O mau resultado que o CDS teve nas europeias é preocupante para o partido? Poderá repetir-se agora nas legislativas? Não há dúvida nenhuma de que as europeias são sempre uma espécie de primárias relativamente àquilo que poderão ser os resultados nas legislativas. Tenho vindo a fazer críticas em relação à atual direção e à linha que está a seguir e já tinha dito que isto podia acontecer. Ou seja, que o resultado eleitoral do CDS poderia ser um resultado mau. Nunca pensei que fosse tão mau..É a mensagem de Assunção Cristas que não está a resultar? Há dois aspetos que podem justificar este resultado eleitoral e que têm que ver com a linha seguida por Assunção Cristas. Há dois pontos fracos na sua liderança. Primeiro, Assunção Cristas não apostou na implantação autárquica do partido. E esse é um ponto crucial, porque o CDS, quando teve melhores resultados eleitorais, era quando tinha uma maior implantação autárquica. No tempo do Eng.º Adelino Amaro da Costa e do Dr. Freitas do Amaral, o CDS tinha cerca de 38 presidentes de câmara, neste momento tem seis; tinha cerca de 500 vereadores, neste momento acho que nem chega a 50; tinha 600 presidentes de junta, neste momento tem poucas dezenas. Este aspeto, que foi descurado, já vem de trás, mas não só durante o consulado de Assunção Cristas, é extraordinariamente importante para o que poderá ser um sucesso eleitoral..Porquê? Porque os melhores agentes políticos são os que estão nas terras, são aqueles que têm proximidade com as bases, com as pessoas. E, portanto, são os autarcas. Sem autarcas e sem pessoas que divulguem a mensagem junto das pessoas é muito difícil que ela passe. Há outro ponto que também justifica este resultado eleitoral, é que Assunção Cristas não tem seguido uma linha coerente relativamente aquilo que é o projeto de direita sério e credível em Portugal. Assunção dá sinais contraditórios e desce ao que é oportunismo político, àquilo que poderão ser eleitores voláteis que estão no centro e que ora votam mais à esquerda ora votam mais à direita. Isto é muito preocupante para um partido que deveria estar muito bem definido ideologicamente..E não está? O CDS, neste momento, não é um partido muito bem definido ideologicamente. Aliás, a presidente do CDS diz que neste momento não existe ideologia dentro do CDS e assim caem por base as linhas orientadoras de um partido..Mas o CDS sempre teve várias correntes, conservadora, liberal, democrata-cristã... Relativamente a essas linhas que foram seguidas no partido, e realmente Adelino Amaro da Costa era profundamente democrata-cristão. Depois passámos para uma fase liberal com o Dr. Lucas Pires e a seguir para um partido altamente conservador com Adriano Moreira, que de alguma forma foi seguida por Manuel Monteiro. A fase democrata-cristã foi aquela em que o partido teve melhores resultados eleitorais, nomeadamente em 1976 a 80, o partido teve mais de 40 deputados. A fase liberal de Lucas Pires não correu bem, a única parte da sua estratégia com a qual concordo foi o facto de ele querer distanciar o CDS do PSD e torná-lo uma força política autónoma, com ideias próprias, sem usar as fraquezas do parceiro de coligação para efetivamente sobressair..E a estratégia oposta à de Assunção Cristas? Uma das falhas graves é o CDS não se apresentar como uma força autónoma, distinta do PSD. O CDS apresenta-se sempre como eventualmente uma muleta do PSD, aproveitando as fraquezas desse mesmo PSD para sobressair. A lógica não pode ser esta, tem de ser de aprofundamento da ideologia e depois apresentar um programa e uma linha de ação. O que acontece é que não temos nem programa nem linha de ação..O programa tem vindo a ser apresentado, medida a medida... As medidas não lhe agradam? Dou o exemplo dos universitários e determinadas pessoas terem acesso ao ensino superior através do pagamento de determinadas propinas. Isto é nitidamente o exemplo acabado do não privilegiar o mérito. Quem tem dinheiro pode efetivamente aceder ao ensino superior. É uma medida profundamente errada perante aquilo que foi sempre a lógica do CDS. Porque o partido sempre apostou na meritocracia e não na possibilidade de as pessoas, só porque têm dinheiro, terem acesso a lugares. As grandes questões de soberania também não têm sido