Não é arrendamento, não é compra de habitação, mas permite ficar durante toda a vida na mesma casa. Chama-se Direito Real de Habitação Duradoura (DHD) e é um novo mecanismo, ontem aprovado em Conselho de Ministros, que tem como anunciado objetivo garantir maior estabilidade na habitação, dando também acrescidas garantias aos senhorios. Mas nem os inquilinos nem os proprietários veem vantagens neste novo modelo que, antecipam, terá baixíssimos níveis de adesão..Para Romão Lavadinho, presidente da Associação dos Inquilinos Lisbonenses (AIL), esta "é uma solução que não vai resolver nenhum dos problemas dos inquilinos". "E não sei se resolverá algum dos proprietários", acrescenta.."Um inquilino que tem de dar 10% a 20% do valor da casa e depois fica sujeito a pagar uma renda... O que sucede aqui é que o inquilino paga e não fica com a casa. Então uma pessoa que tem 20% do valor de uma casa vai arrendá-la? Porque é que não compra? Fica com a possibilidade de, 30 anos depois, ter uma casa sua, aquilo que pagou é para si", critica o líder da AIL..Romão Lavadinho não tem dúvidas do que deve fazer um inquilino perante este novo regime: "Deve comprar casa." E antecipa uma "adesão diminuta, se não for quase nula", a este Direito Real de Habitação Duradoura que, quanto muito, "será para uma minoria, um nicho de pessoas". "A associação tem grandes dúvidas de que os inquilinos entrem neste jogo", diz o presidente da AIL, que resume assim o novo mecanismo: "Estamos a transformar os inquilinos em banqueiros para apoiar os proprietários."."A capacidade de invenção deste governo é infinita", diz, por seu lado, António Frias Marques. O presidente da Associação Nacional de Proprietários fala num "produto híbrido, nem arrendamento nem compra", que "não vai ter pernas para andar" porque "não terá a aceitação de ninguém". "Só quem não conhece o mercado de arrendamento e o mercado de compra e venda é que pode sair-se com estas ideias. Falar de uma casa para toda a vida é um absurdo, não faz sentido nenhum, o que pretendemos é a mobilidade das pessoas. Isto é colocar algemas às pessoas", defende o representante dos proprietários, que duvida de que a medida tenha aceitação também do lado dos inquilinos - "Imagine-se uma casa de 200 mil euros. Qual é o inquilino que paga 40 mil euros à cabeça para fazer esta espécie de negócio? O inquilino-tipo em Portugal não tem 40 mil euros no bolso." Conclusão: a exequibilidade da medida "é zero"..Como vão funcionar os contratos vitalícios?.De acordo com o que foi anunciado ontem pelo governo (o decreto que institui este mecanismo não foi tornado público), o Direito Real de Habitação Duradoura implicará a assinatura de um contrato, mediante o qual o morador paga ao proprietário 10% a 20% do valor comercial do imóvel (o valor exato é negociável entre as partes, dentro destas balizas). Depois, o residente fica a pagar uma mensalidade, livremente fixada entre ambos, atualizada anualmente ao valor da inflação..O contrato pode ser denunciado a qualquer momento pelo inquilino, mas não pelo proprietário. Em caso de denúncia do contrato, se esta ocorrer durante os primeiros dez anos de vigência, o proprietário fica obrigado a devolver a totalidade da caução inicial. A partir daí, é descontado a cada ano 5% do valor da caução. Cumpridos 30 anos de contrato, já não haverá lugar à devolução de qualquer montante..O decreto ontem aprovado prevê a possibilidade de o morador, "se precisar de contratar crédito para financiar a caução", poder hipotecar não a casa (que não é sua), mas o próprio Direito de Habitação Duradoura. "O que está a dar como garantia é o direito de habitação duradoura e não a propriedade", explicou ao DN a secretária de Estado da Habitação, Ana Pinho. "Temos de ter a banca disponível para a criação de um produto, para a oferta de um produto com estas características. Nós fazemos uma proposta de funcionamento da hipoteca, para a fazer conversámos com várias entidades do sistema financeiro, mas nada põe em questão que agora, no período de consulta alargada, se possa aperfeiçoar com os contributos de várias entidades", acrescenta..O contrato mantém-se em vigor em caso de venda do imóvel pelo senhorio, e cessa com a morte do morador, voltando o imóvel à plena posse do proprietário..De acordo com a secretária de Estado, com este regime as obras de conservação ordinárias de que o imóvel necessite ficam a cargo do residente. Já as "obras de conservação extraordinária serão a cargo do proprietário". Não estão previstos benefícios fiscais aos senhorios: "Não fazemos qualquer proposta de alteração de fiscalidade, será aplicada a tributação de rendimentos prediais.".Governo promete "mais estabilidade" e "maior flexibilidade".De acordo com Ana Pinho, este novo mecanismo surge para responder à necessidade de estabilidade e segurança na habitação, ao mesmo tempo que permite uma maior flexibilidade e mobilidade dos residentes vitalícios. "Sentimos a necessidade de criar um instrumento que permitisse, do ponto de vista dos agregados familiares, ter segurança e estabilidade sem para isso precisarem de assumir os encargos com a compra de uma casa e também sem ficarem sem as amarras e o peso inerente à aquisição", refere a responsável do governo..Sublinhando que "o arrendamento não está a dar a algumas famílias, nesta altura, as condições de segurança e estabilidade que gostariam", acabando por "ir pela via de compra de uma casa própria", Ana Pinho defende que esta é "solução alternativa", dado que os moradores poderão mudar de habitação "com uma facilidade muito maior relativamente à compra da casa"..Já quanto aos proprietários, aponta como vantagens de adesão a este novo modelo "poderem ter uma capitalização sem perderem a propriedade", a "diminuição dos encargos" com a gestão do imóvel e "uma grande redução do risco de incumprimento", dado que têm em seu poder uma caução elevada. E quando esta deixa de existir o proprietário continua a beneficiar de uma proteção acrescida, uma vez que, ao incorrer em incumprimento, o "morador estaria a pôr em causa um direito pelo qual já pagou".