Vera Souschek é a primeira e única aluna com trissomia 21 na Escola Alemã de Lisboa. Tem 16 anos, está no 9.º ano. À exceção de ser encarada pela escola como um projeto-piloto, cresceu nela como os restantes irmãos.."A Vera é a minha número três", diz ao DN Marcelina Souschek, mãe de cinco. O pai é alemão, os filhos têm as duas nacionalidades e esta foi a escola que os pais escolheram para a família. "Na altura de ela entrar dissemos: 'Ou ela entra ou não será uma escola para a nossa família'", recorda a mãe..No próximo ano, Vera passaria para o 10.º ano e no fim faria o exame para obter o grau Hauptschule, o menos avançado dos três níveis de conclusão de estudos do sistema alemão. Era isso que estava combinado, até que a direção mudou e, há cerca de duas semanas, os pais de Vera foram chamados à escola..Marcelina Souschek ficava então a saber que, ao contrário do que estava há muito acordado, a sua filha não poderia passar para o 10.º ano. Nem no próximo ano, nem depois. Poderia ficar na escola, sim, mas repetindo o 9.º ano até completar 18 anos, e então sairia da escola. Isso implica que Vera acabaria o percurso naquela escola sem qualquer grau.."Quase no fim do percurso ela vai ter de sair, porque não atingiu o nível que eles acham que os miúdos têm de ter para passar para outro ciclo. Mas a Vera não cabe nisso, senão ela nem podia ter feito o 5.º ano, porque há coisas do 5.º que ela não sabe. Ela tem um programa próprio, porque é uma miúda com deficiência. Tem um programa dela e a inclusão permite que ela vá acompanhando o grupo com o nível dela." Marcelina Souschek explica que uma das suas lutas foi para que a sua filha Vera estivesse a tempo inteiro integrada na turma, o que acontece, além de ter uma professora de apoio que a escola fornece, além de apoio extra pago pelos pais.."O argumento de atingir uma coisa ou outra não se pode colocar, senão estes miúdos continuavam como antigamente nas instituições ou fechados em casa", conclui a mãe, que há cerca de uma semana relatou a situação numa publicação de Facebook que conta mais de 450 partilhas.."A Vera tem os mesmos direitos a estar na escola que nós".A direção da Escola Alemã de Lisboa, que afirmou não ter agenda para prestar esclarecimentos ao DN, justificou a sua decisão perante a mãe de Vera Souschek como sendo uma diretiva alemã que, caso não fosse cumprida, implicaria uma fiscalização à escola que lhe retiraria a autorização de passar aos alunos futuros diplomas de 12.º ano..Isso mesmo terá sido dito pela diretora da escola, Teresa Salgueiro Lenze, aos alunos, para justificar a posição da escola depois de os próprios alunos terem criado o movimento "V for Vera", iniciado pelos jovens em solidariedade com a situação de Vera e de protesto contra a decisão.."Ficámos espantadas e achámos uma grande injustiça, porque a Vera tem os mesmos direitos a estar na escola que todos nós. Esperámos uma semana, criámos um grupo de WhatsApp com todos os contactos da escola que tínhamos, a explicar a situação. Fomos juntando ideias e a que ficou foi esta do 'V for Vera'. Acho que chegaram a estar por volta de 80 pessoas. Estávamos para andar com o V na cara nos intervalos, mas logo na primeira aula a diretora foi falar com a turma da irmã da Vera, e dizer que tinha sido tudo um mal-entendido, que tínhamos percebido tudo mal e que ninguém queria mandar a Vera embora", contou ao DN uma das alunas que começaram o movimento que perdeu fôlego com a intervenção da diretora da escola..À espera da decisão oficial."Depois, toda a gente acreditou nas palavras da diretora e já quase ninguém quis participar. As pessoas começaram a dizer que nós é que tínhamos percebido tudo mal e que a diretora tinha estado a explicar as coisas e ficaram muito poucas pessoas do nosso lado. Agora somos cinco, seis pessoas. Decidimos não fazer nada por enquanto, como houve aquele mal-entendido. Estávamos dispostas a continuar de alguma forma para conseguir que a Vera continuasse connosco", continua a jovem estudante..Apesar de tudo, não foi ainda entregue aos pais um documento formal com a decisão da escola. "Atualmente, esperamos uma tomada de posição do ministério alemão", diz a mãe. O pedido de esclarecimento foi enviado na última quinta-feira e os pais já têm confirmação de que o caso está a ser estudado. "Será o ministério alemão que vai decidir o futuro da Vera na escola.".Se a decisão transmitida pela escola se confirmar, Vera sairá da Escola Alemã. "Para nós isto não é uma solução, não é estar na escola. Para isso retiramos a nossa filha, como é óbvio. Não faz sentido a minha filha ficar retida no 9.º ano, com miúdos mais novos, porque isto também é uma questão social e emocional", justifica a mãe, que lembra ainda que a escola sempre pôs como condição que a Vera saísse aos 18 anos..Face à decisão, de que se aguarda documento comprovativo oficial, Marcelina Souschek evoca a Convenção dos Direitos para a Pessoa com Deficiência, assinada tanto por Portugal como pela Alemanha, no que diz respeito à inclusão na educação.."Neste caso específico há, para além do incumprimento dos direitos humanos, uma imoralidade, uma vez que a aluna desde sempre frequentou este estabelecimento e pensam mandá-la embora numa das fases emocionalmente mais difíceis. As pessoas que ela conhece são daquela escola. Além de ser uma posição inesperada, já que no final do passado ano letivo as regras do jogo eram outras", afirma a mãe..Recorde-se ainda o que é dito a respeito da inclusão no site da escola: "A EAL promove ainda a inclusão de crianças com necessidades educativas especiais que podem atingir igualmente, de acordo com suas possibilidades, uma das três habilitações conferidas pela escola.".Ao DN, o Ministério da Educação português explicou que nestes casos não pode ter qualquer intervenção nas decisões da Escola Alemã de Lisboa, que é particular e regida por diretivas alemãs, e que o caso de Vera Souschek só lhe dirá respeito caso os pais optem por transferi-la..Marcelina Souschek não esconde que não foi de ânimo leve que denunciou a situação. "Estou à frente de uma associação em que apoio sempre os pais a defenderem os direitos dos seus filhos. Seria muito pouco credível, embora me custe muito, não defender as mesmas coisas quando se trata da minha filha." É presidente da Associação Pais 21, associação de pessoas com trissomia 21 - síndrome de Down, famílias e sociedade civil.