Evitar que uma mulher com cancro da mama se sujeite à quimioterapia quando o tratamento acaba por não ser eficaz e ajudar o médico a decidir a melhor terapia a aplicar para cada doente é o que pode significar a descoberta de um grupo de investigadores portugueses..O trabalho desenvolvido pela equipa de Guadalupe Cabral, bióloga e investigadora do Centro de Estudos de Doenças Crónicas (CEDOC), da Nova Medical School, conseguiu detetar se o doente vai ter uma boa ou má resposta à quimioterapia que é realizada antes da cirurgia. Uma investigação distinguida com um dos cinco Prémios em Medicina do Tagus Park, no valor de 20 mil euros cada um..As conclusões desta investigação são preliminares, mas está já a decorrer a validação deste estudo e os resultados têm sido "muito bons", conta ao DN a investigadora responsável por este projeto. No fundo, explica Guadalupe Cabral, as conclusões desta investigação dizem-nos "se o doente vai ou não responder" à quimioterapia neoadjuvante (a que se faz antes da cirurgia)..Uma informação importante que, caso venha a fazer parte da prática clínica, poderá poupar "tempo e recursos" e evitar "expor doentes a uma terapia que pode ser pouco eficiente e até prejudicial, porque uma quimioterapia tem efeitos secundários, por vezes bastante graves"..Há muitos casos em que a quimioterapia não tem os resultados desejados.Vómitos, mal-estar, queda do cabelo, mais expostas a infeções. São alguns dos efeitos secundários que algumas mulheres sofrem quando se sujeitam à quimioterapia. Um tratamento "que tem muitos benefícios, mas nem toda a gente vai beneficiar do tratamento". Em muitos casos acaba por não ter os efeitos desejados, apesar dos seis meses de exposição a um tratamento agressivo, no caso da quimioterapia antes da cirurgia, faz notar Guadalupe Cabral. E em Portugal surgem anualmente seis mil novos casos de cancro da mama..O que este trabalho desenvolvido por esta equipa - da qual faz parte a médica oncologista Sofia Braga, também investigadora do CEDOC, as estudantes de doutoramento Diana Saraiva e Ana Teresa Matias, e o investigador António Jacinto - faz é relacionar a boa ou má resposta ao tratamento ao próprio sistema imunitário dos doentes com cancro da mama. "O que nós verificamos é que há células com determinadas características que são também importantes para ajudar na eficácia da quimioterapia", explica..Mas como é que se chegou a este resultado? "O que nós encontrámos foram umas células que se chamam linfócitos T citotóxicos a expressar uma molécula, que se chama HLA-DR, que é no fundo o marcador do estado de ativação destas células. A combinação destas células a apresentar esta molécula na sua superfície faz que sejam capazes de contribuir juntamente com a quimioterapia para eliminar o tumor", pormenoriza a especialista. Não basta existirem os linfócitos, eles têm de ter a molécula para serem eficazes a matar as células tumorais. "No fundo, é uma molécula que nos indica a funcionalidade destas células, os linfócitos", acrescenta..Uma descoberta feita através de biopsias e análises ao sangue.Antes de o paciente se submeter aos seis meses de quimioterapia, os investigadores realizam uma análise ao paciente. Após a terapêutica, o doente é operado e é possível obter a informação sobre o que aconteceu ao tumor. "Se regrediu ou se se manteve igual, se progrediu ou se metastizou. Conseguimos assim separar os bons respondedores dos maus respondedores ao tratamento e relacionar com as nossas amostras iniciais", descreve o processo Guadalupe Cabral. Ou seja, a informação que obtém antes da quimioterapia tem ido ao encontro dos resultados após o tratamento..A investigadora refere, no entanto, outra conclusão importante deste estudo que começou a ser realizado em setembro de 2016. "Analisámos biopsias e também retirámos sangue [dos doentes] e o que nós verificámos é que há uma correlação entre estas células quer através da biopsia, análise ao tecido tumoral, quer através da análise ao sangue.".Nesse sentido, é mais um contributo para facilitar o processo de identificar se uma mulher vai ou não responder de forma positiva à quimioterapia. "É mais simples e acessível." E menos invasivo do que a biopsia..Investigação "pioneira".Detetar como o doente vai reagir ao tratamento através das análises ao sangue também é importante no trabalho que está a ser desenvolvido pelos especialistas. A primeira fase do estudo envolveu 30 doentes, mas já está a ser realizado um novo patamar da investigação, "mais alargado" para validar os resultados iniciais. "Estas células com esta molécula são um potencial biomarcador. Agora temos de mostrar que podem de facto funcionar como prognóstico da resposta ao tratamento.".E, até ao momento, o estudo de validação "vai de encontro aos resultados preliminares". "O que é muito bom", congratula-se a investigadora. Neste segundo estudo, a amostra aumentou para 60 doentes, mas os especialistas podem estender a investigação a cem doentes através da realização de análises ao sangue..De acordo com Guadalupe Cabral, há atualmente "vários grupos de investigação a tentar encontrar biomarcadores com um objetivo parecido" ao trabalho que estão a desenvolver. "Mas este marcador específico fomos nós que o encontrámos e fizemos esta relação com a resposta pior ou melhor ao tratamento e, nesse sentido, a investigação é pioneira. Temos tido resultados muito bons", sublinha a investigadora.."De facto, precisamos de aumentar a nossa amostra para ter uma garantia de que isto é mesmo importante para no futuro ajudar os médicos a decidir qual o melhor tratamento a aplicar", concretiza a especialista. Para já decorre o processo de validação dos resultados, com o objetivo de introduzir esta descoberta nas orientações da prática clínica na área do cancro da mama. Um processo que ainda vai demorar algum tempo, esclarece a investigadora..E é neste âmbito que ganha relevância o prémio que, para além do reconhecimento do trabalho efetuado, representa um encaixe de 20 mil euros para a investigação. "É muito importante porque as análises que fazemos precisam de reagentes que são bastante caros, nomeadamente anticorpos fluorescentes, e o estudo envolve toda uma tecnologia", destaca Guadalupe Cabral. E também poderá contribuir para ajudar a apresentar os resultados deste trabalho em congressos, por exemplo, adianta a especialista.Estudo pode estender-se a outros tipos de cancro.É, no entanto, importante que a par deste "estudo de biomarcadores" haja evolução na descoberta de novas terapias. "Porque neste momento se dissermos a um doente que não vai fazer o tratamento convencional, não há muitas alternativas. "Este é um caminho que tem de evoluir a par de novas terapias", defende Guadalupe Cabral..Aliás, esta equipa de investigadores pretende também debruçar-se no estudo de novos tratamentos para o cancro da mama, mas "será mais a longo prazo"..Para já, a atenção está direcionada para o cancro da mama e para a quimioterapia antes da cirurgia. O que não invalida que este estudo não possa ser estendido a outros tipos de tumores, admite a especialista..Uma investigação que não termina após a conclusão dos resultados da quimioterapia e a sua ligação às conclusões iniciais da investigação. "A ideia é continuar a seguir estes doentes", pelo menos, durante cinco anos. "Toda a informação que tivermos sobre estes pacientes vai confirmar a importância da molécula HLA-DR nestas células, os linfócitos", refere sobre este trabalho do Centro de Estudos de Doenças Crónicas da Nova Medical School, em colaboração com a CUF, o Hospital Fernando Fonseca (Amadora-Sintra) e o Hospital de Vila Franca de Xira.