Quando regressou à Bélgica, em julho do ano passado, o ex-presidente da Generalitat Carles Puigdemont deixou claro que o apoio dos independentistas catalães à moção de Pedro Sánchez contra Mariano Rajoy não seria um cheque em branco.."A um presidente é concedido um estado de graça (...) podemos conceder que se instale, que respire, que se expresse, que possa comparecer no Parlamento para conhecer as suas políticas. É isto que se está a passar com Sánchez. Agora isto não é um cheque em branco para Sánchez", declarou o ex-presidente autoexilado, a viver atualmente em Waterloo, depois de o líder socialista ter sucedido a Rajoy, do Partido Popular, no Palácio da Moncloa..Os independentistas, que a 1 de outubro de 2017 organizaram um referendo ilegal sobre a independência da Catalunha, iriam fazer as suas exigências. E fizeram. Repetindo as do referendo, ou seja, o direito à autodeterminação dos catalães. O líder do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), tal como aconteceu com Rajoy, do PP, não pôde aceitar tal exigência. Em nome da unidade de Espanha. E da defesa da Constituição espanhola. E assim se chegou ao momento atual..Não conseguindo fazer o socialista vergar às suas condições, tal como ameaçara Puigdemont, os independentistas da Esquerda Republicana da Catalunha (ERC) e Partido Democrata Europeu da Catalunha (PDeCAT) tiraram o tapete debaixo dos pés de Sánchez e chumbaram o Orçamento do Estado para 2019. Juntamente com os deputados do Partido Popular, do Ciudadanos, da Coligação Canária, do Foro Astúrias, da União do Povo Navarro e duas deputadas do grupo Unidos Podemos: a galega Alexandra Fernández, em confronto com os colegas do En Marea, e a catalã Marta Sibina, do En Comú, em protesto pelo bloqueio dos barcos de ajuda humanitária no Mediterrâneo (segundo a Europa Press)..Ao lado de Sánchez - o PSOE carece de maioria absoluta no Parlamento espanhol - votaram, além dos socialistas, o resto do grupo do Unidos Podemos, o Partido Nacionalista Basco e o Compromís, tendo o deputado da Nova Canárias, Pedro Quevedo, optado pela abstenção. Assim sendo, Espanha fica bloqueada, vivendo com o Orçamento aprovado por Rajoy em 2018. Perante o impasse, o primeiro-ministro tem agora duas opções, uma é apresentar novas contas, outra é antecipar as eleições legislativas que, em circunstâncias normais, se realizariam apenas em 2020. Sánchez, de 46 anos, fez saber que comunicará a decisão ao país, na sexta-feira, após uma reunião do Conselho de Ministros..Que opções tem Pedro Sánchez após o chumbo do Orçamento do Estado para 2019?.Segundo o ABC, a outra vez em que Espanha esteve confrontada com uma situação semelhante foi em 1995, quando o então primeiro-ministro, Felipe González, também do PSOE, viu as suas contas chumbadas pelo Parlamento depois de perder o apoio da Convergência e União (CiU), coligação independentista catalã, antecessora do que é hoje o PDeCAT. Na altura, González, um dos barões socialistas que frequentemente criticam abertamente Sánchez, decidiu-se por eleições antecipadas..Após ver o Orçamento do Estado para 2019 ontem chumbado no Parlamento espanhol, Sánchez fez saber que comunicará a sua decisão ao país na sexta-feira, após reunião do Conselho de Ministros, sendo a hipótese das eleições a mais provável. Até por uma questão de coerência da parte do líder socialista que, há um ano, exigiu que Rajoy antecipasse as legislativas se não conseguisse fazer aprovar pelos deputados o Orçamento do Estado para 2018. "Ou Orçamento ou eleições. Se Rajoy não conseguir fazer aprovar o Orçamento exigiremos que se submeta a uma moção de confiança. Se a perder, não terá desculpas para não convocar eleições", escreveu, a 5 de março, no Twitter..Na altura, Sánchez classificava Rajoy como "um condutor que adormeceu ao volante de um país". E sublinhava que o poder de decisão por parte do Parlamento tinha uma força indiscutível num país democrático como Espanha. "Vivemos numa democracia parlamentar. Se não consegue fazer aprovar uma das principais leis tem uma obrigação constitucional para com os cidadãos. Se perder, o senhor Rajoy não terá desculpas para não antecipar as eleições.".Porque é que os independentistas catalães chumbaram o Orçamento?.Na semana passada o governo espanhol aceitou a ideia de formar uma mesa de negociações composta por partidos, ao mesmo tempo em que se mantinha aberto o diálogo entre a Moncloa e a Generalitat. Seria criada uma figura neutra para acompanhar as conversações. Os independentistas queriam chamar-lhe mediador. O Executivo espanhol relator..Esta concessão de Madrid foi depois retirada, quando ficou claro que a Generalitat da Catalunha, atualmente presidida por Quim Torra, delfim de Puigdemont, iria insistir num referendo sobre a autodeterminação daquela autonomia..Apesar do recuo de Sánchez, era já tarde para fazer assentar a tempestade política, levando