focadas pelo CDS e pelo PSD, como a política externa, segurança, justiça e defesa nacional, que são questões caras à direita..O partido andar mais ao sabor da conjuntura, como diz, não vem já da altura da liderança de Paulo Portas? Começou. Agora há uma grande diferença entre o Dr. Paulo Portas e a Dra. Assunção Cristas. Paulo Portas conseguia através da sua habilidade convencer as pessoas de que o que ele preconizava era, de facto, aquilo que poderia ser interessante e útil para o país. A Dra. Assunção Cristas não consegue convencer. A mensagem que ela passa não é credível. Dou outro exemplo. O atual programa do CDS tem uma medida plagiada do Partido Comunista da China, que é um crédito social. As pessoas monitorizadas em função dos seus comportamentos e se foram positivos em relação ao ambiente têm um prémio. Isto é uma intrusão cívica na vida das pessoas. Como é que um partido democrata-cristão pode permitir uma situação dessas e como é que pode copiar uma medida do PC da China. Depois há afirmações da líder do partido, como a que compreendia que as "ocupações" de habitações pudessem ser feitas de forma ilegal porque as pessoas precisam de casa. Não está em causa essa situação, obviamente que uma pessoa que necessita de casa, e se não tem possibilidades financeiras, tem de ser o Estado a resolver esse assunto. Agora compreender ocupações ilegais...? Que eu saiba só o Partido Comunista no tempo do PREC é que defendia isso. Isto são coisas que dão ao eleitorado sinais contraditórios, que acaba por não se identificar..O partido também já teve uma identidade muito sólida e maus resultados eleitorais... Quando em 1987, com o professor Adriano Moreira, tivemos o pior resultado de sempre, que foram 4,4%, não podemos esquecer-nos de que a conjuntura era completamente diferente. E mesmo assim não dava sinais contraditórios. Era um homem firme e vertical sobre o que eram as suas ideias. E se queremos reerguer o partido temos de ser coerentes e verticais naquilo que defendemos. O próprio Lucas Pires, que foi fortemente contestado no partido, e conheço muita gente que saiu quando ele assumiu a liderança, era também um homem coerente nas suas ideias. Obviamente que era chamado o "conservador liberal". Mas tenho-me batido contra essa ideia, uma pessoa que é conservadora não pode conceber as ideias de um liberal, até porque um liberal defende os direitos LGBT, o casamento homossexual, o aborto. Como, aliás, temos um homem dentro do CDS, que já foi vice-presidente, e que defende isso, que é o Adolfo Mesquita Nunes..E que é um dos obreiros do programa do CDS. Sim, um dos obreiros. Mas mais, não se consegue perceber que o CDS se ponha ao lado do PCP para aprovar uma proposta do PS sobre o aumento das remunerações dos magistrados. Também não se compreende que o CDS se ponha ao lado do BE para aprovar o nome de uma rua de uma senhora brasileira que é conotada com a extrema-esquerda brasileira, a Marielle Franco..Não havendo sinais de mudança de discurso e de propostas, o partido posiciona-se da mesma forma que nas europeias? Infelizmente, as sondagens até apontam para pior. A Dra. Assunção Cristas tentou emendar a mão, nomeadamente noutro aspeto muito negativo da atual direção. O eleitorado clássico do CDS não gosta de chicana política, não gosta de que uma pessoa vá para a Assembleia da República e chame mentiroso ao primeiro-ministro e adote uma postura demasiado agressiva naquilo que é a sua intervenção nos debates parlamentares. E isso ofende determinado eleitorado. A líder arrepiou caminho, tem tido um comportamento diferente e, nesse sentido, aplaudo porque acho que as pessoas devem reconhecer os erros, mas acho que é curto. As pessoas percebem que houve uma alteração de comportamento em função do que pretende nas urnas, que é um resultado menos mau do que nas europeias..Menos mau apenas? Já ouvi dizer que a Dra. Assunção Cristas já baixou a fasquia, já nem fala propriamente em percentagens, quando ela, no congresso de 2018, veio dizer que queria ser primeira-ministra de Portugal, embalada pelo resultado que tinha tido em Lisboa. Considero que o eleitorado em geral percebe as coisas. Não pode convencer-se o eleitorado com sinais contraditórios..Se o resultado eleitoral for próximo do que