Tem sido, nos últimos anos, uma visita recorrente em Portugal e Peter Murphy está novamente de regresso, poucos meses depois da última atuação no festival Vilar de Mouros para apresentar um concerto muito especial e que assinala os 40 anos dos Bauhaus e no qual irá interpretar, na íntegra, In the Flat Field, o primeiro álbum da sua antiga banda.."Vamos aonde nos querem receber", disse ao DN numa entrevista de antecipação dos concertos em Lisboa e no Porto, onde terá a companhia em palco do baixista David J., outro dos cofundadores dos Bauhaus, a par de Daniel Ash (guitarra) e Kevin Haskins (bateria)..Quando surgiram em 1978, ainda em pleno auge do movimento punk, a banda era um corpo estranho no seio do rock britânico, pelo modo como incorporava e misturava na sua música influências que tanto iam do neorromantismo ao glam rock. De um momento para o outro, era criado o que viria a ficar conhecido como rock gótico, uma denominação talvez surgida após a crítica, não muito simpática, do New Musical Express ao álbum de estreia, In the Flat Field, apelidado nas páginas deste semanário musical britânico de uma "pseudodecadência gótico-romântica"..Mas havia quem gostasse, como o famoso DJ John Peel, que os passou até à exaustão no seu programa da BBC Radio 1, tornando-os, primeiro, um verdadeiro fenómeno de culto, e abrindo-lhes as portas para, posteriormente, se tornarem uma das maiores referências da música alternativa britânica, cujo legado influenciou gente tão diversa como The Cult, Nine Inch Nails ou Marilyn Manson. Além de In the Flat Field, lançaram ainda Mask (1981), The Sky's Gone Out (1982) e Burning from the Inside (1983), após o qual puseram fim a uma breve mas intensa carreira, com Peter Murphy a continuar a solo e os restantes membros nos Love and Rockets..Voltariam a reunir-se enquanto Bauhaus no final da década de 90, para uma Resurrection Tour da qual resultou uma canção nova, The Dog's a Vapour. E outra vez entre 2005 e 2008, quando gravaram o derradeiro álbum, Go Away White. "Foi bom voltarmos a trabalhar juntos, mas também foi uma maneira de acabarmos de vez", referiu na altura Peter Murphy, que apesar de tudo, como confessou nesta entrevista ao DN, "gostaria de ter reunido novamente a banda", para celebrar em palco os 40 anos dos Bauhaus..Nos últimos anos tem sido uma visita regular em palcos portugueses. A que se deve esta relação tão especial como o público nacional?.Não sei, costumo sempre dizer que vou aonde me querem receber e a verdade é que sou sempre muito bem recebido em Portugal. É um dos países que mais me convidam para vir atuar e por isso tenho um enorme respeito pelo público português. Poderá haver várias teorias para essa relação, nomeadamente ao nível do que é a cultura dos portugueses, enquanto povo, como já me explicaram, mas sinceramente acho que tem mais que ver com o que as pessoas que nos ouvem sentem naquele momento..Como assim?.Quando vou a um concerto, enquanto público, tenho de sentir magia naquilo que está a ser feito em palco, não pode ser algo forçado. Quando isso se consegue, estabelece-se uma relação muito forte com o público, tal como eu tenho conseguido manter com os fãs portugueses. Aquelas pessoas gostam de mim e da minha música e aquele é o momento delas, comigo. E eu só tenho de lhes dar isso de uma forma honesta e generosa..Continua a ser um prazer ou já é só apenas trabalho?.É um prazer enorme, mas também é um trabalho muito árduo, especialmente a nível psicológico, porque me obriga a dar tudo, a continuar a expor-me, enquanto artista e pessoa, noite após noite. Mas, acima de tudo, é música, essa é a parte mais importante, que faz realmente que as pessoas continuem a vir aos meus espetáculos..E, neste caso, vão poder ouvir um alinhamento um pouco diferente do das últimas vezes, certo?.Sim, vamos tocar na íntegra o primeiro álbum dos Bauhaus, In the Flat Field, e depois teremos um longo encore, em que iremos interpretar mais alguns temas clássicos da banda, que cumpriria este ano o 40.º aniversário..Como é que surgiu a ideia de fazer este espetáculo?.Foi no ano passado, durante uma residência artística do The Chapel, em São Francisco, onde durante 15 dias toquei toda a minha discografia a solo. No final decidi acrescentar mais três datas para tocar apenas temas dos Bauhaus, que batizei de sessões Mr. Moonlight e para as quais chamei o meu amigo e antigo companheiro de banda David J. Correu também que decidimos transformar isso numa digressão maior, também para celebrar em palco o aniversário da banda..E porquê o David J.?.Podia estar aqui a enumerar diversas razões, mas pensei simplesmente nele; disse-lhe e ele aceitou. Nunca falámos muito sobre isso, o gesto valeu por tudo, de parte a parte. Sabia que ele estava a passar um momento menos bom na carreira, a tocar em salas para pouco mais de 20 pessoas, mas não foi por essa razão que o convidei, como já li algures. A verdade é que o David, além de um excelente baixista, era uma das partes cruciais do processo criativo dos Bauhaus e quis voltar a sentir isso ao lado dele, ao tocar estas músicas. E ele gostou da ideia tanto quanto eu..Não gostaria de ter contado também com os restantes elementos?.Claro que sim, mas o que consegui com o David não consegui com os outros....Porque é que não o conseguiu?.Pelas mesmas razões de sempre, que já por duas vezes levaram ao fim da banda, que têm que ver com os nossos feitios e os nossos egos. Os Bauhaus foram uma aventura imensa para todos, que nos tornou irmãos para a vida. Não nos odiamos, não somos apenas ex-colegas, mas também já não dá para tocarmos todos juntos. O David aceitou e está comigo nesta digressão por direito próprio, com o nome em letras grandes nos cartazes, tal como o meu..E para quando é que poderemos esperar um novo disco de Peter Murphy?.Tenho um álbum pronto a sair, que devia estar a ser lançado agora, mas tal ainda não aconteceu devido a razões que me ultrapassam completamente..Como assim?.O álbum foi gravado num estúdio nos Estados Unidos, com músicos americanos e há quase um ano que continuo à espera de um novo visto para lá regressar e terminar o trabalho. Não entendo o que se passa, amo os Estados Unidos, tenho imensos amigos no país e até dou emprego a pessoas. Sempre fui lá sem qualquer problema, mas talvez, agora, o facto de eu viver na Turquia me torne uma pessoa algo indesejável aos olhos desta nova administração..Peter Murphy 40 Years of Bauhaus feat. David J..LX Factory, Lisboa. Hoje, 21.30. 35 € a 150 €