Ao fim de dois anos e meio, o processo do Brexit continua o seu rumo dramático, de difícil classificação. Até aqui, analisando as declarações dos principais atores de Westminster, o Brexit apresenta mais as tonalidades de uma farsa. Contudo, depois do chumbo nos Comuns do Plano May, ficou nítido que o governo e o Parlamento britânicos não só não sabem para onde querem ir como parece não fazerem a mínima ideia de onde querem partir. Ao ler na imprensa britânica as palavras de quem é suposto tomar decisões esclarecidas, quase se fica ruborizado pelo profundo desconhecimento da estrutura e pelo modo de funcionamento da UE que os engenheiros da saída revelam. Com tamanha irresponsabilidade, não é impossível que a farsa desemboque numa tragicomédia, causando danos a toda a gente na Europa e pondo a própria integridade do Reino Unido em risco..A política e o conhecimento não costumam andar de mãos dadas. Por isso, a história regista, escassamente, os momentos em que tal aconteceu. Os testemunhos das grandes civilizações fluviais do Médio Oriente, desde as obras hidráulicas às grandes pirâmides; a democracia ateniense, que inventou a filosofia, a ciência, o teatro e o vocabulário com que damos nomes às coisas do mundo; o Império Romano, juntando às legiões a universalidade do direito e a ideia de uma cidadania cosmopolita; a invenção portuguesa no século XV do primeiro império marítimo planetário, movido a capital e inovação tecnológica; o federalismo republicano dos Founding Fathers, que transformou uma nação de agricultores na maior superpotência do último século. Nesses momentos, líderes políticos e sábios estiveram lado a lado, quando não coincidiram. Fora isso, a política não se destaca por acicatar a expansão do conhecimento. Bem pelo contrário, ela fica ao serviço dos preconceitos das fações maioritárias, bloqueia a inovação em favor dos interesses estabelecidos, ou promove perseguições, inquisições e caça às bruxas contra quem ousa a liberdade e a diferença..Estamos, claramente, a viver um desses momentos em que a política se ergue contra a razão. As coisas não vão bem em Bruxelas ou em Frankfurt, como a agonia lenta da UE o prova. Contudo, a "alternativa" populista - escolhida por eleitores movidos mais pelo ressentimento do que pelo entendimento - mete ainda mais medo pelo simplismo grotesco no tratamento de problemas complexos. E não é só na Europa, como os exemplos superlativos de Trump e Bolsonaro o demonstram. Quando encaramos o futuro, a principal dificuldade não me parece residir na delicadeza extrema de problemas objetivos tão bicudos, como as alterações climáticas, a globalização descontrolada, a rutura social e laboral que pode ocorrer através da aplicação generalizada da robótica e da inteligência artificial à economia. O que pode comprometer o futuro é estarmos a eleger gente para decidir sobre esses temas cruciais, gente que substitui o exercício da ponderação racional pelo regressivo pensamento mágico. Gente que, em vez de pensar, prefere pontapear aquilo que não compreende..Professor universitário