo na passada quarta-feira. O Partido Socialista, o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista Português, para ser mais rigorosa. Decidiram estes partidos adotar o silêncio, chumbar a comissão parlamentar proposta pelo PSD (e a proposta pelo CDS-PP), afastando-se do escandaloso caso das supostas adoções ilegais que ocorreram na IURD.
Nos últimos meses, e em resultado de uma investigação feita por um órgão de comunicação social, fomos tendo conhecimento de várias suspeições de grande gravidade em torno de supostas adoções ilegais forjadas na IURD.
Relatos de filhos retirados dos pais biológicos sem que estes tivessem sido ouvidos em tribunal. Relatos de um lar ilegal onde os pais confiavam os seus filhos encaminhados pela Segurança Social. Relatos de relatórios falsos que suportaram decisões da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Entre muitos outros. São relatos suficientemente graves para que qualquer cidadão queira cabais esclarecimentos sobre o assunto de forma a continuarmos a confiar na forma como atua o Estado, como funciona o sistema de promoção e proteção de menores, como opera a justiça e, já agora, como está o regime. Daí que tenha, no dia em que fui eleita presidente da JSD, alertado para a importância de ser criada uma comissão parlamentar sobre este assunto.
No dia 29 de janeiro deste ano, foi apresentada no Parlamento a petição "Não adoto este silêncio - Adoções ilegais da IURD e abertura de uma comissão de inquérito". A petição, subscrita por 5787 cidadãos, pedia o envolvimento da Assembleia da República, na sequência das alegadas graves situações de adoções ilegais forjadas na IURD, casos de grave desrespeito pela Constituição e pela lei. Na tramitação da petição "Não adoto este silêncio" foram ouvidas várias pessoas que trouxeram ao conhecimento dos deputados não só ilegalidades cometidas no passado como práticas incorretas e ilegítimas por parte de entidades públicas no presente. Tudo isto tem de ser esclarecido. Quem não deve não teme, doa a quem doer.
Importa saber o que se passou efetivamente, mesmo que esta verdade já tenha 20 anos. Merece ser apurada até ao mais ínfimo detalhe. Até porque não se trata aqui de interferir em processos penais que estão em curso, mas sim da responsabilidade do Parlamento enquanto órgão fiscalizador da administração pública e do seu papel enquanto órgão legislativo, respondendo a essas situações que merecem correções legislativas.
Como é que a Assembleia da República poderia ficar indiferente ao conteúdo de uma petição desta natureza?
E mais. Das audições realizadas ficaram várias suspeições sobre procedimentos e práticas atuais que apontam para a continuação de falhas no respeito dos direitos fundamentais, designadamente, de crianças e progenitores.
Posto isto, e sabendo de tudo o que tem vindo a público na imprensa e nas audições realizadas no Parlamento, como é possível fechar os olhos à descoberta da verdade? Como é possível fechar os olhos a violações grosseiras dos direitos de crianças e progenitores ocorridas no passado? Como é possível fechar os olhos à eventual perpetuação destas situações à data de hoje? Não adoto este silêncio.
Presidente da JSD