A 12.ª edição do LEFFEST promete reunir o que de melhor se faz no mundo da sétima arte, bem como na interligação das muitas propostas culturais como a literatura, a música e as artes plásticas. O destaque será, no entanto, o cinema, com uma grande lista de filmes a serem exibidos nos vários locais onde a programação será exibida. Os críticos do DN Inês N. Lourenço, João Lopes e Rui Pedro Tendinha escolhem os pontos altos dos muitos filmes a não perder..As escolhas de Inês N. Lourenço. Blaze, de Ethan Hawke .Ethan Hawke tem um gosto pessoal pela música que se evidencia em alguns dos seus papéis, mas sobretudo nas suas esporádicas realizações. Blaze, um biopic sobre uma lenda da música country - Blaze Foley (1949-1989) -, marca então o regresso à cadeira de realizador numa deliciosa e genuína expressão indie. A história deste homem é contada com um efeito de caleidoscópico, entre momentos da sua vida que surgem ligados (o palco e a experiência íntima) e o relato do amigo cantor Townes Van Zandt (Charlie Sexton), em entrevista a um locutor de rádio interpretado pelo próprio Hawke. O resultado é um belíssimo filme que extrai da música e do romance de Blaze (Ben Dickey) com Sybil (Alia Shawkat) uma luz melancólica e um enorme calor humano..17 de novembro, 18.30, e dia 19 às 21.45, no Monumental. Transit, de Christian Petzold .Depois de Barbara (2012) e Phoenix (2014), Transit. No cinema do alemão Christian Petzold, o foro privado e a política estão organicamente ligados. As personagens carregam as feridas do seu país na própria pele e os dramas pessoais são enquadrados pelo lado obscuro da história. Ora Transit não difere dessa obsessão cinematográfica e vai mais longe: fala-nos de um refugiado em fuga do regime nazi que fica retido em Marselha... nos dias de hoje. Este homem toma a identidade de um escritor que morreu ao seu lado, e na cidade será constantemente abordado por uma mulher enigmática. É possível conceber semelhante abstração temporal? Pelo modo ágil como Petzold filma a coreografia dos corpos na cidade, sim. Ele continua a ser um nome maior no cinema alemão contemporâneo..20 de novembro, 18.00, e dia 23 às 21.45, nos Cinemas Medeia Monumental. 21 de novembro, 18.00, no Centro Cultural Olga Cadaval. Long Day's Journey into Night, de Bi Gan .Um homem sozinho com as suas memórias ou um homem dentro de um sonho? É nesta zona indefinida que Long Day's Journey into Night trabalha, alimentando no espectador uma estranha sensação de fascínio. Seguimos os passos deste homem à procura da mulher misteriosa que perdeu algures no tempo, entre luzes de néon, salas de cinema e ruas molhadas pela chuva incessante. A câmara suave do chinês Bi Gan revela assim um cinema de gesto e palavra, com um envolvente toque noir e um sentido de composição hipnotizante. Trata-se da sua segunda longa-metragem e, uma vez que ainda não tem distribuição portuguesa, esta passagem no LEFFEST (na seleção oficial em competição) pode ser uma oportunidade exclusiva para o descobrir no grande ecrã..21 de novembro, 18.00, e dia 22 às 15.30, nos Cinemas Medeia Monumental. Vera Drake, de Mike Leigh .Eis um dos melhores filmes do cineasta Mike Leigh, em retrospetiva neste LEFFEST. No seu centro, uma humilde e dedicada mulher que, clandestinamente, ajuda outras mulheres a interromperem gravidezes indesejadas, na Londres de 1950. Um dia o segredo é descoberto e a sua vida desintegra-se... Com esta matéria narrativa e uma mise-en-scène irrepreensível - que não assenta meramente numa restituição de época -, Leigh desenvolve um colossal drama de interiores, fazendo do chamado "realismo britânico" uma gramática muito precisa. Além disso, a riqueza e excelência do elenco deste Vera Drake (2004), a começar pela sua protagonista, Imelda Staunton, é um dos elementos-chave para que o peso do infortúnio passe da tela para a pele do espectador..22 de novembro, 18.00, nos Cinemas Medeia Monumental. A Rapariga na Zona Quente, de Paul Schrader .