Há uns meses, umas palavras cruzadas no The New York Times tinham como pista "Nobel ou Celsius". A solução para aquele espaço com seis letras era "swedes", "suecos", afinal tanto o homem que dá nome aos famosos prémios anuais como aquele que é homenageado nos termómetros nasceram e fizeram carreira na Suécia, país que pelo menos nos últimos 300 anos tem sido pródigo em cientistas. E falo de três séculos porque estamos prestes a assinalar os 319 anos do nascimento de Anders Celsius, já a 27 de novembro. O cientista sueco é natural de Uppsala, mas a família está ligada a uma vila chamada Ovanåker , mais a norte. Naquele dia de outono de 1701, mesmo que ninguém pudesse adivinhar a fama mundial que o bebé iria atingir em adulto, não seria muito arriscado prever que trabalharia na área científica. É que tanto o avô materno, Anders Spole, como o paterno, Magnus, eram professores de Astronomia na Universidade de Uppsala, fundada em 1477, a mais antiga da Suécia. E o pai, Nils Celsius, foi também professor de Matemática. Um ambiente de Renascimento Italiano logo em casa, que produziu um "homem do renascimento" escandinavo.."Anders Celsius é muitas vezes citado como "astrónomo sueco", embora - como era frequente na época em que viveu - se tivesse dedicado a outros ramos da ciência. Filho e neto de matemáticos, terá sido natural a sua inclinação para tentativas de interpretação qualitativa de fenómenos naturais que observava, em particular as auroras boreais, bem visíveis a partir de latitudes elevadas, como os 60 graus norte de Uppsala, na Suécia, a sua terra natal. Celsius é mesmo considerado como o primeiro a associar tais fenómenos atmosféricos com flutuações no campo magnético da Terra que as suas observações lhe permitiam verificar", afirma o astrónomo Máximo Ferreira..Acrescenta ainda o autor de obras como Pequeno Livro da Astronomia e Introdução à Astronomia e às Observações Astronómicas que Celsius, "com o objetivo de adquirir conhecimentos sólidos que lhe permitissem o melhor desempenho das funções de professor de Astronomia na Universidade de Uppsala, decidiu viajar por alguns lugares da Europa onde tal ciência era praticada e ensinada, tendo conhecido, em França, o matemático Maupertuis, que o influenciou a participar numa expedição científica à região do norte da Suécia e Lapónia, com objetivo de medir uma porção de arco de meridiano terrestre para confirmar a convicção de Newton de que a gravidade teria dado origem a que a Terra fosse achatada nas regiões polares. Sendo partidário dessa ideia e tendo a mesma sido confirmada, o seu prestígio levou a que fosse encarregado de orientar a construção de um novo Observatório Astronómico em Uppsala e seu primeiro diretor. Aí, teve oportunidade de desenvolver métodos mais rigorosos do que a visão humana permitia, para determinar as magnitudes das estrelas, medindo a intensidade da sua luz e catalogando centenas de estrelas"..Máximo Ferreira destaca ainda o mais famoso dos feitos do cientista: "Apesar de ter falecido com pouca idade (apenas 42 anos), teve ainda tempo de realizar o trabalho por que ficou mais conhecido: reconhecendo que os registos de meteorologia que ia acumulando eram frequentemente afetados pelas imprecisões dos termómetros da época, concebeu uma escala de temperaturas dividida em cem partes e, por isso, ainda hoje conhecida por "centígrada". No entanto, em 1948, a Conferência Geral de Pesos e Medidas decidiu substituir os "graus centígrados" por "graus Celsius", não só como homenagem a Anders Celsius mas também porque "centi" significa centésima parte de qualquer quantidade e "grado" é uma medida de arco que nada tem a ver com temperatura.".Fruto de uma sociedade luterana que até hoje dá grande valor ao estudo, à investigação e ao empreendedorismo, Celsius é uma figura muito admirada no seu país. "Anders Celsius é um dos mais importantes cientistas suecos. Nasceu em 1701 e morreu em 1744. Desde tenra idade foi visto como um génio matemático. Tal como o seu avô, tio e pai, tornou-se professor de Astronomia na Universidade de Uppsala e foi um dos fundadores da Academia de Ciências Sueca. O seu feito mais notável é a escala de temperatura a 100 graus, que tem o seu nome. Na generalidade, a sociedade sueca é uma sociedade inovadora e virada para o futuro. A ciência é um elemento importante para tal, trabalhando com estruturas governamentais, empresas privadas, universidades e organizações, potenciando a criatividade e o empreendedorismo", sublinha Helena Pilsas, a embaixadora da Suécia em Lisboa..Celsius morreu de tuberculose e está sepultado na igreja de Gamla Uppsala, zona histórica da cidade, junto ao avô paterno, pode ler-se no site do Observatório Astronómico de Uppsala, que pertence à universidade. Célebre no seu tempo não só junto da comunidade científica como nas camadas populares (o seu livro Aritmética para a Juventude Sueca foi um sucesso), Celsius viu a escala que lhe garantiu a eternidade ser invertida dois anos depois da sua morte, com "0" a passar a ser o ponto de congelação e "100" o de ebulição. E quem o fez? Outro genial sueco, cofundador com Celsius da Real Academia Sueca de Ciências: Carl Linneus, o Lineu pai da taxinomia moderna..O The New York Times bem podia ter posto nas suas palavras cruzadas Nobel ou Celsius ou Lineu. A solução continuava a ser "suecos".