Paul Theroux: "Clinton, Bono, Madonna… todos pensam que vão salvar o mundo. Precisas de te salvar a ti primeiro"

Paul Theroux, o autor de <em>O Grande Bazar Ferroviário</em><em>,</em> chama ignorante a Trump, discorda de Greta Thunberg na questão do viajar e reconhece o direito dos pobres do mundo a ambicionar ser consumidores. Esteve em Lisboa para a conferência O Futuro do Planeta, organizada pela Fundação Francisco Manuel dos Santos e pela Fundação Oceano Azul.
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Da sua própria experiência como viajante, é possível dizer a alguém numa pequena cidade da China ou numa aldeia em África que não podem consumir, que não é bom para o planeta se começarem a comprar bens? É justo e as pessoas compreenderão isto?
Se fala sobre uma pequena aldeia, eis a diferença: algumas pequenas aldeias já estão conectadas ao mundo, têm internet. Portanto, há uma diferença entre uma pequena aldeia, digamos, no Congo ou na China rural e talvez outra pequena aldeia, que tem internet. Eu estive no México no ano passado numa pequena aldeia e não havia wi-fi. Não há dinheiro, as pessoas usam troca direta. Essas pessoas nem vão aos Estados Unidos, elas vão quando muito à Cidade do México para obter algum dinheiro e depois voltar. Por isso não há internet, não há dinheiro vivo. Tudo muito antiquado, quase medieval. Mas algumas pequenas aldeias, na África, na Índia, na China, têm internet, estão conectadas e, essas sim, sabem o que está a acontecer... A grande distinção é entre pessoas que estão conectadas e pessoas que não estão. As que estão conectadas compreendem que o mundo está a mudar. Se não tens internet, é tudo hermeticamente selado, sempre foi desta maneira, sempre será desta maneira. Não há conceção de mudança, a internet introduz o conceito de mudança, transformação e por isso as pessoas querem transformar-se a si mesmas.

Querem ser como a Europa, querem consumir as mesmas coisas que o mundo rico?
Vou dar-lhe um exemplo: muitos missionários foram para África, quando eu estava lá, e costumavam dizer que "bem, eu falo com as pessoas e elas querem sair, elas querem coisas, porquê?" e eu dizia que "elas não estão a olhar para a tua Bíblia, elas estão a olhar para o teu relógio, a olhar para a tua camisa, a olhar para os teus sapatos. E você diz "Jesus é a resposta, reze, vá para o céu", eles querem é o seu relógio, "eu quero esses sapatos, eu gosto dessa camisa". Por isso é fundamentalmente subversivo ir com sapatos, camisa, relógio que imediatamente introduzem este conceito de bens materiais, eles querem isso. Por isso, a internet é assim também, as pessoas veem essas coisas e pensam "Como posso obter essas coisas?". E então, o descontentamento no mundo é atribuível a, penso, estar conectado. E talvez haja montes de coisas positivas também, liberdade de informação, por exemplo. Mas mais do que tudo faz as pessoas pensar: "Eu quero uma vida diferente, eu quero as suas coisas.". Eu costumava dizer às pessoas quando estava em África "Quando eu sair pode ficar com o meu trabalho". E elas diziam "Eu não quero ser um professor com o pequeno salário da escola, eu quero ir para a cidade". E eu perguntava "Porquê?" "Os americanos gostam do mato, querem ir para o mato e ensinar, eles não querem dinheiro, querem fazer isso, mas eu não quero fazer isso." Portanto, se houve um falhanço, o falhanço foi que nós nunca convencemos, nunca inspirámos as pessoas a fazer estes trabalhos, apenas as inspirámos a sair.

Durante todas as suas viagens, e estamos a falar de muitas décadas, foi-lhe possível ver os efeitos da globalização até nas zonas mais remotas do mundo, em África, na China ou na América Latina?
O efeito da globalização tem sido profundo. Penso que começou em 1970 com o Jumbo Jet. Quando viajar se tornou mais barato, as pessoas começaram a mover-se. Eu vi o primeiro Jumbo Jet estava em Singapura e pensei "Uau, isto é fantástico, agora todas estas pessoas podem mover-se de um lado para o outro". Mas a globalização é também a busca por trabalho barato, encontrar pessoas que farão as coisas mais baratas e os lucros serão maiores. Infelizmente, a globalização tem significado que o capitalismo brutal pode ser libertado. E não tem sido bom, porque até os trabalhadores chineses querem mais dinheiro, por isso o mercado vai para a Tailândia, para o Camboja, para o Vietname, onde podem pagar às pessoas menos e menos e menos. A globalização para mim é sobre a procura de trabalho barato.

Não há ideal? Apenas procura de lucros...
Eu não vejo o ideal, eu não vejo o ideal. E mesmo quando Bill Clinton estava a falar do NAFTA, era sobre como pagar aos trabalhadores mexicanos menos, e esse é o caso.

Não é possível tentar ver um lado positivo da globalização?
Qual é o lado positivo?

