A propósito da abertura do ano escolar, o grupo parlamentar do PAICV concebeu uma verdadeira catilinária contra o governo que, no mínimo, acusa de estar a mal gerir as escolas do país, e no máximo o país em geral. Não terá sido certamente por acaso que, para exercer essa função de Cícero das ilhas, escolheu uma sua deputada antiga ministra de Educação, pessoa que durante largos anos nesse cargo não terá merecido desdouro ou reparos da sociedade, e a quem, portanto, os da situação não podiam apontar rabo-de-palha..Foi uma acusação em crescendo, tipo tsunami. Como quem não quer a coisa, a Cícero de saias começou com as saudações da praxe, relembrou que Cabo Verde está graduado como país de desenvolvimento médio, ainda que de renda baixa, e que, não obstante os sucessos nacionais reconhecidos e louvados além-fronteiras, continua sendo um país vulnerável, não se compadecendo por isso com hesitações, estagnações ou recuos....Eu vi logo que esse prólogo assim cordato não antecipava nada de bom. Ouvia a senhora e pensava, A seguir vai sair chumbo grosso... É o mal de não se conhecer as estórias da terra, lembrei-me de um regedor em Santo Antão que quando duas partes se lhe apresentavam a pedir justiça e no meio da discussão uma delas começava, Sr. Regedor, com atenção e devido respeito!... ele saltava da sua cadeira para tapar a boca do peticionário, Cala-te, gritava, não digas mais nada!, porque já sabia que após aquelas palavras educadas ia necessariamente sair asneira a impedir qualquer acordo..Ora muito bem, ninguém da situação se lembrou de in continenti tapar a boca à destemida deputada, e aí, livremente, abertamente, com palmas dos colegas de bancada, ela pôde contar as dores de pais e alunos e professores: que foi só após a abertura do ano letivo em setembro que se ordenou um concurso para a colocação de cerca de 300 professores que portanto só entrarão ao serviço lá para dezembro, assim reeditando algo que só teria acontecido a seguir ao 25 de Abril; que muitos professores se afirmam defraudados e desmotivados por não terem recebido as horas extraordinárias prometidas no ano passado; que há crianças que ficaram com a escola a cerca de 40 quil´ometros de distância da casa familiar... Enfim, foi um massacre!.Mas digamos que o governo está a pôr-se a jeito para ser assim maltratado. Por exemplo, no ano passado optaram por adjudicar a confeção dos manuais escolares a uma empresa sueca. É verdade que toda a gente fala na necessidade de apoiar o empresariado nacional, mas, por outro lado, temos de reconhecer que a existência da globalização permite adquirir lá fora mais barato. Só que a torre de Babel continua, cada um falando a sua língua. E os suecos não aprenderam português! Resultado: os manuais entraram no mercado nacional carregados de erros ortográficos e outros. A princípio falou-se da coisa em surdina, muitos erros, dizia-se, não se consegue ler, dizia-se, mas as autoridades, a ministra da Educação, o primeiro-ministro, todos em uníssono defenderam os incompreensíveis manuais suecos, exageros da oposição, com umas simples erratas resolve-se o problema, disseram. Até que a surdina virou clamor. Têm erros gravíssimos e grosseiros! O próprio presidente da República teve de intervir, e finalmente houve ordem para os manuais serem retirados do mercado, eventualmente devolvidos à procedência. Porém, seria por breve tempo, dentro de dias estariam arranjados. E entretanto se colocaria online os manuais corrigidos, os interessados fariam download de graça, até regressarem os impressos em papel. Mas até hoje, nem novas nem notícias desses manuais escolares made in Sweden, nem online nem impressos, o que fez o PAICV dizer que a desorganização e o caos reinantes estão a transformar-nos num Estado educativo clandestino..Escritor cabo-verdiano, Prémio Camões 2018,
A propósito da abertura do ano escolar, o grupo parlamentar do PAICV concebeu uma verdadeira catilinária contra o governo que, no mínimo, acusa de estar a mal gerir as escolas do país, e no máximo o país em geral. Não terá sido certamente por acaso que, para exercer essa função de Cícero das ilhas, escolheu uma sua deputada antiga ministra de Educação, pessoa que durante largos anos nesse cargo não terá merecido desdouro ou reparos da sociedade, e a quem, portanto, os da situação não podiam apontar rabo-de-palha..Foi uma acusação em crescendo, tipo tsunami. Como quem não quer a coisa, a Cícero de saias começou com as saudações da praxe, relembrou que Cabo Verde está graduado como país de desenvolvimento médio, ainda que de renda baixa, e que, não obstante os sucessos nacionais reconhecidos e louvados além-fronteiras, continua sendo um país vulnerável, não se compadecendo por isso com hesitações, estagnações ou recuos....Eu vi logo que esse prólogo assim cordato não antecipava nada de bom. Ouvia a senhora e pensava, A seguir vai sair chumbo grosso... É o mal de não se conhecer as estórias da terra, lembrei-me de um regedor em Santo Antão que quando duas partes se lhe apresentavam a pedir justiça e no meio da discussão uma delas começava, Sr. Regedor, com atenção e devido respeito!... ele saltava da sua cadeira para tapar a boca do peticionário, Cala-te, gritava, não digas mais nada!, porque já sabia que após aquelas palavras educadas ia necessariamente sair asneira a impedir qualquer acordo..Ora muito bem, ninguém da situação se lembrou de in continenti tapar a boca à destemida deputada, e aí, livremente, abertamente, com palmas dos colegas de bancada, ela pôde contar as dores de pais e alunos e professores: que foi só após a abertura do ano letivo em setembro que se ordenou um concurso para a colocação de cerca de 300 professores que portanto só entrarão ao serviço lá para dezembro, assim reeditando algo que só teria acontecido a seguir ao 25 de Abril; que muitos professores se afirmam defraudados e desmotivados por não terem recebido as horas extraordinárias prometidas no ano passado; que há crianças que ficaram com a escola a cerca de 40 quil´ometros de distância da casa familiar... Enfim, foi um massacre!.Mas digamos que o governo está a pôr-se a jeito para ser assim maltratado. Por exemplo, no ano passado optaram por adjudicar a confeção dos manuais escolares a uma empresa sueca. É verdade que toda a gente fala na necessidade de apoiar o empresariado nacional, mas, por outro lado, temos de reconhecer que a existência da globalização permite adquirir lá fora mais barato. Só que a torre de Babel continua, cada um falando a sua língua. E os suecos não aprenderam português! Resultado: os manuais entraram no mercado nacional carregados de erros ortográficos e outros. A princípio falou-se da coisa em surdina, muitos erros, dizia-se, não se consegue ler, dizia-se, mas as autoridades, a ministra da Educação, o primeiro-ministro, todos em uníssono defenderam os incompreensíveis manuais suecos, exageros da oposição, com umas simples erratas resolve-se o problema, disseram. Até que a surdina virou clamor. Têm erros gravíssimos e grosseiros! O próprio presidente da República teve de intervir, e finalmente houve ordem para os manuais serem retirados do mercado, eventualmente devolvidos à procedência. Porém, seria por breve tempo, dentro de dias estariam arranjados. E entretanto se colocaria online os manuais corrigidos, os interessados fariam download de graça, até regressarem os impressos em papel. Mas até hoje, nem novas nem notícias desses manuais escolares made in Sweden, nem online nem impressos, o que fez o PAICV dizer que a desorganização e o caos reinantes estão a transformar-nos num Estado educativo clandestino..Escritor cabo-verdiano, Prémio Camões 2018,