Trump prepara onda de perdões no último dia. Estará ele na lista?
No último dia no cargo, 19 de janeiro de 2017, o presidente Barack Obama perdoou ou comutou a sentença a um recorde de 330 pessoas (num total de 1927 ao longo dos seus dois mandatos). Nas suas últimas horas na Casa Branca, Donald Trump, que até agora já perdoou 94 pessoas (tinha uma ligação pessoal ou política com 84 delas), estará a planear emitir mais de cem perdões. Mas está a ser aconselhado a deixar um nome de fora da lista: o seu.
Segundo o The Washington Post e a CNN, Trump esteve reunido no domingo com a filha Ivanka e o genro Jared Kushner, junto com outros conselheiros, para decidir a lista final. Nos últimos dias, o presidente tem avaliado a ideia de emitir perdões preventivos em seu nome, dos seus filhos e dos seus aliados mais próximos. Mas vários conselheiros terão avisado Trump que perdoar-se a si próprio (algo cuja constitucionalidade divide os peritos) o faria parecer culpado, especialmente agora que está a ser acusado de incitar à invasão do Capitólio. Isso poderia irritar os senadores republicanos que se preparam para julgar o impeachment.
Em relação à legalidade de um perdão em seu nome, há constitucionalistas que dizem que não é possível, já que viola o princípio de que ninguém pode ser o juiz no seu próprio caso. Contudo, há quem diga que o perdão presidencial é algo bastante vago na Constituição, lembrando que os pais fundadores discutiram a hipótese do auto-perdão no século XVIII, tendo optado por não incluir uma limitação explícita a esse poder presidencial.
Só houve um presidente a receber um perdão nos EUA: um mês depois de se demitir do cargo, Richard Nixon obteve o perdão daquele que tinha sido seu vice-presidente, Gerald Ford, cobrindo todos os possíveis crimes cometidos durante a sua administração, marcada pelo escândalo do Watergate.
Em relação aos primeiros 94 perdões, o blog Lawfare (uma colaboração do instituto com o mesmo nome com a Brookings Institution) concluiu que "o sistema de clemência é dominado pelo acesso privilegiado ao presidente e serve quase exclusivamente os seus objetivos e caprichos pessoais e políticos". Segundo a mesma fonte, só nove dos que já foram beneficiados não estavam diretamente ligados a Trump ou a alguém que lhe é próximo e a grande maioria não foi recomendado pelo Departamento de Justiça (como é habitual).
Muitos dos que o presidente perdoou estavam envolvidos na investigação do procurador especial Robert Mueller, sobre a alegada conspiração da sua campanha com a Rússia. Entre eles o antigo diretor de campanha, Paul Manafort, o amigo e conselheiro Roger Stone e o antigo conselheiro de Segurança Nacional, Michael Flynn, que admitiu ter mentido ao FBI. O pai do genro, Charles Kushner, que cumpriu pena por evasão fiscal e donativos ilegais de campanha, também foi perdoado.
Segundo o The Washington Post, a maioria dos nomes na lista que será conhecida esta terça-feira não será controversa. Mas isso não significa que a minoria não vá ser alvo de críticas. A dúvida é saber, por exemplo, se irá beneficiar o seu antigo conselheiro de campanha, Steve Bannon, que foi acusado de fraude numa recolha de fundos para a construção do muro com o México. Ou o seu advogado particular, o ex-presidente da câmara de Nova Iorque, Rudy Giuliani, que já viu dois dos seus sócios numa empresa de consultoria a serem acusados.
Também não se sabe se irá perdoar o fundador da WikiLeaks, Julian Assange, que está detido no Reino Unido enquanto aguarda o processo de extradição para os EUA. É acusado pelos norte-americanos de vários crimes, incluindo espionagem, que podem implicar uma pena de até 175 anos de prisão caso seja extraditado e condenado.
Segundo a CNN, na lista é certo o nome do médico oftalmologista Salomon Melgen, que foi condenado a 17 anos de prisão por fraude nos cuidados de saúde. Melgen sentou-se também no banco dos réus por suborno junto com o senador democrata Robert Menendez, de quem era um dos principais doadores, mas depois de o julgamento terminar com o júri dividido, a acusação optou por não voltar a julgar os dois.
De acordo com o The New York Times, a procura por um perdão de Trump tem levado alguns dos seus aliados a cobrarem dinheiro a condenados abastados por interceder a seu favor junto do presidente. O jornal dá o exemplo de um antigo conselheiro que cobrou 50 mil dólares para ajudar a conseguir um perdão para o ex-agente da CIA John Kiriakou (condenado por divulgar informação secreta), sendo que receberá outros 50 mil caso o consiga. O mesmo Kiriakou terá sido informado que Giuliani lhe poderia garantir o perdão em troca de dois milhões de dólares, o que terá rejeitado (Giuliani nega).
Nos últimos dias, tem havido também muitos apelos da parte daqueles que foram detidos por invadir o Capitólio e dos seus advogados para que o presidente aprove um perdão. Muitos alegam que estavam apenas a seguir as ordens de Trump, que é alvo de um histórico segundo processo de destituição precisamente por "incitação à insurreição".
Mas se um perdão preventivo a ele próprio poderia irritar os senadores republicanos, um perdão aos que invadiram o Capitólio no dia da confirmação da eleição de Joe Biden seria ainda pior. O senador Lindsey Graham, aliado de Trump, pediu-lhe diretamente para não o fazer. "Não me interessa se foram lá para espalhar flores no chão. Violaram a segurança do Capitólio. Interromperam uma sessão conjunta do Congresso. Tentaram intimidar-nos a todos. Devem ser acusados e perdoar estas pessoas seria errado. Acho que iria destruir o presidente Trump e espero que não o faça", disse no domingo na Fox News.