Pode ganhar o sim ou o não." Margarida Balseiro Lopes não consegue fazer um vaticínio sobre o resultado do referendo que a JSD faz hoje aos seus quase 30 mil militantes sobre a despenalização da venda de canábis para fins recreativos. E, apesar da própria líder dos jotas ser a favor, admite que o resultado pode ser outro. "Não temos a perceção da posição dos militantes e por isso é que se justifica o referendo", diz a presidente da organização de juventude ao DN..Se o "não" vencer, cumpre, de certa forma a história do PSD, segundo a qual os líderes mais recentes do partido conseguem ser mais liberais nos costumes e nas questões fraturantes do que os seus militantes. A votação dos cinco projetos da despenalização da eutanásia na quinta-feira, no Parlamento, provaram isso mesmo. Só Rui Rio e meia dúzia dos 79 deputados é que votaram favoravelmente os projetos em discussão. A esmagadora maioria da bancada optou pelo "não", na sua liberdade de voto perante um tema que era de consciência.."Sempre foi assim no PSD, faz parte da tradição quando se trata de um partido mais conformado pelos valores da Igreja Católica por confronto com um grupo de personalidades, sempre minoritário, que tem uma uma leitura mais liberal destes assuntos", afirma José Adelino Maltez..Mas o politólogo não encontra nesta aparente contradição problemas quer para o posicionamento ideológico do PSD quer para o seu potencial eleitorado. "O PSD é um partido catch all [apanha todos], tal como o PS", afirma, e, por isso, "cabem nele as posições mais divergentes" sobre estes temas fraturantes..António Costa Pinto partilha desta opinião e até extrapola para o PS e o que aconteceu durante a liderança de António Guterres quando se discutiu a despenalização da interrupção voluntária da gravidez. "Guterres, profundamente católico, estava longe das convicções do seu partido." E foi preciso desencadear um referendo, cerzido entre Guterres e Marcelo Rebelo de Sousa, então líder do PSD e também ele católico, para conformar a sua posição, que vingou mesmo na consulta popular de fevereiro de 1998. Foi preciso esperar até fevereiro de 2007 para que um novo referendo acabasse por ditar o "sim"..Nesta questão, também Rui Rio tem há bastante tempo uma posição muito clara, foi, aliás, apoiante do movimento pelo "sim", ainda que a bancada do PSD maioritariamente se tivesse manifestado contra os projetos que vieram a ser discutidos..O líder que o antecedeu no PSD, Pedro Passos Coelho foi acusado de ter feito uma pirueta sobre esta matéria, quando chegou a ser defensor da interrupção voluntária da gravidez e, em 2011, já a presidir o partido, defendeu que a última lei aprovada no Parlamento - que despenalizava a interrupção voluntária da gravidez até às dez semanas - poderia "ter ido longe demais" e alvitrou a possibilidade de um novo referendo. Na altura, o antigo líder social-democrata foi acusado de "oportunismo político"..Por paralelo, Adelino Maltez sublinha que "ficou bem a Rui Rio assumir a convicção" no que diz respeito à despenalização da eutanásia, sem se deter sobre o que poderia dar mais dividendos junto do eleitorado do PSD..O que resta saber, afirma o politólogo, é se nas posições mais conservadoras do PSD, nomeadamente no grupo parlamentar, não há alguma dose de "hipocrisia", que nunca será mensurável.."Será que a maioria do grupo parlamentar é mesmo contra a despenalização da eutanásia? Ou será que uma parte sabe que para ser eleito ainda precisa de ter o apoio do padre da sua região, ou se foram socialmente pressionados pelo eleitorado que obedece a certos padrões?" Estas questões ficam sem resposta..Ao lado de João Semedo.Sem sombra de dúvidas ou concessões ao eleitorado ou a pressões dos setores mais conservadores do PSD, Rui Rio nunca temeu estar ao lado de figuras de esquerda na luta pela despenalização da eutanásia, como o antigo dirigente bloquista João Semedo..Em 2018, altura em que se debateu pela primeira vez o tema no Parlamento, o presidente social-democrata subscreveu o manifesto sobre a despenalização da morte assistida e deu o seu testemunho no livro Morrer com Dignidade, que foi coordenado por Semedo.."No caso concreto da eutanásia, é tão válida e defensável a vontade dos que, em consciência, pretendem terminar os seus dias na paz e na dignidade das suas próprias vidas como a vontade daqueles que querem levar ao extremo do possível o prolongamento da sua existência, tanto quanto a natureza ou a ciência médica o permitam. Até porque nascemos com o "'direito' a pôr termo à vida. É da natureza da nossa própria existência", escreveu..Na quarta-feira, esteve em silêncio no debate dos projetos de lei e só se fez ouvir para dizer "sim" aos cinco. Mas já tinha dito o porquê. "Esta é, pela sua natureza, uma questão de consciência individual. E se não é tolerável impor orientações de voto neste caso, também não é tolerável impor o silêncio ou o veto à discussão de uma temática que atravessa todas as sociedades civilizadas, de oriente a ocidente. Meter a cabeça na areia nunca foi solução para problema algum."."Rui Rio teve um voto de convicção e não de pragmatismo", afirma António Costa Pinto, que entende que se existir uma conformidade entre a posição de alguns deputados sociais-democratas e o que eles pensam ser a vontade do seu eleitorado se trata de "pragmatismo político"..Noutros temas fraturantes, como o casamento entre pessoas do mesmo sexo e a adoção por casais homossexuais, a bancada do PSD e os seus líderes também andaram dessintonizados. Em 2015, na adoção homossexual, por exemplo, só 19 deputados social-democratas se levantaram na hora do "sim", entre eles a ex-ministra da Justiça Paula Teixeira da Cruz, assim como Teresa Leal Coelho, Pedro Pinto (o único que ainda é deputado), António Leitão Amaro ou Sérgio Azevedo..O referendo interno na JSD sobre a despenalização da venda de canábis dará um sinal sobre se os mais jovens do partido são mais arrojados nas opções políticas do que os grandes do partido.