os espanhóis às ruas. Pablo Casado, sucessor de Rajoy na liderança do PP, acusou Sánchez de cometer "alta traição". O Ciudadanos de Albert Rivera juntou-se aos populares na convocação de uma manifestação em Madrid, no passado domingo, a exigir a queda do Executivo socialista e a convocação de legislativas antecipadas em Espanha..A indignação não ficou por aqui e chegou também ao próprio PSOE. Vários líderes regionais socialistas e deputados criticaram a concessão de Sánchez. Sobretudo no que tocava à questão do relator. Algo que os independentistas catalães sempre quiseram foi internacionalizar a questão catalã e criar mesas de diálogo com mediadores, como se de uma mediação de conflito entre beligerantes semelhantes se tratasse. Porém, Espanha é um Estado, membro da UE, a Catalunha uma das regiões autonómicas desse mesmo Estado chamado Espanha..Torra disse também, na semana passada, que se os 12 independentistas catalães que começaram a ser julgados nesta terça-feira por causa da organização do referendo de 1 de outubro de 2017 forem condenados, não pensa convocar eleições autonómicas antecipadas na Catalunha mas sim aplicar a Declaração Unilateral de Independência (DUI). Esta foi aprovada apenas pelos independentistas no Parlamento catalão a 27 de outubro de 2017 e estabelece uma lei de transição para uma República independente da Catalunha. O Tribunal Constitucional de Espanha suspendeu-a a 31 de outubro do mesmo ano. E a 8 de novembro, também ainda de 2017, ditou a sua inconstitucionalidade..Numa primeira tentativa de aproximação, para sondar o apoio independentista ao Orçamento de 2019, Pablo Iglesias, líder do Podemos e aliado de Sánchez nalgumas ocasiões, foi à prisão dialogar com o líder da ERC, Oriol Junqueras, em outubro do ano que passou. Junqueras é um dos 12 independentistas que estão a ser julgados. Está preso por rebelião, sedição e peculato na organização do referendo de 1 de outubro de 2017 e consequente declaração unilateral de independência de uma República da Catalunha. Enfrenta uma pena de até 25 anos..Criticando esta jogada de Iglesias, em articulação com Sánchez, o líder do Ciudadanos, Albert Rivera, disse na altura: "É uma humilhação para muitos espanhóis que o Orçamento do Estado seja negociado na prisão. Estão a dar as chaves para negociar temas como o da educação e o da saúde àqueles que tentaram liquidar a democracia", afirmou num encontro em outubro com jornalistas estrangeiros, em Madrid, o líder do partido que nasceu na Catalunha para lutar, precisamente, contra a ideia da independência desta autonomia em relação ao Estado espanhol..Quem defende que Espanha tenha eleições antecipadas e em que datas?.Quem sempre tem defendido, em todos os cenários, eleições antecipadas, tem sido Albert Rivera. Mesmo quando Sánchez apresentou - e ganhou com o apoio dos independentistas e outros partidos pequenos - a moção de censura contra Rajoy, o líder do Ciudadanos e os seus deputados optaram pela abstenção por defenderem novas legislativas. Isto porque esta seria a opção que mais beneficiaria o partido, que tem ocupado boa posição nas sondagens, a nível nacional..O Partido Popular, de Pablo Casado, também quer, obviamente, eleições antecipadas. O mesmo defendem o PDeCAT e o Podemos. Após a rejeição do Orçamento, o partido de Iglesias saiu, rapidamente, da categoria de aliado de Sánchez. "Fizemos todo o possível, até ao último momento, para fazer aprovar este Orçamento. Trabalhámos constantemente com o governo e com o resto dos partidos para acabar com os cortes de Rajoy e começar a melhorar o bem-estar social do nosso país", lê-se num tweet da conta oficial do partido de Iglesias, o qual obtivera, em troca do apoio ao Orçamento, a garantia de que o governo socialista de Sánchez iria aumentar o salário mínimo em Espanha..A questão, neste momento, é saber quando é que as eleições poderiam então ter lugar. A data que é apontada como mais provável é o dia 28 de abril e, para isso, o decreto de convocatória e dissolução teria de ser publicado no Boletim Oficial do Estado no próximo dia 5 de março. Há ainda a hipótese de fazer coincidir as legislativas com as eleições europeias, autonómicas e municipais, a 26 de maio, em Espanha. No entender do líder da oposição, Pablo Casado, "o lógico" era Sánchez apontar as eleições para 26 de maio porque dessa forma, disse, evitaria "o custo de 200 milhões de euros" que pressupõe a realização de todos aqueles atos eleitorais em datas separadas..Contra a concentração de eleições manifestou-se, por outro lado, o presidente do Partido Nacionalista Basco, Andoni Ortuzar. Em entrevista à rádio basca Herri Irratia, o líder nacionalista do País Basco criticou um "superdomingo" eleitoral, afirmando: "Seria mau para a democracia que houvesse cinco urnas diferentes [a 26 de maio]." O líder basco criticou que no debate do Orçamento falou-se