A Formiga brasileira que já jogou em sete campeonatos do mundo e em seis Jogos Olímpicos

© Ilustração Vitor Higgs
Miraildes Maciel Mota arrancava a cabeça das bonecas para delas fazer uma bola e jogar nas ruas do bairro pobre de Salvador onde nasceu em 1978, contou o jornal O Globo num perfil da futebolista brasileira quando esta em 2019 participou no seu sétimo campeonato do mundo, recorde absoluto, seja entre as mulheres ou contando também os homens. Também é dela o recorde de presenças em Jogos Olímpicos, com seis. Aos 42 anos, continua no ativo, envergando agora a camisola do Paris Saint-Germain. E pegando na sua alcunha de Formiga, e somando à sua arte com os pés, os franceses até a começaram a chamar de Formidable.
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"Para as futebolistas, a Formiga é um modelo, um exemplo a seguir. A forma como se apresenta sempre em grandes condições físicas para jogar é inspiradora para as colegas de equipa, mas também para as rivais", diz Edite Fernandes, internacional portuguesa, aliás, com 39 golos marcados, a mais concretizadora da história da seleção nacional feminina.
Com 40 anos, e ainda a jogar no Clube Futebol Benfica (o célebre Fofó), a vila-condense identifica-se muito com a brasileira, não estranhando esta longevidade das mulheres futebolistas. Já sobre os jogos em que esteve em campo a enfrentar a Formiga, por regra Portugais-Brasis, as memórias são de derrotas. "Não sofremos daquelas goleadas históricas, mas nunca ganhámos ao Brasil. São mesmo uma grande potência", sublinha Edite Fernandes, elogiando o escrete canarinho, cheio de jogadoras talentosas. "Admiro muito a Marta também", acrescenta a portuguesa, falando da futebolista que já foi seis vezes eleita a melhor do mundo, cinco delas de seguida.
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Ao longo da sua carreira, Edite Fernandes jogou na China, nos Estados Unidos, na Noruega e em Espanha. Em Portugal, foi no Braga que mais brilhou. Também a Formiga tem uma carreira com muitas etapas fora do Brasil, pois jogou por equipas da Suécia e dos Estados Unidos antes desta experiência em França.
O talento com os pés na bola da jovem Miraildes não passou despercebido e aos 12 anos passou a jogar num clube. O salto para outro clube, agora em São Paulo, não tardou e aos 16 anos já estava na seleção. Ao todo foram 151 as internacionalizações, outro recorde absoluto, desta vez entre brasileiros, duas mais do que Cafu.
"A Formiga e também a Marta são dois fenómenos do futebol para os quais os brasileiros não dão a menor importância, exceto quando se trata de Copa do Mundo ou Olimpíada", nota Ruy Castro, jornalista brasileiro autor de uma muito celebrada biografia de Garrincha, companheiro de seleção de Pelé e duas vezes campeão do mundo.
Curiosamente, mesmo sendo brasileira e com tantas fases finais no currículo, a Formiga faltam os títulos na seleção (bem, tem três copas pan-americanas!): foi duas vezes vice-campeã mundial e uma vez vice-campeã olímpica. Ruy Castro diz que gostava de ver mais entusiasmo com o futebol feminino no Brasil. "Só agora alguns dos grandes clubes locais, um deles o Flamengo, estão se voltando para o futebol feminino. Isso dará maior peso a um campeonato brasileiro da categoria", acrescenta o jornalista, igualmente biógrafo de Carmen Miranda.
Ruy Castro não se recorda da última vez que viu Formiga sobre o relvado, mas confessa ser fã de futebol jogado por mulheres: "Só sei que, sempre que vejo que a televisão está a exibir futebol feminino - o que é raro -, não deixo de assistir. Acho que elas jogam imenso futebol".
Veremos se Formiga mantém a forma e engana um pouco mais o passar dos anos a ponto de ir aos seus sétimos Jogos Olímpicos e quem sabe ao oitavo campeonato mundial, mas a sua personalidade de lutadora, assim como os seus muitos recordes (em 2015, tornou-se a jogadora mais velha a marcar um golo em copas do mundo: 37 anos, 3 meses e 6 dias), já lhe mereceram homenagens tão especiais como Maurício de Souza a ter acrescentado às suas figuras da Turma da Mónica.