aparece nas sondagens, Assunção Cristas tem condições para se manter na liderança do partido? Não sei responder a essa pergunta, porque considero que o CDS está tomado por uma máquina anquilosante, extraordinariamente forte e blindada que não permite sequer vozes discordantes. E isto leva a acreditar que se o resultado for muito mau e se a máquina considerar que ela não tem condições para continuar provavelmente vai arranjar uma solução. Mas, como eu disse na altura do Dr. Paulo Portas, quando declarou publicamente que queria sair do partido, que iria haver uma renovação na continuidade, continuamos dentro do CDS com uma linha notoriamente portista. A Dra. Assunção Cristas não é mais do que uma continuidade do que foi a política de Paulo Portas. E a política de Paulo Portas estava crivada de incoerências, só que a maneira como ele expunha as questões e a habilidade que ele tinha para a iludir era diferente e, portanto, convencia as pessoas..Não é só o CDS a aparecer com maus resultados nas sondagens, o PSD também. Se a direita tiver realmente resultados desastrosos, o que pode acontecer neste espaço pós-eleições? Pode haver uma reconfiguração da direita? Considero que há uma falência das democracias liberais e, em Portugal, os partido clássicos, se não mudam de discurso, se não mudam de lógicas e, sobretudo, se não começam a lutar contra o sistema, eles próprios vão ter tendência a extinguir-se. À exceção do PSD e do PS, e agora mais o PS, temos tido partidos que têm funcionado junto do eleitorado por serem partidos antissistema. Por exemplo, o Bloco de Esquerda foi durante muitos anos um partido antissistema e foi essa característica que permitiu que o BE crescesse junto do eleitorado. Porque neste momento não estamos numa era de causas, mas de pessoas. As pessoas querem que os seus problemas sejam resolvidos e quando os partidos apelam à resolução dos problemas reais das pessoas obviamente que as pessoas votam neles. Outro exemplo, o PAN, um partido antissistema que está efetivamente a crescer junto do eleitorado. Vemos que temos uma direita que está com uma lógica e um discurso que nada tem que ver com as suas identidades e está a esvaziar-se, está a perder eleitorado. Que não vai necessariamente só para partidos novos que surgiram à direita do CDS. Esse eleitorado também está a virar-se para partidos como o PAN..A agenda ecológica tem sido desprezada pelos partidos de direita? Sim, o PAN tem um discurso ecologista e, em Portugal, a direita não considera que na sua agenda devam constar temas ambientais e de sustentabilidade. Mas porquê? Se os conservadores britânicos têm a agenda verde. Em Portugal, falamos esporadicamente desses temas. O PSD e o CDS falam desse tema nas campanhas eleitorais, mas depois não concretizam isso na prática. E as pessoas sentem-se de alguma forma defraudadas com temas que são absolutamente essenciais, porque têm que ver com a sobrevivência de todos. A direita, PSD e CDS, em questões concretas das pessoas, não tem dado a devida importância..Tais como? As questões da habitação, que é uma questão completamente descurada pelo atual governo, têm-se debatido de uma forma desastrada sobre as listas de espera na saúde, nomeadamente para os doentes com cancro, as questões com atrasos no subsídio de desemprego. Enquanto os partidos convencionais não acabarem com a lei de ferro dos partidos, com a oligarquia que existe dentro das suas máquinas, não vão conseguir bons resultados eleitorais. Porque as pessoas percebem que os representantes desses partidos estão nas autarquias, nas estruturas do partido ou eventualmente na Assembleia da República não por mérito, mas porque ascenderam dentro do partido em função da sua antiguidade. Enquanto não pusermos a nu que as máquinas partidárias são uma fábrica de fazer pessoas para servir os seus próprios interesses não vamos sair disto, mas as pessoas dentro do PSD e do CDS já estão a perceber isto. Dou mais um exemplo: porque continuamos dentro do CDS a não aceitar que as pessoas sejam eleitas pelos círculos eleitorais de onde são naturais ou onde residem? O Telmo Correia vai por Braga e é de Lisboa... Mas há muitos outros exemplos e isto descredibiliza o partido e, por outro lado, não permite que haja uma proximidade entre