"Vamos agir com muita serenidade. Tudo o que está em causa exige uma intervenção muito séria", sublinha uma fonte judicial envolvida no processo de Rui Pinto, o mais famoso hacker português. O assumido denunciante do Football Leaks deverá chegar a Portugal na próxima semana - entre quarta e sexta-feira - escoltado por uma brigada especial da Polícia Judiciária (PJ), depois de a sua extradição ter sido confirmada nesta quinta-feira pelas autoridades húngaras..No prazo de 48 horas, a contar a partir do momento em que está sob a detenção da polícia portuguesa, será ouvido pelo juiz de instrução criminal em Lisboa, na presença dos procuradores titulares da investigação, que determinará as medidas de coação a aplicar. Nessa altura, o Ministério Público (MP) deverá pedir a prisão preventiva de Rui Pinto, pois entende que estão preenchidas as três condições para o tribunal concordar com a medida de coação mais gravosa: "Perturbação do inquérito, que é o que o arguido mais tem feito desde que foi detido em Budapeste, pondo em causa a justiça portuguesa; perigo de fuga, pois esteve escondido na Hungria; e continuação da atividade criminosa", sustenta fonte policial que acompanha o caso..As outras duas possibilidades de medidas de coação são, no entender dos investigadores, "pouco plausíveis". Uma seria a prisão domiciliária, outra uma detenção, em regime especial, fora de estabelecimentos prisionais, que só foi ainda utilizada uma vez, com os arrependidos das FP-25. A justiça portuguesa imputa a Rui Pinto a prática de seis crimes: dois de acesso ilegítimo, dois de violação de segredo de justiça, um de ofensa a pessoa coletiva e outro de tentativa de extorsão..A acusação surgiu na sequência de uma investigação ao acesso ilegal aos sistemas informáticos do Sporting e do fundo de investimentos Doyen Sports, tendo depois sido divulgados documentos confidenciais envolvendo contratos de jogadores, treinadores e vários clubes de futebol..A caixa de Pandora.O futuro de Rui Pinto, do ponto de vista judicial e até pessoal, "depende muito daquilo que for a estratégia da defesa", asseveram as mesmas fontes. O hacker já disse que não confia na justiça portuguesa. "Tenho quase a certeza de que não terei um julgamento justo em Portugal. O sistema judicial português não é inteiramente independente; existem muitos interesses escondidos", afirmou o hacker à revista alemã Der Spiegel..Apesar disso, os investigadores da PJ e os magistrados do MP estão convencidos de que Rui Pinto "vai acabar por confiar nas autoridades" e, "para sua própria salvaguarda, colaborar com a investigação". "Se ele quer mesmo ajudar a combater a corrupção e os negócios de fuga ao fisco, principalmente no mundo do futebol, e se tem mesmo informação que possa sustentar inquéritos judiciais, então seremos os seus principais e mais seguros aliados", garante um destes responsáveis..Em França, as autoridades judiciais já analisaram 12 milhões de ficheiros cedidos por Rui Pinto. Esta primeira avaliação, confirmou um magistrado judicial belga, serviu para os especialistas escolherem quais as informações que poderão ser úteis para a investigação sobre a forma como muitos contratos de futebolistas são feitos na Europa..A European Investigative Collaborations, um consórcio que integra vários jornais que têm divulgado os dados publicados pelo Football Leaks, diz que existem 18,6 milhões de ficheiros - 1,9 terabytes de documentos e será a esse material que a PJ deverá ter acesso. Pelo menos esse estará contido nos suportes informáticos (computador, discos externos, cartões de memória e pen drives) apreendidos pela polícia húngara no âmbito da execução do mandado europeu que levou à detenção de Rui Pinto, em Budapeste, no passado dia 16 de janeiro..Todo este material vem diretamente para a Unidade de Cibercrime da PJ, onde existem peritos com capacidade para abrir os ficheiros, mesmo encriptados. "Será uma caixa de Pandora", admite um inspetor desta área. Esta informação poderá ter várias formas de utilização: uma delas para ajudar a consolidar a prova do inquérito aberto contra Rui Pinto; outra servir de base para abrir novos inquéritos; uma terceira para reabrir inquéritos já arquivados por falta de prova. Sublinhe-se que estes ficheiros não podem ser usados de forma direta como prova, pois foram adquiridos através de acesso ilegítimos, mas podem servir de informação crucial para as investigações..Todos os países, com inquéritos abertos neste âmbito, podem também solicitar a Portugal a cedência destes dados..Com Carlos Ferro