Descentralização, dia um. Nova lei já precisa de alterações
Governo anuncia alteração à Lei-Quadro da Transferência de Competências no dia em que o diploma entrou em vigor. PSD diz que o executivo não fez o "trabalho de casa".
A lei-quadro da descentralização entrou ontem em vigor e, ao primeiro dia, já precisa de alterações. O diploma do governo, aprovado em julho no Parlamento, determina que os municípios que não queiram assumir as novas competências já em 2019 comuniquem a decisão à Direção-Geral das Autarquias Locais até 15 de setembro próximo. Problema: os diplomas setoriais que vão definir em concreto quais as competências a transferir não estão aprovados, e há áreas - caso da educação - em que não há ainda acordo entre o executivo e a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP). Ou seja, os municípios teriam de decidir se assumem ou não novos encargos, não sabendo quais são.
Ontem, o Ministério da Administração Interna, que conduz o dossiê da descentralização, emitiu uma nota em que admite que o prazo previsto na lei que entrou ontem em vigor "terá de ser prorrogado", dado que os diplomas setoriais "não estarão, por força da necessária consensualização com a ANMP, em vigor em prazo compatível com a data inicialmente admitida de 15 de setembro de 2018". De acordo com o ministério liderado por Eduardo Cabrita, o quadro concreto das competências a transferir - e os prazos para as autarquias decidirem se avançam já com o processo - ficará definido nos diplomas setoriais e na proposta de Orçamento do Estado para 2019.
"Sempre disse que o governo tinha de dar corda aos sapatos", reage Álvaro Amaro, dirigente do PSD que negociou com o executivo o acordo firmado em abril sobre o processo de descentralização. "Mais uma vez o governo não fez atempadamente o seu trabalho de casa", critica o também presidente da Câmara Municipal da Guarda.
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O ministério da Administração Interna não esclareceu até quando será prorrogado o prazo para as autarquias se pronunciarem, mas Manuel Machado, presidente da ANMP, avançou à agência Lusa que será "em princípio, até final deste ano".
Prazo de 15 de setembro também em risco
Mas há outro prazo que poderá vir a derrapar. Se 15 de setembro foi a data apontada para finalizar os 23 diplomas setoriais, abrangendo áreas como a saúde, a educação, a justiça, a habitação ou o património, o líder da ANMP e presidente da Câmara de Coimbra sublinhou ontem que dois terços dos diplomas já estão consensualizados, mas acrescentou que as negociações dos restantes poderão não estar concluídas naquele prazo. O que pode atrasar substancialmente os textos setoriais, já que alguns (dependendo da matéria em causa) terão de ser aprovados pela Assembleia da República, que a partir de meados de outubro se dedica em exclusivo à discussão do Orçamento do Estado.
Os diplomas terão ainda de passar pelo crivo do Presidente da República, que, no texto de promulgação da lei-quadro, deixou expressas várias preocupações quanto ao processo de descentralização, deixando também o aviso de que a aprovação deste diploma não implica igual conclusão perante os textos setoriais. "Só o exame cuidadoso, caso a caso, dos diplomas que venham a completar os atuais permitirá avaliar do verdadeiro alcance global do que acaba de ser aprovado. Que o mesmo é dizer, o Presidente da República aguarda, com redobrado empenho, esses outros diplomas e a decisão de hoje não determina, necessariamente, as decisões que sobre eles venham a ser tomadas", escreveu então Marcelo Rebelo de Sousa.
Outra questão que ainda está por definir em concreto é o envelope financeiro que caberá a cada município - os valores já conhecidos mereceram duras críticas de vários autarcas. No total, o montante que será transferido do Orçamento do Estado (e que sai das contas dos ministérios) para o Fundo de Financiamento da Descentralização (FFD) ascende aos 889,7 milhões de euros. Deste valor, grande parte vai para a Educação - 797 milhões. A transferência de competências na área da Saúde será acompanhada, nas previsões do governo, de um pacote financeiro de 83 milhões, o setor da habitação terá um orçamento global de 7,6 milhões de euros e a Cultura receberá 1,1 milhões.