É um dos títulos fundamentais da retrospetiva de Paul Schrader, e aquele que partilha com o emblemático Taxi Driver (1976) - cujo argumento original é de Schrader - uma incursão no submundo das cidades americanas. Esta é a história de um empresário (George C. Scott) com vincados valores religiosos que um dia se depara com o desaparecimento da filha, vindo esta a ser descoberta por um detetive num filme pornográfico. O que se segue é a verdadeira descida ao inferno de um pai que procura desesperadamente o rasto da sua filha nos lugares e situações mais obscenos, chegando a fazer-se passar por produtor de filmes pornográficos... Tal como noutras obras realizadas por Schrader, A Rapariga na Zona Quente (1979) revela-se uma brilhante e impressionante confluência entre o sagrado e o profano, aqui com um tremendo George C. Scott no cerne dramático..23 de novembro, 18.00, nos Cinemas Medeia Monumental.As escolhas de João Lopes. BEAUTIFUL BOY , de Felix van Groeningen.É bem verdade que algumas entidades exteriores aos grandes estúdios de Hollywood são, cada vez mais, lugares de inusitada diversificação e invenção cinematográfica. Neste caso, estamos perante uma produção da Amazon Studios, encenando os laços especiais, tão intensos quanto frágeis, de um pai e do seu filho toxicodependente. Na delicada subtileza emocional do filme, as interpretações de Steve Carell e Timothée Chalamet são fundamentais - e não será uma surpresa encontrá-los em destaque na temporada de prémios que se avizinha..17 de novembro, 21.00, Centro Cultural Olga Cadaval; dia 21 de novembro, 22h00, Monumental; dia 25, 21.30, Amoreiras. THE HOUSE THAT JACK BUILT, de Lars von Trier.Em 2011, Lars von Trier foi considerado persona non grata pelo Festival de Cannes devido às suas (infelizes) palavras sobre o nazismo. Mais tarde perdoado, regressou em 2018 com esta parábola crua e cruel sobre um assassino (Matt Dillon) que vive os seus crimes como um calvário em direção a uma perfeição utópica... Em boa verdade, o cineasta dinamarquês faz o que sempre fez: criar um labirinto de inocências e culpas que, em última instância, desafiam a segurança moral do espectador. Em tom de fábula dantesca, este é, afinal, um dos filmes mais elaborados, e também mais brilhantes, de toda a sua filmografia..22 de novembro, 21.00, Centro Cutural Olga Cadaval; dia 23 de novembro, 21.30, Monumental. A CORTE DO NORTE , de João Botelho.Baseado num romance de Agustina Bessa-Luís, este é o retrato de uma atriz do teatro português (interpretada por Ana Moreira) em finais do século XIX. O resultado é um jogo de transparências e máscaras que se confunde com uma celebração dos poderes fátuos do próprio cinema, a meio caminho entre a carnalidade e a abstração. Produzido em 2008, integra a retrospetiva de João Botelho organizada pelo LEFFEST e será, por certo, um dos seus títulos "malditos" a merecer uma revisão atenta..22 de novembro, 18.00, Espaço Nimas. MORTE DE UM MATEMÁTICO NAPOLITANO , de Mario Martone.No panorama da atual produção italiana, Mario Martone (n. 1959) é, sem qualquer dúvida, um nome fundamental a descobrir. Nesta produção de 1992, Martone põe em cena a personagem verídica do matemático Renato Caccioppoli (1904-1959), através dele traçando um retrato íntimo que é, de uma só vez, uma reflexão sobre os mecanismos da cena política e uma especulação filosófica sobre as fronteiras e utopias da solidão individual. Estamos, enfim, perante um filme fiel à mais nobre tradição social do cinema de Itália, além do mais com o admirável Carlo Checchi no papel de Caccioppoli..25 de novembro, 15.30, Espaço Nimas. MR. KLEIN , de Joseph Losey.Eis uma obra-prima do cinema europeu que se tornou uma raridade, sendo, por isso mesmo, virtualmente desconhecida das gerações mais novas. Realizado pelo americano Joseph Losey (1909-1984), este é o retrato de um homem que, devido ao seu apelido (Klein), é confundido com um judeu na França