de tudo menos do Orçamento. "Falaram da Catalunha, de vender Espanha, da sua rutura, do relator, mas nem um número, nada. Tudo girou à volta, por um lado, do tema de eleições antecipadas, por outro do tema catalão, quando um debate sobre o Orçamento tem de ser sobre outras coisas.".Seja como for, se houver eleições antecipadas, ERC e PDeCAT, tão unidos contra o governo espanhol, poderão rapidamente a ser concorrentes na disputa por votos. Até porque o chumbo do Orçamento do Estado para 2019 deixa em suspenso a transferência de 1,5 milhões para a Catalunha e 900 milhões de investimentos na mesma autonomia. A forma como estes dados serão usados na campanha eleitoral, se houver mesmo eleições, ainda está para ver..Outro detalhe a ter em conta é o de a campanha eleitoral ir decorrer ao mesmo tempo do que o julgamento dos independentistas catalães em Madrid. "Logicamente, uma campanha eleitoral poderá interferir nesse julgamento", admitiu Carles Campuzano, porta-voz parlamentar do PDeCAT, dizendo que, apesar de nada impedir em termos legais que as eleições aconteçam agora, "em termos políticos é mais discutível". Campuzano defendeu, por isso, que as eleições se realizem apenas depois de conhecida a sentença do Supremo Tribunal para os 12 independentistas catalães atualmente em julgamento. Espera-se que este dure, pelo menos, três meses..Assim, os independentistas catalães, que em circunstâncias normais concentrariam energias para fazer do julgamento uma demonstração da repressão do Estado espanhol, poderão ser obrigados a desviar esforços para uma campanha eleitoral. Algo que poderia beneficiar outros partidos. Sobretudo se surgirem cisões no independentismo..Sánchez tem trunfos contra independentistas catalães e coligação de direita andaluza?.Além de, durante a campanha para umas eleições antecipadas, poder vir a beneficiar de eventuais divisões que possam surgir entre os independentistas, leia-se ERC e PDeCAT, Sánchez poderá ainda tentar mobilizar os espanhóis, assustando-os com a possibilidade de virem a ter, a nível nacional, uma coligação de direita, como a que está atualmente no poder na Andaluzia..Depois de o PSOE ter tido o seu pior resultado nas eleições autonómicas de 2 de dezembro na Andaluzia, PP e Ciudadanos uniram-se para tirar Susana Díaz do poder e assumir o poder na Junta da Andaluzia. Conseguiram-no, com o apoio do Vox, partido de extrema-direita liderado por Santiago Abascál, que em dezembro surpreendeu tudo e todos ao conseguir eleger 12 deputados naquelas mesmas eleições andaluzas. Tentando menorizar críticas, o líder do Ciudadanos, Albert Rivera, chegou a afirmar que o Vox é populista, sim, mas não de extrema-direita..Já no próximo sábado, Sánchez vai a Sevilha, na Andaluzia, para apoiar a candidatura a presidente da Câmara dessa cidade do socialista Juan Espadas. A seu lado, estará a ex-presidente da Junta da Andaluzia e sua eterna rival dentro do partido Susana Díaz. Será de esperar que, nessa ocasião, o primeiro-ministro dê início a uma estratégia de alertar os espanhóis para o perigo de ter um governo PP-Ciudadanos-Vox a governar Espanha. Na altura, Díaz, que chegou a culpar Sánchez pela derrota do PSOE na Andaluzia, por causa das cedências que fez aos independentistas catalães, terá duas opções: ficar ao lado do líder socialista contra uma direita que, neste momento, está unida; ou tentar, mais uma vez, concorrer com ele..Considerando que é preciso pôr fim "à chantagem independentista", o líder do PP nacional, Pablo Casado, considerou que os populares vão sair vencedores das eleições antecipadas e admitiu, desde logo, possíveis pactos de governo com o Ciudadanos e com o Vox. Tal como na Andaluzia. "Teremos a capacidade de chegar a acordos caso não consigamos chegar à maioria absoluta necessária", afirmou Casado, em conferência de imprensa, no Parlamento espanhol..O que dizem as sondagens em Espanha?.Uma média de sondagens publicada nesta quarta-feira pelo El País dá ao PSOE 24% das intenções de voto, ao PP 21%, ao Ciudadanos 18%, ao Unidos Podemos 15% e ao Vox 11%..Nas legislativas de 26 de junho de 2016, o PP teve 33%, o PSOE 22,6%, o Unidos Podemos (Podemos+Esquerda Unida+outros) teve 21%, o Ciudadanos 13%..Tudo depende dos resultados, mas, no final de contas, poder-se-ia dar o caso de nenhum dos blocos conseguir maioria absoluta de 176 deputados: nem PP-Ciudadanos-Vox nem PSOE-Unidos Podemos. Aí, apresentar-se-iam duas opções: negociar com partidos mais pequenos e voltar a ficar nas mãos de independentistas e afins; ir para novas eleições..Isso já aconteceu, precisamente em 2016, depois de não se ter conseguido formar um governo em Espanha com o resultado das legislativas de 20 de dezembro de 2015..Um tal cenário, prolongaria a situação de fragilidade do governo espanhol, já patente, para lidar com questões tão complexas como o Brexit ou a transição na Venezuela.