Sociedade
17 maio 2022 às 22h13

Timor-Leste. A "experiência única" de quem ensina a língua portuguesa além-fronteiras

Maria João Alves era apenas uma jovem recém-licenciada quando foi dar aulas para Timor-Leste. Agora, cerca de 14 anos depois, conta ao DN como foi a experiência de ensinar a mais de 14 mil quilómetros de casa.

Os alunos tratavam-nos por mestres e tinham um respeito tremendo. Nunca faltavam, a não ser que estivessem muito doentes e faziam quilómetros a pé só para poderem vir às aulas". Estas são algumas das memórias de Maria João Alves, 14 anos após ter regressado de Timor-Leste, onde deu aulas de português pouco tempo depois da restauração da independência do país - data que se assinala já no dia 20 de maio.

Desde então, 20 anos depois da independência timorense, são inúmeras as experiências de quem para lá viajou com a determinação de ensinar a língua portuguesa e ajudar a desenvolver o país, que aos poucos se reerguia para dar lugar ao que hoje se conhece como Timor-Leste.

Maria João Alves é uma das professoras portuguesas que durante alguns anos fez de Timor a sua "casa", ensinando a língua portuguesa em cidades como Maliana (2004), Díli (2005) e Maubisse (2007) e, em conversa com o DN, conta como esta experiência foi única.

Maria João era uma jovem recém-licenciada quando iniciou esta aventura. Integrou o Projeto de Reintrodução da Língua Portuguesa (PRLP) para "lecionar um curso de bacharelado a professores do primeiro ciclo de Timor", de modo a que melhorassem o seu português e para que tivessem mais informação para ensinar os seus alunos timorenses.

Além do português, ensinou também matemática e estudo do meio, "tal como em Portugal". Mas o seu trabalho não se limitou só a estas disciplinas. Em Timor, juntamente com outros professores portugueses, criou "materiais que os alunos pudessem usar nas aulas, tanto a nível de livros, como a nível de instrumentos musicais e expressão plástica". "Foi toda uma reformulação das ideias das aulas", explica.

No total, Maria João estima que ensinou mais de cem alunos, todos com idades compreendidas entre os 30 e os 60 anos e, na sua generalidade, apresentavam "algumas dificuldades no português, na gramática e na escrita de texto". "Os conteúdos eles sabiam, o português é que estava mais esquecido", sublinha.

No entanto, a língua nunca foi um entrave para estabelecer relações no país. "Fui sempre muito bem recebida, tanto por parte da população, quer seja onde ficasse, como pelos alunos", admite.

Durante a sua experiência em Timor-Leste, participou em várias atividades de integração na comunidade. Em Díli, fez parte de um grupo de teatro com crianças, no qual produziram a peça O Anjo de Timor. Já em Maliana, chegou a fazer rádio com os alunos, incluindo um programa sobre culinária, onde também se destacavam pratos portugueses.

"Nós fazíamos também com que eles nos contassem as suas experiências de vida e que sentissem que nos estávamos a integrar com o grupo", descreve.

Maria João Alves conta que dar aulas em Timor "foi uma experiência única" e que apesar de uma complicada adaptação ao clima quente, não existiram grandes dificuldades na sua estadia.

Ainda que as condições das escolas "não fossem as melhores", uma vez que "eram edifícios sem janelas, sem mesas, e existiam salas em que se tinham de sentar dois alunos por cadeira porque não havia cadeiras suficientes", a relação com os estudantes foi sempre o motivo que a fez querer dar aulas a 14 mil quilómetros de distância. "As pessoas dão-nos muito valor, absorvem tudo o que nós dizemos, são curiosas e querem sempre aprender mais. Por isso, é muito gratificante dar aulas lá".

Cerca de 14 anos depois de ter regressado a Portugal, a professora recorda a sua estadia em Timor-Leste com muito carinho e acredita que esta experiência lhe mudou a vida: "Enquanto jovem e professora foi importante viver esta experiência. Conhecer aquele povo tão acolhedor fez-me crescer e acreditar que há muita coisa supérflua que não nos completa e que há coisas simples que nos fazem muito mais felizes."

"Recordo a simplicidade deles, que apesar de terem uma vida muito dura, devido aos trabalhos que têm, os quilómetros que percorrem todos os dias e até às dificuldades para arranjar comida todos os dias, estão sempre felizes e com um sorriso na cara. É bom sermos tão bem recebidos por um povo que passou por tanto e que mesmo assim tem tanto para dar", reconhece.

ines.dias@dn.pt