eleitos e eleitores..Se há vozes críticas no CDS e até tendências, porque não se unem para tentar mudar o que consideram errado e a lógica de oligarquia no partido? Nunca tive nenhuma solicitação no sentido de conversar, nem com a direção nem com outras tendências dentro do partido. Reconheço que, dentro de um partido político, quanto mais frações existirem e mais divisões mais enfraquecem esse partido. E para que a situação se resolvesse era necessário uma frente de combate dentro do partido, agora não há coragem para isso. Tirando uma ou duas pessoas no último congresso que apontaram as fraquezas do sistema, todas as outras se fecharam em copas. E estamos a falar de dirigentes do partido que à boca fechada dizem uma coisa e no congresso dizem outra. Estou completamente à vontade, porque tenho travado uma guerra contra aquilo que considero serem as fraquezas do sistema. Eventualmente, no PSD e no PS também acontecem, mas eu estou é no CDS. Se o CDS começar a lutar contra o sistema, que está insolvente, pode começar a ter melhores resultados eleitorais. De contrário, se continuar a manter uma máquina anquilosante, que abafa aqueles que têm vozes críticas, se continuar a apostar numa lógica contraditória e pouco vertical e, sobretudo, se continuar a desistir da ideologia e sem afirmar que é de direita, porque há um complexo e quase uma vergonha de se dizer que se é de direita, os resultados não poderão ser bons..A mais de 40 anos do 25 de Abril, ainda faz sentido essa "vergonha"? Não se justifica! Nos primórdios, o CDS foi um partido antissistema. Em 1976, o único partido que não votou a favor da Constituição foi o CDS. Porque é que o CDS não tem agora coragem de promover uma revisão constitucional? Por exemplo, para os tribunais de competência especializada para a corrupção é necessário que haja vontade para fazer uma revisão constitucional. Nunca vi o CDS disponível para isso. Estamos à beira da possibilidade de haver uma revisão constitucional de esquerda agora na próxima legislatura, se o PSD e o CDS tivesse tomado a dianteira, pelo menos marcavam posição..Se o PS conseguir a difícil maioria absoluta, ainda vai complicar mais a vida aos partidos à sua direita. Acredito que seja difícil ao PS atingir a maioria absoluta, mas penso que o PS vai ter um resultado muito próximo disso. E vai dar-lhe uma força muito grande. Em 1976, Mário Soares teve um governo minoritário e só conseguiu aguentar-se através de acordos de incidência parlamentar. Só faz coligação em 1978, precisamente com o CDS. Acho difícil haver um remake da geringonça, até porque as circunstâncias são diferentes e porque o PS já vai para estas eleições com outro élan - não podemos esquecer-nos de que o PS não ganhou as anteriores legislativas. Agora até se o Dr. Rui Rio se mantiver no PSD pode haver acordos de incidência parlamentar à direita como pode haver à esquerda. Se não houver uma reformulação do discurso da direita, porque o CDS, e também o PSD, está a ter uma lógica e um discurso de esquerda, uma lógica destas só pode provocar um desaire eleitoral. Temos agora o Dr. Pedro Santana Lopes, que constituiu um partido, o Aliança, que diz que é um partido do centro-direita, mas por que é que ele não diz que é um partido de direita?.Talvez por se pensar que o eleitorado de direita é muito pequeno? O eleitorado de direita não é pequeno. Temos mostrado, nomeadamente com as maiorias absolutas de Cavaco Silva, que o eleitorado de direita não é residual..Muitas pessoas de direita estão então entre os abstencionistas? Não tenho dúvidas disso. Considero que a abstenção é representada pelos que não se sentem representados. Neste momento, grande parte da abstenção é dessas pessoas. Existe aqui um espaço que pode ser ocupado, mas que tem de ser muito bem ocupado. Estou preocupado com isso, porque os partidos à direita, PSD e CDS, estão em pré-insolvência e não penso que consigam recuperar depois das eleições. Vai continuar a haver convulsões dentro do PSD, problemas internos graves que vão cada vez mais fragilizar o partido. O CDS é um partido que está com muitas frações internas e muito fragilizado junto do eleitorado, e se não houver uma alteração radical dentro do partido, e se tiver 3% ou 4%, a recuperação vai ser muito difícil.