As pessoas ficarem um pouco menos pobres ou têm mais dinheiro mas ainda são pobres?
A mim, parece-me exploração, mas eu entendo o que quer dizer, eles teriam um pouco mais. Mas há uma teoria chamada expectativas crescentes. OK, uma pessoa ganha 25 cêntimos à hora, depois faz 50 cêntimos. Mas depois não quer 50 cêntimos, quer mais. Se tem uma bicicleta, quer um carro, se tem um carro, quer dois carros ou o que quer que seja. Esse é o caso na China: em 1980 ninguém tinha um carro, não havia carros pessoais na China, de todo, em 1980.

Eu lembro-me de todas as bicicletas...
Sim, todas as bicicletas. Agora há engarrafamentos, porquê? Por causa de expectativas crescentes. O que vai acontecer? Bem a China está a tornar-se um consumidor do petróleo do mundo. E é uma quantidade finita. O efeito positivo é que, sim, as pessoas querem viver uma vida melhor... descontentamento não é uma má coisa, existe quando se quer algo e não se pode ter.

Para si, como adolescente e jovem adulto, a ecologia, o futuro do planeta, era algo na sua mente, algo de que se falava em seu redor?
Sabe, há 50 anos eu não conhecia a palavra ecologia, eu estava no Uganda, lembro-me de estar com a minha noiva, com quem me casei mais tarde, estávamos a conduzir e havia elefantes, era no Uganda Ocidental, elefantes, elefantes, elefantes. Se alguém dissesse que um dia os elefantes estariam ameaçados eu teria rido, havia demasiados elefantes. E, a vida selvagem, as pessoas estavam a disparar contra ela. Mas não pelo marfim, eram só caçadores, no safari. Por contraste, o conceito de ecologia surgiu mais tarde nos anos 1960 e 70 e então comecei a pensar: "Há um problema." Mas eu comecei por pensar, mais ou menos ignorantemente, que nós tínhamos recursos ilimitados, bastantes peixes, bastantes elefantes, bastante água. Eu não via o problema, mas o problema é a população.

O que pensa de Donald Trump, e não apenas do presidente Trump, mas de tanta gente nos Estados Unidos a negar que as alterações climáticas sejam um problema? Como podem tantas pessoas numa sociedade tão bem informada, tão dotada de instituições científicas, negar algo que na Europa é consensual?
As pessoas pensam que estão bem informadas, mas não estão. As pessoas que negam o aquecimento global não leem livros. Donald Trump é um homem ignorante e é o líder das pessoas ignorantes e assustadas. Que livros é que Donald Trump leu? Nenhum, nenhum. Eles não são leitores.

Têm informação disponível mas não leem?
Têm informação mas negam-na. As pessoas que leem, que viajam, que veem a informação estão preocupadas. Mas Donald Trump interessa-se é por lucros, e cortaria todas estas árvores para construir um campo de golfe. Ele é puramente um ser empreendedor. Mas ele também percebe com o que é que as pessoas se preocupam. Elas preocupam-se com a China, preocupam-se com a imigração, com o México, as Honduras. Portanto, quando ele diz estas coisas eu percebo-as, também eu me preocupo com essas coisas. Mas eu sei a resposta, as pessoas com quem ele está a falar não sabem, ele próprio não sabe as respostas. Portanto, ele sabe as questões, mas não têm as respostas. Então, ele é um homem muito malandro neste aspeto, ele usa estes assuntos para ser eleito mas não para resolver os problemas. Nós temos de facto problemas com o NAFTA, a fronteira, a imigração, com a China...

Os problemas são reais?
Os problemas são reais.

Mas ele não tem solução?
Não na mente dele.

Vê algum dos candidatos democratas como alternativa genuína a Trump?
Eu não os vejo entenderem os problemas de que Trump está a falar: NAFTA, alterações climáticas, imigração. Eles têm de ser capazes de explicar às pessoas porquê o que ele está dizer está errado, mas não têm respostas. Eles estão a negar a imigração, estão a negá-lo. Nenhum deles parece ser capaz de ser eleito. Quer dizer, eu não votaria em qualquer um deles.

Greta Thunberg, a jovem ativista sueca, tem pedido às pessoas para não viajarem de avião, por causa da poluição. Temos de parar de viajar, isto é imaginável?
Algumas pessoas pensam isso, eu não penso isso. Quanto mais viajar, melhor compreende que todos temos uma ligação comum, uma humanidade comum, e enfrentando os mesmos problemas. Viajar é para o bem. Mas as pessoas têm de agir localmente, naquele rio, naquela rua, no seu bairro.

Têm de salvar a aldeia antes de salvar o mundo inteiro?
Clinton, Bono, Madonna... Todas estas pessoas pensam que vão salvar o mundo. Precisas de te salvar a ti mesmo primeiro, e a tua família e o teu país e o teu bairro primeiro. Elas não fazem isso. É chamada a gestão da reputação. "Eu vou salvar o mundo" [risos]... e falham.

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