O fim da era Trudeau ou uma geringonça canadiana?

O primeiro-ministro liberal está envolvido em dois escândalos. Mas as sondagens dão um empate técnico com os conservadores, deixando em aberto quem vai governar o Canadá após as eleições de dia 21.
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Justin Trudeau e a sua equipa de campanha preparavam-se para embarcar no avião no aeroporto de Nova Scotia a 18 de setembro quando receberam uma chamada da revista Time. Poucas horas depois, a revista ia publicar uma fotografia do primeiro-ministro canadiana numa festa em 2001 com a cara pintada de negro. O timing não podia ser pior: a pouco mais de um mês das eleições no Canadá, um escândalo a envolver acusações de racismo era a última coisa que Trudeau precisava. Por isso apressou-se a apresentar desculpas. Uma estratégia que não o impediu de cair nas sondagens, tendo vindo entretanto a recuperar. Agora, com as eleições da próxima segunda-feira à porta, os últimos estudos dão um empate técnico entre os liberais de Trudeau e os conservadores de Andrew Scheer, deixando tudo em aberto.

"Justin Trudeau passou os últimos quatro anos a dar lições aos canadianos sobre tolerância e diversidade, com uma atitude de santinho. Não há maneira de disfarçar a hipocrisia. Os canadianos, agora, perceberam que Trudeau não é como lhes foi vendido", garantiu à Reuters Daniel Schow, porta-voz da campanha dos conservadores. E o próprio Sheer veio garantir que o primeiro-ministro já não tem "autoridade moral para governar", referindo um vídeo dos anos 1990 em que Trudeau surge a dançar, também com a cara pintada de negro.

Quatro anos depois da sua vitória-surpresa nas eleições, graças a uma mensagem de esperança, à juventude, ao charme inegável e a algum saudosismo em relação ao seu pai, o falecido ex-primeiro-ministro Pierre Trudeau (liderou o Canadá entre 1968 e 1984), a imagem de Trudeau, hoje com 47 anos, já estava desgastada antes do escândalo da black face. Em agosto, o primeiro-ministro fora apanhado numa crise política ligada à tentativa de pressionar a antiga ministra da Justiça e procuradora-geral para que não levasse a julgamento a empresa de engenharia SNC-Lavalin. Em vez disso, pagaria uma multa por alegada fraude e pelo suposto pagamento de subornos em troca de lucrativos contratos de construção na Líbia de Kadhafi. Com sede no Quebeque, a empresa tem 3400 funcionários e o seu encerramento teria um impacto significativo na região. Além disso, uma vitória no Quebeque é essencial para Trudeau vencer estas eleições.

Dois escândalos que ameaçam o seu legado como campeão do liberalismo num mundo de líderes cada vez mais autoritários, defensor de uma política de acolhimento aos refugiados sírios, promotor de uma taxa de carbono para proteger o ambiente, que aumentou os subsídios para a infância.

NDP fazedor de reis

Ora se os conservadores, que antes de Trudeau governaram o Canadá durante uma década, subiram nas sondagens depois de as fotos de Trudeau de cara pintada terem vindo a público, foi o NDP o maior beneficiado, passando de menos de 15% das intenções de voto para quase 20%, fazendo dele um fazedor de reis, decisivo para o novo governo.

Liderado pelo sikh Jagmeet Singh, de 40 anos, o partido de esquerda parece estar disposto a trabalhar com os liberais para evitar um governo conservador - caso nenhum dos principais partidos consiga uma maioria de deputados. A acreditar nos analistas, se Trudeau ou Scheer conseguirem menos do que os 170 deputados que garantem a maioria, mas mais de 160, ambos podem tentar governar em minoria. Afinal, a experiência não seria nova, com o conservador Stephen Harper a ter liderado governos minoritários entre 2006 e 2011.

Ficando o vencedor abaixo dos 160 deputados, teria de procurar aliados. Um cenário que para Scheer, de 40 anos, parece mais difícil do que para Trudeau. Além do NDP, os Verdes também poderão apoiar um governo liberal, numa espécie de geringonça à canadiana - uma solução que não seria de todo inédita num país onde houve apenas uma coligação formal: em 1917, durante a I Guerra Mundial.

Um rival chamado abstenção

Com as sondagens a darem tão pouca diferença entre os principais partidos - a média dos estudos compilados pela televisão CBC dá 32,1% das intenções de voto aos conservadores, 31,1% aos liberais, o NDP com 18,3%, os Verdes com 8,2% e o Bloco Quebequense com 6,9% - a taxa de participação pode ser decisiva.

Para já, 4,7 milhões dos mais de 25 milhões de eleitores já votaram por antecipação. Mas as últimas horas de campanha podem ser decisivas para sabermos se a era Trudeau continua, se o Canadá volta a ter um governo conservador ou se o próximo primeiro-ministro terá de gerir a tal geringonça à canadiana, com os partidos mais pequenos a apoiarem o executivo, sem participarem nele com ministros.

Uma das grandes dúvidas da campanha do Partido Liberal é se os seus eleitores vão ignorar os escândalos e votar na mesma em Trudeau. "Vão ficar com o senhor Trudeau ou vão assustar-se? Será que ainda conseguem atraí-los ou é demasiado tarde?", questionava-se na BBC Shachi Kurl. A responsável do instituto de sondagens Angus Reid Institute explicava que nos últimos dias viu-se um regresso dos eleitores liberais, mas o impacto na abstenção, sobretudo entre os jovens, pode ser decisivo para se saber quem vai governar os 35 milhões de canadianos nos próximos quatro anos.

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