de 1942, em plena ocupação alemã... Aquilo que parece um banal incidente burocrático vai transfigurar-se num pesadelo existencial, revelador da violência inerente à máquina de guerra nazi. Raras vezes o cinema terá sabido mostrar de forma tão subtil e perturbante a sensação de perda de identidade num contexto político adverso - sem esquecer que, no papel central, Alain Delon tem aqui aquela que é, muito provavelmente, a composição mais sofisticada de toda a sua carreira..24 de novembro, 19.30, Monumental.As escolhas de Rui Pedro Tendinha.TOUCH ME NOT, de Adina Pintilie.Foi o surpreendente mas justo Urso de Ouro de Berlim. Um ovni que é tão ovni que nem aos Prémios do Cinema Europeu está nomeado como melhor filme. Adina Pintilie, uma cineasta do lado da performance, mescla ficção e documentário numa odisseia de intimidade de três pessoas que, à partida, nada têm em comum. Touch Me Not é uma bofetada nos cinéfilos de bafio fedorento que julgavam que era impossível hoje reinventar a sexualidade em cinema. E isso num filme para lá das palavras....24 de novembro, 21.45, Monumental. ROMA, de Alfonso Cuarón .Faz figura de grande acontecimento neste festival, sobretudo por ter vindo de Veneza com Leão de Ouro e por em Portugal chegar ao streaming da Netflix em dezembro, ao mesmo tempo que a sua estreia nas salas. Dê por onde der, é o grande campeão do circuito dos festivais da rentrée e o principal favorito nesta temporada dos prémios. Cuarón encena as suas memórias da infância num bairro chamado Roma, na Cidade do México. A relação da sua família com a empregada, o divórcio dos pais e a mudança social de um país. Trata-se sobretudo de um objeto de cinema feito por um cineasta perto do essencial do ser humano. Um dos grandes filmes do ano!.25 de novembro, 16.00, Centro Cutural Olga Cadaval. VOX LUX, de Brady Corbet .Depois de O Nascimento de Um Líder, Brady Cobert, ator de Haneke, consagra-se como realizador. Para esta segunda obra, inicialmente pensada para Rooney Mara, pega em Natalie Portman e transforma-a em pop star magoada. Um estudo sobre o peso da celebridade nos nossos dias e que em Veneza e em Toronto dividiu a imprensa. Da nossa parte, braços completamente escancarados para uma obra toda ela no limite, feita com uma profundidade quase cósmica. Sem medos e com uma imensa Natalie Portman e um desconcertante Jude Law..20 de novembro, 21.30 Monumental; 22 de novembro, 18.30, Centro Cultural Olga Cadaval. JIA ZHANGKE - UM HOMEM DE FENYANG, de Walter Salles .O mais fascinante cineasta chinês pela câmara de Walter Salles, fã e investigador de um percurso improvável. A incrível odisseia de um homem baixo de Fenyang que vingou como mago dos filmes de autor desta nova China e que veio a criar também um império económico, estando agora também com cargo político nessa região. Walter Salles é terno no galhardete e há qualquer coisa de comovente nesta peregrinação à terra de Jia. Um documentário que é ainda um encontro de cineastas e uma troca de ideias cinéfilas. Claro que é para fãs do chinês mas também capaz de converter muito boa gente. Chega ao Leffest depois de uma antestreia já há algum tempo no Festival Luso-Brasileiro de Santa Maria da Feira, com a presença de Salles..25 de novembro, 15.00, Monumental. AS HERDEIRAS, de Marcelo Martinessi .Sabiamente escrito, este pequeno filme do Paraguai foi uma das surpresas do Festival de Berlim, colocando no mapa Marcelo Martinessi, jovem talento que filma como um veterano. Um cinema com um rumor de morte que nos conta a utópica história de amor de Checa, uma senhora lésbica perto dos 70 anos, com uma mulher bastante mais jovem. Meticulosamente arejado, é sempre um filme que parece ter crença total nos grandes planos. Marcelo Martinessi torna-nos cúmplices desta atração romântica. A boa notícia é que está comprado para Portugal....18 de novembro, 21.00, Monumental.Para consulta do programa integral do LEFFEST ver http://www.leffest.com/