Internacional
19 agosto 2022 às 21h51

Putin aceita inspeção à central de Zaporíjia

Moscovo exigia que a missão dos inspetores procedesse de território ocupado, mas o líder russo cedeu em conversa com Macron.

Por uma vez, a pressão internacional exercida em simultâneo sobre Vladimir Putin pelo secretário-geral das Nações Unidas e pelos presidentes de França e da Turquia aparenta ter resultado: o líder russo aceitou que uma inspeção da Agência Internacional de Energia Atómica se desloque a Enerhodar, onde os militares russos estão a ocupar a central nuclear de Zaporíjia, oriunda de território controlado por Kiev e não pelo lado ocupado pelos russos, como chegou a exigir. Este acordo acontece num momento em que as forças ucranianas estão a atacar alvos militares e logísticos precisos a grandes distâncias, quer na Crimeia quer em território russo, levando a uma "total falta de progresso russo no campo de batalha", segundo a análise do Pentágono.

Resultado do primeiro telefonema entre Emmanuel Macron e Vladimir Putin em quase três meses, Moscovo concordou com a realização de uma inspeção à maior central nuclear da Europa, ocupada em março pelos russos mas que continua a ser operada pelos ucranianos. A situação agravou-se nas última semanas, com as tropas russas alvo de ataques de sabotagem, e estas, por sua vez, a transferirem material militar para o interior das instalações, como um vídeo posto a circular na quinta-feira comprova.

DestaquedestaqueApós novas explosões registadas na Crimeia, Kiev diz que vai continuar a "desmilitarização" da península.

Kiev acusa Moscovo de usar a central para atingir alvos vizinhos e os russos dizem que os ucranianos disparam sobre a central, pondo em causa a segurança da mesma. Com a visita do secretário-geral das Nações Unidas à Ucrânia as tensões subiram, ao ponto de o Ministério da Defesa ucraniano ter dito que a Rússia poderia estar a planear um "ataque terrorista em grande escala" à central para colocar a culpa em Kiev, enquanto a Rússia acusou a Ucrânia e os Estados Unidos de conspirarem um acidente na central.

Repetindo a mensagem de funcionários seus nos últimos dias, na conversa com o homólogo francês Putin culpou a Ucrânia por bombardeamentos na central, os quais criam "o perigo de uma catástrofe em grande escala, que poderia levar à contaminação por radiação de vastos territórios".

António Guterres, que na véspera exigira a desmilitarização da central, defendeu que a produção da unidade não deve ser desviada. "Naturalmente, a eletricidade de Zaporíjia é eletricidade ucraniana e é necessária especialmente para os cidadãos durante o inverno. Este princípio deve ser plenamente respeitado", disse durante uma visita ao porto de Odessa, em resposta às preocupações de Kiev. A empresa que opera a central, a Energoatom, disse temer que Moscovo desligue a central da rede. Também o presidente turco, que no encontro com Volodymyr Zelensky na véspera afirmara "não querer um novo Chernobyl", disse que iria falar com Putin sobre o assunto, em concreto para que se fizesse a desminagem à volta da central. "Pedirei para a Rússia fazer o que deve para dar um passo importante para a paz mundial", disse Recep Erdogan.

No campo de batalha, após as novas explosões registadas na Crimeia, Kiev diz que vai continuar a "desmilitarização" da península, reutilizando a expressão usada por Putin no lançamento da invasão. Os ucranianos vão receber mais 775 milhões de dólares em equipamento militar e munições dos Estados Unidos numa altura em que, refere o Pentágono, a Rússia está enfraquecida. Segundo uma fonte citada pela CNN, o exército russo prima por uma "escassez cada vez mais aguda de recursos, inclusive de munições básicas", enquanto outros veem nos ataques repetidos a Kharkiv (21 civis mortos nas últimas horas) uma manobra para as forças ucranianas não serem reforçadas noutras latitudes.

Integrado numa investigação sobre os dias que antecederam a invasão russa, o The Washington Post publicou uma peça sobre o Departamento de Informações Operacionais da agência que sucedeu ao KGB, o FSB. Esse departamento, criado para subornar ucranianos e manter Kiev sob a órbita de Moscovo, mais do que quintuplicou em número de agentes no período anterior ao lançamento da "operação militar especial". Esses funcionários tinham como missão instalar no poder o ex-presidente Yanukovich, que fugiu para a Rússia durante os protestos do Euromaidan, ou o oligarca Viktor Medvechuk, preso em abril pelas autoridades ucranianas. E estavam tão confiantes no sucesso da invasão que dias antes avisaram os informadores para abandonarem as casas em Kiev mas deixarem as chaves, para que os agentes tomassem as residências. Apesar de ser um departamento especializado na Ucrânia, os seus operacionais não anteviram a hipótese de uma resistência como a existente. Os erros de análise não tiveram consequência de maior: segundo o jornal norte-americano, as chefias mantiveram os cargos.

O ministro dos Negócios Estrangeiros, Luigi Di Maio, disse que, graças à queda do governo liderado por Draghi, "[Giuseppe] Conte, [Matteo] Salvini e [Silvio] Berlusconi fizeram um favor aos russos", tendo defendido uma investigação dos respetivos partidos com Moscovo. Em entrevista ao La Stampa, Di Maio acusou o Kremlin de "chantagear" Itália e de interferir nas eleições, que vão decorrer no dia 25 de setembro, na sequência das afirmações do ex-presidente Dmitri Medvedev. Este apelou a que os europeus responsabilizassem e punissem os governos pela sua "evidente estupidez". "Ajam, vizinhos europeus! Não fiquem calados! Exijam responsabilidade", disse.

A Gazprom voltou a avisar para uma nova interrupção no abastecimento de gás à Europa. O gasoduto Nord Stream vai estar fechado de 31 de agosto a 2 de setembro para "manutenção", anunciou a empresa russa de energia. O anúncio acontece numa altura em que os preços do gás estão em níveis máximos e coloca pressão nos governos que pretendem encher as reservas de gás.

cesar.avo@dn.pt