É declaradamente o maior fã dos Beatles em Portugal e até Marcelo Rebelo de Sousa reconhece que a vida de Luís Pinheiro de Almeida "decorria e decorre ao som dos Beatles" no texto que abre o novo livro do jornalista, Com os Beatles - Caro Jó. São cem páginas em que faz um autorretrato dessa paixão pela banda inglesa, mas, mais do que essa exposição pessoal, descreve como era uma geração de jovens apaixonados pelas novidades musicais que alteravam as mentalidades nos anos 1960. Principalmente, as que vinham da cena musical londrina e com maior impacto aquelas que diziam respeito à primeira banda que mudou tudo. Nada que o Presidente prefaciador não refira no seu texto: "Os Beatles foram um símbolo inesquecível de um tempo essencial para a nossa geração." O livro tem uma particularidade: uma bolinha vermelha que avisa os leitores para o conteúdo. Não é que seja uma troca de cartas com muitos palavrões, mas, numa ou noutra página em que elas são reproduzidas, na correspondência que Luís Pinheiro de Almeida envia ao seu amigo Jó estão umas palavrinhas próprias de um adolescente com a língua solta. Justifica-o assim: "Creio que é o primeiro livro publicado em Portugal com uma bolinha vermelha, exigência minha porque sou um tipo contido e preocupa-me que os meus netos leiam isso e achem que o avô é maluco." Com os Beatles - Caro Jó não é o seu primeiro trabalho publicado sobre a banda, antes já editou Beatles em Portugal (com Teresa Lage) e Biografia do Ié-Ié. Desta vez, o livro contém um retrato social da época em que as cartas eram enviadas ao amigo de Coimbra, há várias décadas e muitas delas estão reproduzidas neste livro. Tudo começa quando há uns anos Jó entregou as cartas ao remetente e surgiu a ideia. Conta: "O meu amigo Jó guardou durante 50 anos as cartas que eu lhe escrevia nos anos 1960. Que começavam normalmente por Caro Jó. Ele deu-me as cartas em 2016, comecei a lê-las e achei que podia fazer um livro só com Beatles. No entanto, as cartas falavam de muita coisa: moda, cinema, gajas... e retirar todo o resto era desvirtuar o conteúdo." Entretanto, a opinião de alguns amigos que as leram obrigaram o autor a mudar mesmo de ideias: "Sugeriram que deveria fazer um livro com tudo e então alarguei o âmbito do livro. O mais difícil acabou por ser o título, mas como tenho uma rubrica na Rádio Renascença intitulada Com os Beatles - refere-se ao álbum With the Beatles - achei que seria um bom princípio. Depois foi só acrescentar a verdadeira razão: Caro Jó." Entre as muitas histórias do convívio enquanto adolescente de Pinheiro de Almeida com os Beatles relatadas nas cartas estão pormenores que agora podem parecer pouco importantes, mas à época não o eram. O "3.º disco de 33 rotações dos Beatles é estereofónico. Deve dar um gozo do caneco", ou "correu o boato aqui em Lisboa e até veio uma notícia no Diário de Notícias de que os Beatles viriam a Portugal e atuariam no Estádio Nacional".. Esta hipotética vinda dos Beatles ao nosso país gera duas situações interessantes no livro: uma fake new que o jovem escreveu ao enviar uma carta ao amigo Jó a descrever como tinha sido o alegado espetáculo da banda inglesa em Lisboa; e a justificação do porquê de os Beatles nunca terem vindo a Portugal. Sobre esta segunda questão, Luís Pinheiro de Almeida dá uma grande novidade na entrevista ao DN: "Chegou a ser tentado esse espetáculo e existiram negociações para que acontecesse, mas houve pressões enormes para eles não virem. Designadamente do cardeal Cerejeira, que com essas pressões proibiu que os Beatles viessem a Portugal porque achava que era uma provocação e mau para a juventude." Ou seja, mais de meio século depois sabe-se que foi o responsável católico que esteve na base da proibição de os Beatles virem a Portugal. Mas vamos à paixão do autor pelos Beatles. Quando se lhe pergunta se foi amor à primeira vista, ele confessa que sim: "Desde a primeira vez em que os ouvi em Coimbra em 1963, com 16 anos, e até hoje são todo o meu ser." Isso pode ver-se noutros recortes e cartas que estão ao longo das páginas. É o caso de um artigo que escreveu para o jornal O Arauto, em que faz as biografias dos membros da banda no artigo "Os Beatles vistos por outro prisma". Em que se observa como via Paul, John, George e Ringo, com muita admiração: "Eles tinham um ou dois anos mais do que eu, mas possuíam muita imaginação, criatividade e talento. A melhor explicação para o seu sucesso foi terem sido os primeiros; tudo estava para desbravar e tornaram-se os descobridores da música." Quanto a preferências por algum deles, a resposta é fácil: "Considero-os como um todo, nem sequer são a soma de quatro partes. São os quatro e ponto final.".Sem dinheiro para os ir ver.Luís Pinheiro de Almeida é também o recordista português de encontros com os ex-Beatles. Antes de fazer a lista, recorda: "Nunca os vi ao vivo, só os ouvi. Até tive bilhetes para os ir ver ao Shea Stadium, mas não havia dinheiro para viajar até aos EUA." Quanto aos espetáculos, até ao momento foi assim: Paul McCartney, 27 vezes. Porquê? "Porque é sempre emocionante ver um Beatle ao vivo", diz. Segue-se o espetáculo a solo que mais o emocionou: "O concerto de George Harrison em 1992, porque é o mais diferente de todos eles, intimista e reservado, e aparecia muito pouco. Foi num concerto de apoio ao partido inglês Natural Law, no Royal Albert Hall, que observei uma mística que me emocionou." John Lennon só o viu num festival antinuclear, onde não cantou e assistiu a dois concertos de Ringo Starr, tendo-o entrevistado em ambos. Também foi o único que fez grandes entrevistas a Paul McCartney em 1987 e 1989: "Foi facílimo falar com ele. O difícil é ultrapassar a entourage e chegar até ele. Lá chegados, é faca quente em manteiga. Paul é muito simpático, divertido e culto.".Quanto à música preferida dos Beatles, a resposta também é direta: "Não escolho nenhuma. São 262!" No que respeita ao disco que mais aprecia, Luís Pinheiro de Almeida abre uma exceção e revela o título: "É o Rubber Soul o álbum de que mais gosto, mas é por questões sentimentais e não por ser o melhor. Foi uma amiga inglesa quem me o enviou quando saiu, e sabia as letras todas. Foi o primeiro que tive deles." Se não escolhe uma música preferida em vida, há uma que quer que lhe ponham nos últimos momentos de vida: "Tenho uma canção que não irei ouvir, mas queria que fosse tocada no meu funeral: In My Life.